– Obrigada por escolher a Viação Passarinho Terron. E tenha uma ótima viagem.
– Obrigado.
Saí do guichê da companhia de ônibus com a passagem em mãos. Por precaução, conferi as informações: origem São Paulo; destino São José dos Campos; horário de saída 13h30; horário previsto de chegada 15h; portão de embarque 12; e assento 37. Tudo estava certinho com o bilhete recém-emitido. Confesso que gostaria de ter comprado também o da volta, mas isso era impossível de se determinar naquele instante. Paciência! Uma coisa de cada vez.
Dobrei a passagem e a guardei no bolso da frente da calça jeans. Aproveitei para apanhar o celular e consultar o relógio. Faltavam 40 minutos para o embarque. O que eu faria para passar o tempo naquele lugar onde todos pareciam apressados?
Retomei a caminhada pelo saguão principal da Rodoviária do Tietê. Não era preciso ser muito inteligente para ver que eu não deveria ficar zanzando por ali. A mochila volumosa começava a empapar com suor minha camiseta na região das costas. Além disso, a mala de rodinhas era dirigida de um jeito zombeteiro pela minha inábil mão esquerda. Se continuássemos andando no meio da multidão estressada, não demoraria para trombarmos, eu e minha mala, com alguém.
Desviando do fluxo frenético de pessoas, procurei um café com uma aparência minimamente aceitável. Na sequência, iria procurar uma livraria. Estava sem nada para ler no ônibus. Era bom ter dinheiro na carteira para as pequenas extravagâncias do dia a dia. E imaginar que há uma semana o ato de tomar um cafezinho fora de casa ou adquirir uma revista iriam corroer as entranhas mais profundas da minha consciência. Pior do que ficar pobre ou achar que existia entranhas na cabeça era se acostumar àquela situação.
É verdade que estava longe de me considerar uma pessoa rica. A simples quitação das contas atrasadas, principalmente do aluguel da casa, já me deixava aliviado o suficiente para não me incomodar em gastar um pouquinho com as vontades supérfluas que surgiam sem aviso. Para ser mais exato, não era apenas alívio o que sentia. Um certo orgulho de minha façanha dos últimos dias também inundava a minha alma.
Pela primeira vez desde que me casara com a Dora, eu contribuía, em um mês, mais do que ela com nosso orçamento doméstico. O maior problema não era arcar com apenas vinte ou vinte e cinco por cento das nossas despesas, como me acostumei a fazer. O mais grave tinha sido os vários meses em que nem isso eu consegui arrecadar, implodindo nossa saúde financeira. Se achávamos limitada a minha contribuição nos tempos áureos, quando ela se tornou nula, sentimos saudades de cada centavo que pingava em minha conta.
Como um bom paulistano, escolhi o café pela fila. O estabelecimento selecionado não só tinha uma serpente humana aguardando sua vez como também tinha o público aparentemente mais bacana da rodoviária. Se essa gente fina e bonita come e bebe aqui, deve ser bom para mim, pensei. O café era do tipo em que você passa no caixa, paga e depois pega seu pedido no balcão. Com poucas mesas disponíveis, disputadas a tapa pelos frequentadores, o negócio era consumir de pé mesmo, no balcão ou no meio do corredor da rodoviária. Se todos se sujeitavam a esse tipo de atendimento, quem seria eu para reclamar, hein?
Após me posicionar na fila, olhei para o alto e contemplei o cardápio pregado em um painel gigantesco atrás do balcão. Não via a hora de tirar a mochila das costas. Apesar de estar sem fome nenhuma, tinha almoçado em casa antes de sair, um cafezinho preto e um pão de queijo iriam cair bem. Talvez estivesse comprando algo mais pela vontade de gastar do que pela necessidade de colocar algo no estômago. Vai entender o ser humano! Naquele momento não refleti sobre isso. Preferi fazer a conta mentalmente do meu pedido: R$ 5,50 mais R$ 6,50 dá R$ 12,00.
Vendo que a fila iria demorar um pouco para fluir, estacionei a mala de rodinhas na frente do corpo, entre minhas pernas, e usei as duas mãos para ligar para a Dora. Como ela tinha saído cedinho de casa, ainda não havíamos nos falado naquela quinta-feira. Apesar de termos combinado os aspectos gerais da minha viagem e, principalmente, da minha ausência prolongada do lar, ainda sim havia um montão de coisas que precisávamos acertar.
Admito que aquela situação era nova para nós dois. Pela primeira vez desde que nos casamos, eu passaria vários dias distante de casa. Normalmente, era a Dora quem viajava a trabalho. Uma vez, há cerca de um ano, se eu não estiver enganado, ela ficou três semanas seguidas no Espírito Santo tratando de um contrato de fusão entre uma empresa gringa e uma nacional. Coisa grande e complicada. Quando ela voltou, eu fiquei aliviado. Jurava que ela tinha encontrado alguém por lá e jamais retornaria para mim.
Portanto, já estávamos acostumados com as constantes ausências da Dora. Esta minha viagem para São José dos Campos era, por outro lado, algo que abalava as bases de nossa dinâmica familiar. Juro que gostaria de saber quem iria cuidar da casa, cozinhar, lavar e passar nos próximos dias. Porque eu era o dono de casa, ao melhor estilo Amélio. Se havia um casal para as feministas invejarem, o nosso com certeza estaria no topo da lista.
Enquanto a Dora trabalhava feito um camelo no escritório de advocacia, este que vos fala (ou seria escreve?) ficava, entre um serviço de mudança aqui e outro acolá, arrumando a casa. Não é preciso dizer que nunca achei bonita essa situação. Uma coisa é defender na teoria a equiparação de gêneros. Outra é você saber que sua esposa cuida sozinha, ou quase sozinha, das finanças da família enquanto você varre a sala, lava o banheiro, arruma o quarto e administra os itens da geladeira.
Antes que alguém fique bravo ou brava com a minha confidência, eu explico. Só queria ganhar um dinheirinho com o meu trabalho. Até aceitava continuar com as tarefas domésticas numa boa, mas precisava, pensando na minha autoestima, receber uma remuneração pelas minhas atividades profissionais. E se isso acontecesse com um trabalho relacionado à escrita, melhor ainda.
A Dora não me atendeu. Ela devia estar em reunião. Não falei que a bichinha trabalhava como um cão? Na maioria das vezes, ela não conseguia sair para almoçar – emendava uma reunião na outra e visitava mais de um cliente no mesmo dia. Quando tinha audiência, aí seu dia se tornava curto e ela não conseguia voltar para casa antes das dez da noite. E eu aqui reclamando das minhas atividades domésticas, santo Deus!
Enquanto manuseava o aparelho celular, ele vibrou. Não, não era a Dora retornando minha ligação. Era o Paulo. Atendi antes do segundo toque.
– Boa tarde, meu escritor favorito!
– Oi, Paulo – minha voz saiu desanimada. Odiava quando ele me chamava daquele jeito. Sempre soou como uma sátira ou uma maneira de ele chamar os ghost writers da editora sem que precisasse se lembrar dos seus nomes – Tudo bem?
– Tudo ótimo. E aí, preparado para pegar a estrada?
– Sim. Estou agora na rodoviária. Meu ônibus sai daqui a pouquinho.
– Beleza! Quando você chegar lá, vá direto à casa do Roberto. Apresente para ele a ideia do livro. Faz um tempo que nos falamos e, talvez, ele não se lembre com clareza da proposta dessa obra.
– Estava pensando em passar antes no hotel. Sabe: deixar as coisas, a mala, tomar um banho e trocar de roupa.
– Sem problema, meu caro. O importante é você não se atrasar para o encontro.
– Qual foi o horário que você combinou com ele?
– Não combinamos um horário certo. O legal é você estar lá no finalzinho da tarde ou, no mais tardar, no comecinho da noite.
– Tá bom – Eu tinha tempo suficiente para fazer tudo com calma. Nesse instante, lembrei de algo que o Paulo tinha dito na reunião de terça-feira – Quando você disse que o cara era meio estranho, o que exatamente você queria dizer com isso?
– Nada que você precise se preocupar agora – ele soltou uma gargalhada que me obrigou a afastar um pouco o telefone do ouvido – Relaxa que vai dar tudo certo. Ah, e não se esqueça de pegar as notas de tudo o que você consumir em São José. Lembre-se que as despesas de transporte e de alimentação são por conta da editora. Combinei isso com a Isadora na semana passada.
– Tá bom, não vou me esquecer.
Assim como não podia me esquecer que a Isadora ligara para ele assim que soube do nosso acordo. Ela estava desconfiada que eu seria mais uma vez ludibriado pelas editoras e precisava ela mesmo negociar em meu nome. Coisa de advogada, ela disse. Coisa de esposa brava, eu pensei.
– Beleza. Boa viagem e ótima reunião mais tarde. E me ligue assim que você sair da casa do Roberto. Quero saber as novidades em primeira mão.
– Pode deixar. Até mais!
Nada como uma conversinha para passar o tempo quando se está em uma fila, né? Foi só eu me distrair um tantinho e, voilà, a metade dos clientes do café já tinha sido atendida. E como uma ligação puxa a outra, vi no visor do aparelho que a Dora estava me retornando. Atendi na hora. Segundo me disse um tanto contrariada, ela saíra da reunião só para saber o que eu queria.
Expliquei rapidinho alguns detalhes da dinâmica da nossa casa. Agendara a visita do eletricista para aquela tarde. Assim, ela precisava estar lá às quatro horas. Falei que tinha feito as compras de manhã, mas não tinha conseguido arrumar tudo nos armários. E a saia que ela queria usar no dia seguinte, eu deixara em cima da cama. Por falar nisso, a Dora se mostrava muito preocupada com as roupas. Quem iria lavar e passar nas próximas semanas?! Sugeri que ela chamasse a Marlene, a empregada da vizinha do apê da frente.
Nesse meio tempo, a fila do café tinha andado ainda mais. Eu já estava na eminência de ser chamado. Glória ao Pai! Havia agora só um casal de adolescentes na minha frente esperando a vez para se dirigir ao caixa. Sem emitir uma palavra há um tempinho, eles digitavam freneticamente em seus celulares. A habilidade deles era típica da geração que já nasceu grudada aos aparelhos eletrônicos e que se esquecia muitas vezes da conexão com o mundo físico. “Na certa, quando forem chamados, vão demorar para ver que chegou a sua vez”, pensei inconformado. Para me adiantar, saquei da carteira uma nota de dez e uma de dois reais. Fiquei, então, de prontidão.
– Uma vez por semana me parece suficiente... Não, não falei com a Marlene... Depois você me conta isso. Preciso desligar. Já vão me chamar... Pode ser... Ahã... Claro que não... Ahã... Fica tranquila... É... Ahã... Relaxa, tá... Tá bom, amorzinho...
Minha vez de ser atendido chegou. Uhu! A funcionária do caixa era uma mocinha de menos de vinte anos. Com o rosto bonito e bem maquiado e com os cabelos longos presos embaixo do chapeuzinho com a logomarca Expresso do Café, ela me olhou com certa impaciência. Não devia gostar de clientes que não lhe conferissem atenção exclusiva. Ou talvez não gostasse que usassem celular na hora do atendimento. Será que os adolescentes que vieram antes a deixaram brava? Não reparei no que acontecera ali, pois estava concentrado na conversa com a Dora. Vai saber! Essa molecadinha de hoje é tão impertinente.
Assim que olhei para a atendente, lembrei imediatamente do Peixoto. O cachorrão velho de guerra era especialista em comunicar seu mal humor em uma simples olhadela. Será que aquela moça na minha frente e o funcionário da Rachel eram parentes? Acho que não. A mocinha era bonitinha e magrinha. Já o Peixoto... Não, não eram parentes coisa nenhuma. Que ideias absurdas eu tenho às vezes!
– Só um instante, por favor – comuniquei-me com a operadora de caixa usando mais a mímica e o movimento labial do que a voz – Amor, agora tenho mesmo que desligar porque chegou a minha vez... Agora, não. A moça tá esperando para pegar meu pedido... Pode deixar, vou me cuidar direitinho... Eu também... Beijo.
Para quem tem curiosidade de saber, não foi difícil convencê-la da ideia de escrever um novo livro. O valor depositado em minha conta foi o argumento infalível no processo de persuasão. Nesse sentido, o Paulo foi matreiro. Atacou-nos diretamente em nosso ponto mais fraco. Eita sujeitinho mais sórdido! Onde já se viu servir bebida para um alcoólatra em processo de desintoxicação?
Se em casa não tive dificuldades para me lançar em meu quinto serviço como ghost writer, a mesma facilidade não encontrei quando fui conversar com a Rachel. A dona da BonaBelle ficou espantada com minha decisão de voltar a trabalhar com as editoras. A primeira coisa que ela me perguntou foi: “A Isadora tá sabendo disso?!”. Quando expliquei os motivos para a concordância de minha mulher, a chefona balançou negativamente a cabeça e ficou provisoriamente muda. Realmente o pagamento adiantado quebrava quaisquer resistências. Mesmo assim, pude ler os pensamentos que brotavam de sua cabecinha cética: “Lá vai ele quebrar a cara de novo! Por que será que as pessoas insistem em repetir os erros? Só não me venha, depois, reclamar que eu não avisei. Você já é grandinho o suficiente para saber o que faz (de errado)”.
Para tranquilizá-la, expliquei que o que estava recebendo agora compensava os serviços prestados no passado. Esse argumento quem me deu foi o Paulo, em nossa reunião inicial. Ele disse em tom bonachão: “Não vá se acostumar com isso, tá? O preço mais alto é para cobrir o prejuízo que você teve lá atrás. Apesar de eu não ter nada a ver com isso, nunca mais diga que você levou calote das editoras. Porque agora estamos zerados com você, meu caro. Ou melhor, estaremos zerados quando você entregar o livro. Não se esqueça: esse valor é um adiantamento”.
Confesso que, ao ouvir as palavras do dono da Pomelo, senti um pequeno arrepio sair de minha espinha dorsal e caminhar velozmente por todo o corpo. Não comentei sobre isso com a Rachel nem com a Dora, mas interpretei a mensagem do Paulo como uma ameaça velada. De uma hora para outra, eu havia deixado de ser credor do mercado editorial para me tornar um endividado. Minhas dívidas apenas mudaram de patamar: deixaram de ser financeiras para se tornarem morais.
Afinal, eu havia recebido uma bolada previamente por um serviço que precisava ser entregue custe o que custasse. E se me acontecesse alguma coisa no meio do caminho que me impossibilitasse de produzir o livro, hein? E se o pessoal da editora não gostasse da qualidade da obra? E se de repente o autor, em São José dos Campos, resolvesse desistir da publicação? Quem quebraria a cara bonito era o paspalho aqui.
A perspectiva de encontrar pedras intransponíveis pela frente me tirava o sossego. O correto, refletindo melhor, seria ter guardado a grana integralmente, ou uma boa parte dela, para devolver ao Paulo caso algo atrapalhasse a conclusão da empreitada. Porém, como poderia ser tão remediado quando estava devendo para Deus e o mundo!
Para ser justo comigo mesmo e com a Dora, pagamos todas as nossas dívidas na sexta-feira passada, dois dias depois do valor ter caído em minha conta e meia hora após ter confirmado com o Paulo a minha participação no job. Também aproveitamos o final de semana para esbanjar um pouco. Como acreditávamos ter sido agraciados pela misericórdia divina, depois de um longo tempo de grandes privações, eu e a Dora saímos para vadiar à dois, como fazem todos os casais felizes, saudáveis e jovens que têm alguma bufunfa no bolso. O sábado e o domingo foram suficientes para nos esbaldarmos na rota pecaminosa de São Paulo, que conhecíamos tão bem da época em que namorávamos. Não somos de ferro, tá?! No final das contas, devia ter sobrado pouco menos de quinze por cento do valor ganho. Só de pensar nisso, meu coração dava uma engasgada e meus pulmões se comprimiam.
Antes que alguém me acuse de ser um completo irresponsável, deixe-me explicar. Em primeiro lugar, eu nunca tinha recebido antecipado por um serviço. Logo, não tinha experiência de como agir nesse tipo de situação. Além disso, quando conversei na terça-feira com o Paulo e ouvi o que interpretei como sendo uma intimidação sutil, não havia cogitado, até então, a possibilidade de algo dar errado. Assim, quando senti o arrepio, em pé no café da rodoviária, Inês já era morta.
– Senhor? Senhor?! – a moça do caixa me olhava enojada, mas conseguia manter a educação protocolar – Se não for fazer o pedido, por favor, saia da fila para eu atender os outros.
– A gente não tem o dia inteiro, sabia! – gritou uma mulher no final da fila.
– Vai logo, seu folgado! Meu ônibus tá pra sair – um homem, esse mais perto de mim, também fez questão de comunicar sua insatisfação. Como não quis saber de onde vinham os clamores nem quem eram seus remetentes, não esbocei olhar para trás.
– Desculpe-me. Eu vou querer... vou querer...
De repente, não mais do que de repente, aquele café da rodoviária já não me parecia um estabelecimento tão adequado assim para uma paradinha casual. Afinal, eu precisava me manter vivo e minimamente saudável pelas próximas semanas, meses ou quiçá anos. Sabe-se lá quando eu conseguiria me livrar daquele livro e da dívida moral de entregá-lo. Isso é, se eu conseguisse finalizá-lo, algo que já começava a duvidar.
Estaria eu enlouquecendo? Para me certificar do nível de minha sanidade mental, olhei novamente para o outro lado do balcão. Com a vista um pouco embaralhada, parece que vi muita poeira sobre as xícaras. Duvidei da procedência da água usada no café, provavelmente de torneira e não tão bem fervida. E podia jurar que avistei mosquitinhos sobrevoando a estufa onde jaziam os pães de queijo mais murchos e chechelentos da história humana.
Se eu fosse vítima de uma indigestão ou de uma infecção alimentar leve, tudo bem. Ficaria de molho por alguns dias e logo mais estaria de volta ao batente. E se eu ficasse ruim a ponto de não conseguir começar a produzir o livro? O Paulo teria coragem de me substituir? Se sim, como eu faria para devolver à editora o dinheiro recebido? No caso de uma consequência ainda mais grave, deixaria uma jovem e linda viúva com uma dívida considerável. Não poderia fazer isso com a Dorinha de jeito nenhum!
Onde eu estava com a cabeça para ter escolhido um estabelecimento tão rampeiro como aquele?! Se ainda estivesse com sede, fome, vá lá, talvez valesse a pena correr algum risco. Porém, definitivamente, não era o caso. As conversas ao telefone devem ter me distraído. Se a Dora estivesse me acompanhando, jamais ela aceitaria entrar naquela fila ou se aproximar daquele pé-sujo.
– Vou querer uma garrafinha de água – respondi antes que a atendente pudesse chamar a polícia, conforme sugerido por alguém na fila – Gelada e sem gás, por favor. Não, não! Sem gelo. É melhor. Nunca se sabe quando um resfriado está a caminho...
– Mais alguma coisa? – sua voz tinha um quê de receio que eu fosse demorar mais meia hora para responder. Se já tinha perdido tanto tempo para solicitar uma água, imagine só o tempo necessário para eu escolher algo para comer! Para alegria geral da nação, balancei negativamente a cabeça. Então, a moça decretou – Cinco reais.
Pensando em facilitar o troco, afinal nunca gostei de incomodar ninguém, tirei a carteira do bolso novamente e a abri à procura de uma nota de cinco. Talvez o mau humor da funcionária do café possa ser explicado pela falta de troco em seu caixa. Isso acontece! Vai ver os adolescentes compraram uma balinha com uma nota de cem reais. Meu gesto altruísta, infelizmente, não saiu com a precisão imaginada. Tentando ser rápido, mas atrapalhado pelo excesso de itens nas mãos, celular, duas cédulas de dinheiro e carteira, e desequilibrado por ter uma mala entre minhas pernas, acabei derrubando tudo no chão.
A carteira caiu no meu pé direito. O compartimento de moedas abriu com o impacto no piso e lá se foram moedinhas por todo o saguão da rodoviária. A mala só tombou. Quem teve pior sorte foi o celular. Ele voou mais longe e, ao bater no solo, a bateria desprendeu, sendo atirada para um local em que meu campo de visão não alcançava. Ainda bem que as pessoas que não estavam na fila foram solidárias e me ajudaram a recuperar quase todos os pertences. Digo quase todos porque duvido que todas as moedas tenham voltado.
Saí do café com uma garrafinha de água sem gelo e com meu orgulho próprio dizimado. Fiquei tão mal, mas tão mal com os xingamentos e as críticas dos demais clientes que segui desnorteado para a plataforma de embarque. Tinha os pensamentos embaralhados e a camiseta, agora sim, totalmente banhada de suor nas costas e nas axilas. Meu estado era tão deplorável que, ao me aproximar do portão onde estava o ônibus que pegaria, lembrei das palavras de minha avozinha já falecida: “tudo o que começa mal, termina mal”. Seria essa uma previsão fatídica para a minha aventura recém-iniciada pelo interior paulista? Era um presságio nada estimulante.
De qualquer forma, eu tinha aprendido algumas lições importantes. Em primeiro lugar, nunca mais receberia adiantado por um serviço. Tomar calote pode ser ruim, mas receber antes e ficar paranoico pode ser pior. Em segundo lugar, da próxima vez que passasse pela Rodoviária do Tietê, com certeza ficaria longe daquele café diabólico. E, por fim, em minhas próximas viagens, usarei uma camiseta esportiva ao invés de uma de algodão. Vivendo e aprendendo.
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