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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Filmes: A Excêntrica Família de Gaspard - O terceiro longa de Antony Cordier


1917, filme de Sam Mendes

Com o fechamento dos cinemas há mais de um mês e meio por causa da pandemia do Covid-19, os cinéfilos só podem recorrer, desde então, aos serviços de streaming e/ou à velha televisão para aplacar seus vícios de sétima arte. Como não sou fã de nenhuma das duas modalidades (gosto mesmo é das salas de cinema, por mais perigosas que elas possam parecer agora), confesso que estava há quase sessenta dias sem assistir a uma produção cinematográfica. As últimas tinham sido o belíssimo “De Quem é o Sutiã?” (The Bra: 2018), no distante comecinho de março, e o encantador “Jojo Rabbit” (2019), visto no Carnaval (alguém aí se lembra como eram nossas vidas no longuíssimo Carnaval?). Por falta de matéria-prima, a coluna Cinema do Bonas Histórias ficou sem nenhum post por oito semanas (um recorde negativo em cinco anos e meio de blog).


Já sofrendo os primeiros sinais de abstinência da sétima arte, fiquei empolgado com a notícia de que o Festival Varilux de Cinema Francês desse ano não seria cancelado. Normalmente realizado em junho, ele foi remarcado para o segundo semestre. Além disso, uma versão adicional e alternativa foi criada para esse período delicado em que estamos passando. Chamado de Festival Varilux de Cinema Francês em Casa, a edição extra terá algumas particularidades. Ao invés de ser transmitido pelas salas de cinema (por razões óbvias!), o novo evento migrou integralmente para a Internet. Com acesso gratuito, o público pode assistir a cinquenta longas-metragens franceses, entre comédias, dramas, animações, tramas históricas e produções infantis, que estiveram em cartaz nos últimos anos por aqui e que fizeram parte da programação das últimas edições do Festival Varilux de Cinema Francês. É ou não é uma excelente notícia, hein?


Em cartaz desde o começo desse mês, o Festival Varilux de Cinema Francês em Casa estará disponível para acesso até o dia 27 de agosto. Para acompanhá-lo, basta entrar no site do evento: festivalvariluxemcasa.com.br. Aí os internautas são direcionados para uma plataforma de streaming (OK, fazer o quê?!). Após um rápido cadastro (nome, e-mail e telefone), já é possível escolher o título e assistir na hora ao(s) filme(s) desejado(s). Foi o que fiz nesse domingo à tarde.


Minha escolha foi pela comédia dramática “A Excêntrica Família de Gaspard” (Gaspard Va Au Mariage: 2017). Lançado no circuito comercial brasileiro no final de novembro de 2018, esse filme integrou a edição retrasada do Festival Varilux de Cinema Francês. “A Excêntrica Família de Gaspard” é o terceiro longa-metragem do promissor diretor Antony Cordier. Seus trabalhos anteriores foram o picante “Para Poucos” (Happy Few: 2010) e o premiadíssimo (mas não menos picante) “Douches Froides” (2005). De forma geral, os filmes de Cordier retratam os dramas sexuais de homens e mulheres de todas as idades. Por isso, o cineasta francês não economiza nas cenas de nudismo e de sexo explícito. Como consequência, muitas vezes suas produções são classificadas como pornográficas e vão parar no centro das polêmicas criadas pelo público e pelos críticos mais conservadores.

Filme A Excêntrica Família de Gaspard

Em “A Excêntrica Família de Gaspard”, Antony Cordier pegou um pouco mais leve (leve para o seu padrão, mas não para o que estamos acostumados a ver nas produções comerciais). Portanto, se você for assisti-lo, prepare-se para encontrar ainda sim um universo despudorado. No elenco desse longa-metragem temos um time de atores experientes e bastante talentosos do cinema francês. Félix Moati, de “Um Banho de Vida” (Le Grand Bain: 2018), Laetitita Dosch, de “Jovem Mulher” (Jeune Femme: 2016), e Christa Theret, de “A Filha do Patrão” (La Fille du Patron: 2014), são acompanhados de Johan Heldenbergh, Guillaume Gouix e Marina Foïs no protagonismo da trama.


“A Excêntrica Família de Gaspard” começa na viagem de trem de Gaspard (interpretado por Félix Moati), um rapaz de 25 anos que trabalha como garçom e na manutenção de elevadores na cidade grande. Ele volta para a casa de sua família depois de um longo período de ausência. Seu retorno tem uma finalidade nobre: assistir ao novo casamento do pai. Na viagem de trem para a sua terra natal, no interior francês, Gaspard conhece Laura (Laetitita Dosch), uma jovem solitária, de poucas posses e que parece ter um parafuso a menos na cabeça. Com vergonha de chegar sozinho ao evento familiar, o rapaz faz uma proposta inusitada para a moça que acabou de conhecer: ele pagará € 50,00 por dia para ela acompanhá-lo e, principalmente, para fingir ser sua namorada. Precisando de dinheiro, Laura prontamente aceita o acordo, apesar de deixar claro que não fará sexo com ele. Assim, o mais novo casal francês ruma alegremente para a casa do pai de Gaspard.


Chegando ao destino, Laura é surpreendida logo de cara com o tipo de residência da família do pseudonamorado. Eles moram dentro de um zoológico particular. O pai de Gaspard, Maxime (Johan Heldenbergh), é o proprietário e os irmãos de Gaspard, Virgile (Guillaume Gouix) e Coline (Christa Theret), tratam dos animais e cuidam da administração do local. Até a noiva de Maxime, Peggy (Marina Foïs), atua como veterinária do empreendimento. A visitante fica encantada com a rotina do lugar e com a dinâmica do zoológico.


Por sua vez, Gaspard também é surpreendido, porém de maneira negativa. Ele recebe algumas notícias pouco animadoras de seus parentes. O rapaz fica sabendo que o casamento do pai corre sérios riscos de não acontecer. Peggy descobriu que Maxime a traiu recentemente e não aceita mais subir ao altar. Na verdade, o noivo é viciado em sexo e não consegue controlar seus instintos sexuais. Apesar da idade, ele tem várias namoradas espalhadas por aí e reluta bastante em largá-las. As confusões não param por aí. Virgile e Coline guardam segredos que vão chocar, quando revelados, Gaspard e Laura. As relações entre os três irmãos são um capítulo à parte do filme. Os sentimentos de Virgile e de Coline em relação a Gaspard são, respectivamente, de ódio e de amor platônico. É até difícil classificar esse turbilhão emocional dos irmãos.

Filme A Excêntrica Família de Gaspard

Em meio ao caos familiar que se instala nos dias precedentes ao casamento (Maxime insiste no matrimônio, enquanto Peggy continua relutando em se unir ao proprietário do zoológico), os pseudonamorados podem se conhecer melhor. A paisagem bucólica do interior francês, a beleza da natureza selvagem e a sensação de férias são propícios para a aproximação do jovem casal. Gaspard e Laura se tornam cada vez mais próximos, unidos e confidentes um do outro.


“A Excêntrica Família de Gaspard” tem pouco mais de uma hora e quarenta minutos de duração. Trata-se de um filme mais voltado para o drama do que para a comédia (sinceramente, não me lembro de nenhuma cena realmente muito engraçada). Ou seja, ele é muito mais um drama cômico do que uma comédia dramática. Conhecendo o histórico cinematográfico e o estilo narrativo de Antony Cordier, achei esse seu último trabalho mais soft quanto ao erotismo e aos dramas sentimentais. Por outro lado, a pegada naturalista permanece intacta, igualzinha a seus primeiros longas-metragens.


É verdade que a cada dez, quinze minutos de “A Excêntrica Família de Gaspard”, alguém aparece totalmente pelado em cena. O nu frontal masculino é algo corriqueiro nessa produção. Os parentes do protagonista não têm qualquer pudor de expor seus corpos. O pai, por exemplo, nada peladão em um aquário na frente da filha (e dos outros dois filhos) sem qualquer constrangimento de nenhum deles (só da plateia!). O irmão mais velho e a irmã caçula dividem a banheira e não se furtam em se ensaboarem mutuamente. Se o nudismo é escancarado, ao menos não temos cenas de sexo explícito como em “Para Poucos” e “Douches Froides”. Por isso, considerei o novo filme de Cordier mais leve.


O turbilhão emocional dos protagonistas também é mais sutil e estritamente introspectivo nesse filme. Os segredos sentimentais e sexuais da família de Gaspard não surgem rapidamente em cena. Eles estão ocultos em meio à rotina e ao passado familiar. Para descobri-los, os espectadores precisam de paciência e de sagacidade. Justamente aí reside a graça desse longa-metragem. Por falar nisso, há várias questões delicadíssimas tratadas em “A Excêntrica Família de Gaspard”: o amor incestuoso, a traição conjugal, o vício em sexo, a inveja/ódio fraternal, etc. Por trás de uma trama aparentemente leve e banal, existe um universo caótico e profundo de temas espinhentos (o habitat natural de Cordier).

Filme A Excêntrica Família de Gaspard

Se o nudismo excessivo incomoda a plateia mais conservadora, por outro lado, esse expediente tem uma explicação plausível dentro da narrativa do filme. Assistimos a uma trama com características profundamente naturalistas. A família Gaspard, nesse contexto, não é muito diferente dos animais do seu zoológico. Acostumados à natureza selvagem e ao manuseio dos corpos dos bichos em exposição, nada mais lógico do que a falta de pudor das personagens em relação a suas intimidades corporais e biológicas. Sob esse ponto de vista, cada integrante do núcleo familiar pode ser comparado a um animal do zoológico. Essa relação pode ficar mais explícita (como no caso de Coline) ou ser mais velada (como no caso de Virgile). Gaspard é o único que tenta fugir dessa sina, o que explica sua longa ausência de casa e sua fuga para a cidade grande.


Como ponto alto de “A Excêntrica Família de Gaspard” temos a atuação impecável do time de atores. De forma geral, o elenco inteiro de protagonistas está ótimo. Destaque especial para a equipe feminina. Christa Theret é a melhor, roubando a cena como a menina-ursa. Laetitita Dosch encanta o público com graça e leveza. E Marina Foïs sabe se impor nas poucas cenas em que aparece. Perto desse trio magnífico, Félix Moati, Johan Heldenbergh e Guillaume Gouix parecem ficar um pouco ofuscados. Porém, isso é só impressão. Eles também estão muito bem em seus papéis.


Outro aspecto positivo do filme é a multiplicidade dos seus dramas sentimentais. Cada personagem possui um mundo próprio de angústias, medos, paranoias e desejos reprimidos (prato cheio para os psicólogos). De forma inteligente, as câmeras de “A Excêntrica Família de Gaspard” não escolhem uma única pessoa para acompanhar. Opta-se aqui por uma visão do coletivo e não do particular. Com isso, essa produção de Antony Cordier não fica restrita a um único conflito, mas a vários, enriquecendo a experiência cinematográfica.


Do lado negativo, o principal problema de “A Excêntrica Família de Gaspard” está em sua narrativa. Não dá para fugir da sensação de déjà vu. O enredo do filme é uma mistura de “Compramos um Zoológico” (We Bought A Zoo: 2011) com “Muito Bem Acompanhada” (The Wedding Date: 2004). A diferença essencial é que a produção francesa possui mais conteúdo dramático. Mesmo assim, achei equivocada a escolha do enredo. Com um pouco mais de criatividade e empenho na hora de construir o roteiro cinematográfico, dava muito bem para fugir dos clichês narrativos.

Filme A Excêntrica Família de Gaspard

Outros elementos que me incomodaram bastante são o excesso de personagens problemáticas e o nível de suas esquisitices. Não duvido que haja famílias tão estranhas quanto a de Gaspard, mas tudo que é pintado em cores muito fortes tende a cair na caricatura, além de afetar a verossimilhança da história. Ninguém é 100% anormal (como Maxime e Coline) nem é 100% normal (como Gaspard e Peggy). A falta de nuances entre os polos opostos estraga um pouco o debate proposto.


O desfecho do filme também é decepcionante. Além de ser óbvio, ele é simplista e condescendente com as vontades da plateia. Em um piscar de olhos, tudo se resolve e o longa-metragem termina bem. “Como assim?”, pergunta-se o espectador mais exigente. “Se os problemas eram graves, como eles podem ser equacionados de forma quase instantânea, hein?”. É inexplicável.


Sinceramente, não gostei tanto assim de “A Excêntrica Família de Gaspard”. Se seus conflitos dramáticos são ótimos (até mais profundos do que nos dois filmes iniciais de Antony Cordier), sua narrativa deixa um pouco a desejar. Porém, é melhor assistir a um filme decepcionante do que não assistir nada, não é? Nesse sentido, saí leve e realizado dessa primeira sessão doméstica do Festival Varilux de Cinema Francês. Consegui, enfim, acabar com o meu jejum cinematográfico. Uhu! Inclusive já tenho uma lista de novos títulos para acompanhar do festival. Os próximos filmes deverão ser: “Primeiro Ano” (Première Année: 2018), “Um Amor à Altura” (Un Homme à la Hauteur: 2016), “Beijei Uma Garota” (Toute Première Fois: 2014), “Tour de France” (2017) e “Um Gato em Paris” (Une Vie de Chat: 2010).


Assista, a seguir, ao trailer de “A Excêntrica Família de Gaspard”:

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