Este é o melhor livro que já li sobre futebol e sobre a paixão do torcedor comum para com o seu time do coração. "Febre de Bola" (Companhia das Letras) é a obra de estreia de Nick Hornby na literatura, publicado originalmente em 1992. E logo de cara, o escritor britânico já ganhou o reconhecimento do público e o sucesso da crítica. Vencedor do prêmio William Hill Sports Book of the Year Award de 1992, concedido ao melhor livro sobre esporte, "Febre de Bola" ainda foi transformado em roteiro de filme em duas oportunidades, em 1997 e em 2005.
"Febre de Bola" é uma espécie de autobiografia de Nick Hornby sobre sua relação com o futebol e com o Arsenal, seu time do coração. Através de vários contos/histórias, o autor retrata as partidas de futebol mais marcantes de sua vida. Basicamente, os dois personagens principais do enredo são: ele, o narrador, e o time dele, o Arsenal. A dupla se cruza constantemente através do relato dos "jogos memoráveis". A ótica aqui é do torcedor fanático que abre mão de muitos elementos da sua vida pessoal (a família, a namorada/esposa, os amigos, o trabalho, os outros programas de lazer, sua residência, os demais hobbies, etc.) para acompanhar seu clube aonde quer que ele jogue.
Esse fanatismo nasceu quando Nick tinha apenas 11 anos. Seu pai o levou ao estádio pela primeira vez em uma partida do Arsenal e o garoto ficou hipnotizado pelo ambiente, pelo jogo e pela torcida. A partir dali, ele nunca mais conseguiria deixar de ver um jogo, seja pela televisão ou, principalmente, nas arquibancadas. O rapaz mudou sua rotina, seus hábitos e sua agenda em prol do time. Isso durou toda a juventude e se estendeu pela vida adulta. A existência do torcedor fanático do futebol é pautada exclusivamente pela necessidade de acompanhar as partidas do seu time e de torcedor pelo êxito de sua agremiação dentro das quatro linhas do campo. Os demais elementos da vida são meros reflexos disso. Tudo mais é supérfluo.
O mais interessante desse livro é que o escritor atrela os sucessos e os fracassos de sua vida pessoal e profissional ao desempenho esportivo do seu time. Para ele, tudo está interligado e se mistura em suas memórias afetivas. Não é possível ser totalmente feliz se o Arsenal perde... E não é concebível estar triste quando o Arsenal conquista grandes feitos...
Além disso, é muito legal conhecer de perto o futebol inglês durante as décadas de 1970 e 1980 e no começo dos anos 1990. Naquela época, o jogo praticado na terra da rainha era completamente diferente do que vemos hoje pela televisão. O campeonato nacional não contava com as estrelas mundiais de atualmente e a organização e a paz nas arquibancadas eram sonhos inimagináveis. As brigas, as confusões e o desconforto dos torcedores nesse período dão um colorido especial para as histórias de Hornby e comprovam o quanto era preciso ser corajoso e gostar do time para acompanhá-lo presencialmente nos estádios. Não foram poucas as tragédias que aconteceram dentro e fora dos estádios ingleses, geralmente provocadas pelos hooligans, os torcedores baderneiros e violentos. Curiosamente, quem gostava de futebol nesta época era obrigado a se sujeitar a ver os jogos nas arquibancadas (imundas, desconfortáveis e perigosas), pois a televisão inglesa não transmitia os jogos. Ler o livro de Hornby é viajar neste passado preto e branco do futebol do Reino Unido.
Obviamente, "Febre de Bola" é um livro para quem gosta de futebol ou para quem deseja mergulhar dentro da cabeça de um torcedor fanático do esporte bretão. Eu como sou um apaixonado por este jogo, adorei as narrativas de Hornby. O texto é recheado com a descrição de lances, com a citação de jogadores históricos, com a informação dos placares das partidas e com a contextualização da evolução do Arsenal nos campeonatos disputados.
O escritor utiliza da sua memória fotográfica, do seu humor e do seu saudosismo para voltar ao passado e ambientar o cenário daqueles tempos. De certa forma, acabamos vibrando com cada situação comentada, até mesmo as mais delicadas como os estádios inseguros, a violência das torcidas, a relação ambígua entre dirigentes e torcida e os incansáveis fracassos esportivos do time em questão. Praticamente vemos nas páginas do livro o nascimento e a morte do antigo futebol inglês, que deu origem a lucrativa, organizada e admirada Premier League de hoje.
Apesar de ter adorado "Febre de Bola", principalmente pela sua temática e pela maneira emotiva e apaixonante com que Nick Hornby retrata suas memórias, é preciso fazer algumas ressalvas em relação à qualidade do texto. Não espere encontrar qualquer valor literário ou interessantes recursos linguísticos nesta obra. Essa observação é importante principalmente depois de termos analisado tantos títulos de Mia Couto no mês passado. Hornby é um escritor pop e utiliza dos elementos convencionais para transmitir sua mensagem. Apesar de sua literatura ficar muito abaixo dos grandes escritores, suas histórias contemporâneas vinculadas às pessoas comuns conseguem criar um bom impacto nos leitores e transformar seus livros em objeto de bom entretenimento e fonte de análise da cultura atual de nossa sociedade.
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