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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: Alberto Mattos


Talk Show Literário: G.H.

Darico Nobar: Sejam bem-vindos a mais um Talk Show Literário. No programa de hoje, vou conversar com o investigador de polícia que vivenciou os momentos derradeiros do governo Getúlio Vargas. Suba aqui no palco, Alberto Mattos! [O entrevistado recebe os aplausos do público presente no auditório].


Alberto Mattos: Boa noite, Darico.


Darico Nobar: Boa noite, comissário Mattos. É uma honra recebê-lo aqui em nossos estúdios para um bate-papo sobre literatura e, principalmente, sobre a história do...


Alberto Mattos: O que tem dentro desta caneca?!


Darico Nobar: É água. Sempre servimos água para nossos convidados.


Alberto Mattos: Será que não teria um copo de leite? Eu tenho problemas estomacais. O leite, sabe como é, acaba aliviando minhas dores.


Darico Nobar: Produção, temos leite? Sim? Ótimo! Por gentileza, tragam um copo para o nosso visitante. [Um assistente de produção traz a bebida solicitada].


Alberto Mattos: Obrigado. [O entrevistado toma um generoso gole].


Darico Nobar: Quando comparamos suas características com as dos policiais e dos agentes secretos típicos dos romances investigativos, ficamos surpresos com a ousadia criativa de Rubem Fonseca. Podemos dizer que você, comissário Mattos, é um protagonista diferenciado da literatura policial?


Alberto Mattos: Diferente por quê?


Darico Nobar: Não sei explicar... Os homens da lei na literatura e no cinema são geralmente destemidos e implacáveis com os bandidos. São também fortes, vigorosos e sempre escapam da morte que os espreita. Gostam, muitas vezes, de bebidas alcoólicas e possuem um estilo de vida luxuoso. E eles estão o tempo inteiro transando com mulheres lindas. Acho que James Bond, criação literária de Ian Fleming levada depois para o cinema, e Jack Bauer, da série televisiva 24 horas, encaixam-se no perfil clássico desse tipo de personagem.


Alberto Mattos: Ah, entendi... Você está dizendo que sou o oposto deles, não é? Não ando armado e sou o tipo de policial que prefere soltar os presos da cadeia ao invés de prendê-los. Fico me contorcendo de dor e estou sempre a um passo de desmaiar. Muitas vezes, sou levado ao hospital por causa de minha úlcera no estômago. Também não tenho uma vida glamourosa. Nem carro eu possuo. Vivo tomando leite e, em várias oportunidades, já brochei na cama com uma mulher. E para completar, não consigo escapar das emboscadas que meus inimigos preparam para mim. São essas as características que causam estranhamento em você, não são?


Darico Nobar: Isso mesmo! [Abre um grande sorriso]. Acho que você descreveu com perfeição o que causava surpresa em mim como leitor. Diante disso tudo, você se considera um policial incomum?


Alberto Mattos: Esses fatos que acabei de relatar não me fazem ser uma pessoa diferente de ninguém. Pelo contrário: Sinto-me até muito parecido com os homens da vida real. Fora da literatura, da televisão e do cinema, o policial não é um super-herói. Ele tem problemas e defeitos como qualquer outro ser humano. Ninguém é imbatível e imune às falhas. Além disso, a maioria dos tiras em nosso país sofre com os baixos salários e tem dificuldades para pagar as contas no final do mês. No fundo, são uns pobres coitados como eu, padecendo por causa da violência generalizada do Brasil.


Darico Nobar: Contudo, você era considerado excêntrico até mesmo pelos seus colegas, personagens ficcionais do romance Agosto. Como você explica essa visão deles em relação à sua pessoa?


Alberto Mattos: Os elementos que, talvez, me façam ser tão distinto dos meus colegas ficcionais [Toma mais um gole de leite] e, quem sabe, dos meus colegas reais [Ingere calmamente mais um pouco da bebida, apreciando os efeitos provocados por ela em seu organismo. A interrupção da frase ao meio não parece o incomodar] são: trabalho usando mais a inteligência do que a força bruta, sou um policial carioca honesto e tenho ciência dos limites impostos pela Constituição ao meu trabalho.


Darico Nobar: No dia a dia, ser um tira honesto no Rio de Janeiro é algo muito complicado?


Alberto Mattos: Ser uma pessoa honesta no Brasil, por si só, já é difícil paca, independentemente da profissão exercida! Se você tiver esse defeito, por que honestidade em nosso país é defeito sim, e ainda por cima for policial, aí a coisa degringola de vez para o seu lado. Uma pessoa honesta dentro da polícia, da política ou do serviço público pode danificar toda a engrenagem social da qual nossa cultura está estruturada. Ninguém no Brasil está acostumado a conviver com indivíduos virtuosos. Políticos, empresários, profissionais liberais, bicheiros, prostitutas, criminosos, funcionários públicos, estudantes, donas de casa, juízes, artistas, esportistas e agentes da lei ficam muito desconfortáveis diante de um homem ou de uma mulher corretos. O honesto é visto como uma aberração da natureza, um extraterrestre alienado, um psicopata perigoso ou um indivíduo imprevisível. Portanto, ele é pouquíssimo confiável e deve ser extirpado da sociedade.


Darico Nobar: Policial bom é aquele que mata e prende independentemente da situação? Ou policial bom é aquele que respeita as regras e cumpre seu papel legal?


Alberto Mattos: Policial bom é policial morto.


Darico Nobar: Como assim?!


Alberto Mattos: É verdade. [O entrevistado vira o copo de leite na boca, bebendo todo o conteúdo]. Repare nos meus antigos colegas. [Limpa com a palma da mão o bigodinho branco que se formou no rosto após a ingestão da bebida]. Eles só passaram a gostar de mim depois que sofri um grave atentado. O comissário Pádua é uma boa referência. Ele vivia incomodado com as minhas atitudes e queria me ver pelas costas. Se pudesse, colocava uma bomba na minha casa para que eu sumisse pelos ares. Só passou a se preocupar um pouco comigo quando soube que eu fora jurado de morte por um bicheiro. Aí, quando levei um tiro e morri, me tornei o melhor policial do mundo na visão dele. Esse é, muito provavelmente, um aspecto corporativista da nossa profissão.


Darico Nobar: É verdade, você morreu! Como você explica o fato de ter sido assassinado e estar hoje aqui sendo entrevistado por mim?


Alberto Mattos: Darico, como você explica que eu seja um policial honesto, inteligente, trabalhador e culto? Lembre-se, eu gostava de ópera! Como você justifica a minha preocupação com a superlotação do sistema carcerário já na década de 1950 e o meu combate sistemático ao abuso da autoridade policial que os pobres e os oprimidos sempre sofreram?


Darico Nobar: Você só é assim porque é uma personagem ficcional. Você é produto da imaginação do Rubem Fonseca. Você jamais saiu de dentro dos romances ou das séries de televisão. Por isso, age dessa maneira tão ideológica e utópica.


Alberto Mattos: Ou seja, como um indivíduo pertencente ao universo da ficção, eu posso morrer dentro da trama e, mesmo assim, vir aqui para conversar com você, não posso? O mesmo acontece com os atores e as atrizes das telenovelas, das peças e dos filmes. Eles interpretam personagens que são mortas, mas na vida real continuam vivos.


Darico Nobar: Faz sentido! [Coça o queixo].


Alberto Mattos: Se não me engano, você entrevistou na temporada passada o Brás Cubas, uma personagem já falecida, e você não se preocupou com essa questão naquela oportunidade, não é mesmo?


Darico Nobar: Realmente, havia me esquecido desse ponto... Mattos, vamos agora mudar completamente de assunto. Podemos dizer que o mês de agosto de 1954 foi o mais complicado da história do nosso país?


Alberto Mattos: Eu achava isso naquela época. Atualmente, vejo os dias precedentes ao suicídio de Vargas como mais um instante delicado que a nossa nação passou. O Brasil tem se fartado em proporcionar momentos politicamente instáveis. Aqui é normal um presidente sofrer impeachment, ser derrubado por um golpe ou morrer misteriosamente em pleno exercício do cargo. Raramente, o mandatário eleito democraticamente consegue cumprir o prazo estipulado para sua presidência.


Darico Nobar: Quais foram os presidentes mais importantes que o Brasil já teve?


Alberto Mattos: Em primeiro lugar, o Getúlio Vargas. Ele transformou um país agrário em urbano de maneira a contemplar os interesses de todos os cidadãos, da classe trabalhadora à elite empresarial e agrícola. Depois dele, não sei precisar quem viria na sequência. Vejo um grupo limitado de governantes relevantes: Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva... Talvez, o João Goulart fizesse parte desse grupo se o tivessem deixado concluir seu mandato.


Darico Nobar: Ao vivenciar pessoalmente a crise de 1954, você concorda que o atentado da Rua Tonelero foi decisivo para decretar o fim do governo Vargas?


Alberto Mattos: Com ou sem atentado ao Carlos Lacerda, os militares iriam derrubar o presidente. Mesmo faltando apenas algumas semanas para a conclusão do mandato de Getúlio, as Forças Armadas iriam tirá-lo da cadeira presidencial de uma forma ou de outra. Se não fosse o assassinato do Major Vaz na Rua Tonelero, os milicos encontrariam outra desculpa esfarrapada para pressionar o presidente através da opinião pública. Sempre foi assim em nosso país. O destino de um governante identificado fortemente com a esquerda é sempre a perda do mandato, a morte trágica, o impeachment, o golpe e/ou a prisão. Vargas não escapou da sina dos defensores do povo.


Darico Nobar: Alberto Mattos, muito obrigado pela sua entrevista. Nossa conversa foi excelente e muito elucidativa.


Alberto Mattos: Eu que agradeço pelo convite e, principalmente, pelo leite servido. Será que não teria mais um pouquinho para eu beber? Estava muito bom mesmo! Se estivesse gelado, estaria melhor ainda...


Darico Nobar: Pessoal de casa, até o nosso próximo Talk Show Literário. [A câmera 2 dá um close no apresentador, que fala olhando diretamente para a tela]. Boa noite a todos e até semana que vem!


Alberto Mattos: Qual é a marca do leite que vocês compram para o programa, Darico? Eu costumo comprar lá para casa o... [O microfone do entrevistado é cortado e, alguns segundos depois, o talk show é encerrado. Uma nova atração entra no ar].


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu na primeira temporada, neste segundo ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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