Neste segundo final de semana do ano, li o livro "O Lado Bom da Vida" (Intrínseca). Esta é a obra mais famosa do escritor norte-americano Matthew Quick. Publicado em 2008, o romance marcou a estreia de Quick na ficção. Até então, o autor nascido, em 1973, na Filadélfia exercia quase que exclusivamente o ofício de professor. Ele ministrava aulas de inglês e de literatura em colégios do segundo grau em Nova Jersey, além de atuar como treinador escolar de futebol e de basquete.
O sucesso de "O Lado Bom da Vida" foi estrondoso e, por que não, surpreendente para um escritor novato. O livro permaneceu várias semanas na lista dos best-sellers do jornal New York Times e foi finalista, em 2009, do Prêmio PEN/Hemingway, concedido ao melhor autor estreante. Na esteira do êxito comercial nas livrarias norte-americanas, o romance teve, em 2012, sua história adaptada para o cinema. O filme homônimo foi lançado com um elenco estrelar: Brandley Cooper, Jennifer Lawrence e Roberto De Niro. A direção e o roteiro ficaram a cargo de David O. Russell, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por esta produção em 2013.
Com os feedbacks positivos tanto da crítica quanto dos leitores, Matthew Quick resolveu abandonar o magistério e focar na carreira de romancista. Depois de "O Lado Bom da Vida", o escritor lançou mais quatro livros: "Quase uma RockStar", de 2010, "Garoto 21", de 2012, "Perdão, Leonard Peacock", de 2013, e "A Sorte do Agora", de 2014. A Intrínseca, editora detentora dos direitos autorais de Quick no Brasil, programa lançar estes títulos em breve. "Quase uma RockStar", por exemplo, chegará às livrarias nacionais já no próximo mês. Para 2015, é aguardado o lançamento da sexta obra do autor nos Estados Unidos: "Love May Fail" (ainda sem título em português). Apesar da boa aceitação dos novos romances de Matthew Quick, nenhum chegou perto de repetir o sucesso de vendas e de crítica de "O Lado Bom da Vida".
Em "O Lado Bom da Vida", temos uma história narrada em primeira pessoa por seu protagonista, Patrick Peoples. Pat, como o rapaz é chamado por todos os familiares e amigos, é um ex-professor de educação física na casa dos trinta anos. Viciado em exercícios físicos, ele adora praticar corridas e fazer musculação, realizando essas atividades várias vezes ao dia. Ele também é um torcedor fanático do Filadélfia Eagles, time de futebol americano. Contudo, o livro começa com Patrick internado em uma instituição psiquiátrica. Foi ali que ele passou os últimos quatro anos de sua vida. Diagnosticado com problemas emocionais, a personagem principal do romance precisou receber um rigoroso tratamento para controlar suas emoções e para minimizar sua agressividade.
Convencida que ele pode continuar o tratamento em casa, a mãe de Pat autorizou o regresso do rapaz ao lar da família. Como condição para isso, o paciente precisará continuar tomando seus remédios e deverá visitar semanalmente o psiquiatra Dr. Cliff Patel. Dr. Patel é quem irá avaliar a saúde mental de Pat. Se o ex-professor não se comportar como os médicos esperam, ele voltará a ser internado.
Na casa dos pais, Pat sonha em restabelecer o casamento com Nikki, a esposa que precisou abandonar (pelo menos é o que ele acredita) quando entrou no "lugar ruim" (é assim que o narrador chama a instituição psiquiátrica). Para que isso aconteça, Patrick se esforça para ser um novo homem: mais calmo, gentil e amoroso com as pessoas, além de ficar magro e sarado. O problema é que ele não se lembra dos motivos da sua internação forçada nem do que levou ao divórcio com Nikki (período chamado de "tempo separados").
Ainda muito apaixonado pela ex-esposa, Patrick acredita que a vida das pessoas é igual ao roteiro dos filmes (ambos devem terminar sempre com um final feliz) e, por isso, sua história com Nikki está fadada a ter como desfecho o reestabelecimento da união conjugal. Ao lado do time de futebol e dos exercícios físicos, Nikki é a grande fixação do rapaz.
Pouco a pouco, o protagonista começa a entender o que aconteceu com ele nos últimos anos. Em sua nova vida, Patrick faz amizade com Tiffany Maxwell, cunhada de seu melhor amigo e sua vizinha. Curiosamente, Tiffany também está passando por tratamento psiquiátrico. Após a perda do marido, a moça enlouqueceu e, assim como Pat, está tentando reconstruir sua vida à base de remédios e de terapia com um especialista.
A amizade da dupla vai aumentando gradativamente até torna-se um problema para Pat. Tiffany se apaixonada pelo amigo, além de segui-lo por todos os lugares. Na visão de Patrick, ele não pode ter nada mais do que uma simples amizade com a vizinha. Afinal, ele se considera ainda um homem casado. E ser infiel é algo abominável. O rapaz não entende o porquê de todos a sua volta insistirem que ele deve trair Nikki.
"O Lado Bom da Vida" é um romance muito engraçado e comovente. Sua graça começa pela excelente escolha do narrador. Como Patrick Peopes é alguém que está recebendo um tratamento psiquiátrico e não se lembra dos acontecimentos do seu passado, o leitor precisa descobrir junto com o protagonista o que está se passando de fato na vida desta personagem. Com isso, somos surpreendidos com os surtos de fúria do rapaz e sacamos quando as pessoas estão mentindo para Pat. O suspense do livro é descobrir o que levou seu narrador a aquela situação tão delicada.
Outra escolha acertada foi a do par romântico de Pat: a destrambelhada e amalucada Tiffany. Ela, em muitos momentos, chega a ser mais louca do que o protagonista. Isso confere ótimas cenas e momentos engraçadíssimos ao livro. Não me recordo de ter lido uma obra literária na qual o casal principal era constituído de duas pessoas com graves problemas psiquiátricos.
De forma geral, a construção das personagens é excelente. Apesar de cair, em alguns momentos, no risco da caricatura exagerada, Matthew Quick sabe criar tipos marcantes. Até mesmo as personagens secundárias possuem características fortes e, por vezes, contraditórias, tornando a trama ainda mais rica.
Gostei também da intertextualidade literária (Patrick lê e comenta alguns clássicos norte-americanos para agradar Nikki, professora de inglês e de literatura do ensino médio), da inserção do fanatismo futebolístico no enredo (impossível não se recordar de "Febre de Bola", do inglês Nick Hornby) e do linguajar simples e quase infantil da narrativa (Patrick tornou-se quase um adolescente, tendo essa característica marcada em seu texto em primeira pessoa).
O final do livro também é interessante. Apesar de um tropeço aqui (conteúdo das cartas pouco verossímil) e outro ali (encontros forçados beirando o improvável), o tom é de surpresa e de grandes revelações. Matthew Quick guarda os principais segredos que alimentam o mistério da trama até os últimos capítulos, deixando o leitor curioso até as últimas linhas.
"O Lado Bom da Vida" é aquele tipo de livro com uma pegada comercial, mas feito com inteligência e sensibilidade. Matthew Quick mostra-se um bom romancista, com potencial para frequentar mais vezes a lista dos best-sellers norte-americanos. Gostei tanto do livro que fiquei curioso para assistir a sua adaptação para o cinema. Quem sabe no próximo final de semana não me programe para ver o DVD de "O Lado Bom da Vida". Admito estar bastante curioso.
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