Nesse sábado, li "O Rio do Meio" (Mandarim), segundo livro de Lya Luft do Desafio Literário de outubro. Publicada em 1996, essa obra representou a chegada da escritora gaúcha a um gênero literário até então novo para ela: o ensaio. Depois de lançar seis romances, quatro obras poéticas e uma coletânea de contos, Lya Luft sentiu a necessidade de discutir sua literatura e debater alguns temas sensíveis aos seus livros.
Em uma prosa que mistura ficção e realidade, Lya conversa abertamente com os leitores sobre o que, afinal, ela se propõe a falar em seus livros. "O Rio do Meio" começa exatamente com esse questionamento. "Há temas que se repetem, perguntas que se perpetuam; inquietações coincidem entre o escritor e seus leitores, entre quem dá algum depoimento e quem assiste. 'Por que você escreve?' é a primeira e universal indagação", escreveu a autora no primeiro parágrafo do capítulo inicial da obra.
Para responder a essa dúvida, Lya Luft apresenta, em sete breves capítulos, um conjunto de ensaios informais sobre a vida e a morte. Estão ali os conflitos de relacionamento entre marido e mulher, os desafios de envelhecer em uma sociedade fanática pela juventude eterna, os estilos antagônicos de homens e mulheres de encarar a realidade, os erros na construção das famílias e no gerenciamento do lar, as dificuldades na criação dos filhos e o medo natural da morte, entre tantos outros temas inerentes ao cotidiano moderno.
Na época do lançamento dessa obra, Lya Luft não sabia que escrever ensaios iria transformá-la em uma das principais autoras brasileiras da atualidade. "O Rio do Meio" conquistou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) de melhor obra de 1996. Porém, a consagração maior (ou seria definitiva?) viria sete anos mais tarde com a publicação de outro livro de ensaios, "Perdas & Ganhos" (Record), seu maior sucesso editorial até aqui. O best-seller segue a linha do debate direto, sincero e informal sobre temas sensíveis do cotidiano das pessoas maduras. Estava criado um estilo literário único na literatura nacional.
"O Rio do Meio" é um livro curto, de apenas 152 páginas. É possível lê-lo em pouco mais de quatro horas. Seus sete capítulos são: "1. Assobiando no escuro", no qual Lya Luft explica o que representa o ato de escrever e qual é a sua relação com a literatura; "2. Eu falo de infância e madureza", em que a autora apresenta as características da menina sonhadora, desajustada e apaixonada pela literatura que foi na infância (e que mantém na fase adulta); "3. Eu falo de mulheres e destinos" é uma reflexão do principal tema trabalhado nos livros da escritora (o papel da mulher na sociedade moderna e as angústias, os medos e os traumas femininos); "4. Eu falo de homens e seus sonhos" é uma análise sobre o papel das personagens masculinas na literatura de Luft e dos homens, de maneira geral, nas sociedades ao longo das gerações; Em "5. Eu falo da vida e de suas mortes", Lya Luft trata do amadurecimento, do envelhecimento, da doença e da morte; "6. Eu falo de ficções como realidade" é sobre o processo de construção dos romances pela autora; e, por fim, "7. Deus é sutil" é a visão da escritora sobre o transcendental.
Quem gosta de ensaio, de literatura e de Lya Luft irá adorar esse livro. "Rio do Meio" é uma revisão conceitual dos onze livros publicados anteriormente pela escritora. Nessa décima segunda obra, a autora explica abertamente seu processo criativo, sua relação com as personagens, a dicotomia entre realidade e ficção, a escolha dos temas nos seus livros e a consolidação da carreira como romancista. Trata-se, portanto, de um mergulho na arte de produzir romances, a partir do ponto de vista da própria artista.
Além disso, essa obra permite que Lya Luft apresente de forma mais objetiva e contundente seus pontos de vista. Por mais incisivos que sejam as mensagens contidas nos romances, é sempre bom buscar mais esclarecimentos diretamente com a autora. Assim, a gaúcha explica sua visão sobre: o papel da mulher e do homem na sociedade ao longo das últimas gerações, o processo de envelhecimento/amadurecimento, os relacionamentos familiares, os desafios do casamento, as aspirações e sonhos femininos, o receio da morte, a constituição das famílias e as diferentes maneiras de se criar os filhos.
Não é preciso ter lido previamente nenhum livro de Lya Luft para adentrar nas discussões propostas pela autora. Afinal, os temas debatidos por ela são universais. Além disso, a escritora usa muitos exemplos pessoais e reais para pontuar suas explanações. É a separação da amiga, a doença do colega, os dramas de um parente próximo e a mentalidade chocante de um conhecido que dão colorido ao texto. Ao mesmo tempo, Lya insere elementos ficcionais para fazer o contraponto à realidade crua. A maior inovação de "O Rio do Meio", portanto, está em misturar vários gêneros literários em um texto fluído e agradável. É difícil, de certa maneira, classificar esse livro como uma ficção ou como um relato jornalístico. No fundo, é uma mistura das duas coisas.
Apesar de não ser essencial, a leitura prévia das obras de Lya Luft ajudará o leitor no momento em que a escritora debate aspectos da sua literatura. Ela explica detalhes das suas personagens, de alguns enredos, do processo criativo e da sua ideologia. Quem leu um ou dois romances de Lya Luft (as temáticas, as estruturas e as características narrativas dessas obras se repetem infinitamente) já estará em total condição para compreender as referências mencionadas pela gaúcha.
Gostei muito de "O Rio do Meio". O texto é leve apesar dos assuntos serem profundos e pesados. Este um ensaio informal, sem a pretensão acadêmica ou científica. O tom de diálogo, o ar de intimidade e a sensação de confidência entre autora e leitor norteia todo o livro. Se Lya Luft tinha se mostrado uma boa romancista com "As Parceiras", aqui ela se mostra uma exímia ensaísta. Até mesmo quando faz explanações conceituais, Luft mantém a veia de narradora. Seu texto é inteiramente recheado de pequenas histórias, breves relatos e citações pontuais que ajudam a exemplificar o que foi falado e a contextualizar o leitor no assunto. A escritora aborda os temas com naturalidade e com contundência impar. Muito bom!
No sábado, dia 14, vou analisar aqui no Desafio Literário o grande sucesso editorial de Lya Luft: "Perdas & Ganhos". Os fãs da autora estão convidados para retornar ao Blog Bonas Histórias e compartilhar comigo suas impressões sobre esse best-seller. Até lá!
Gostou da seleção de autores e de obras do Desafio Literário? Que tal o Blog Bonas Histórias? Seja o(a) primeiro(a) a deixar um comentário aqui. Para saber mais sobre as Análises Literárias do blog, clique em Desafio Literário. E não deixe de curtir a página do Bonas Histórias no Facebook.