Ao terminar a leitura de "Uma Longa Queda" (Companhia das Letras), admito que Nick Hornby subiu vários pontos em meu conceito. Este livro é muito, muito bom. Ele é excelente! Sem sombra de dúvida, é a melhor obra das três que li neste mês deste autor (as outras foram "Febre de Bola" e "Alta Fidelidade"). Esse livro, creio, marca o ponto alto da carreira de Hornby no mundo das letras.
Escrito em 2005, "Uma Longa Queda" traz todos os elementos que marcam a escrita do autor inglês: humor autodepreciativo, personagens complexados, referência à cultura pop e linguagem simples e dinâmica. Além desses pontos, Nick Hornby traz, de maneira soberba, vários assuntos polêmicos (como suicídio, pedofilia, deficiência física, envelhecimento, depressão e desequilíbrio emocional), nos quais trata desprovido da preocupação de ser politicamente correto. Ou seja, os encara com coragem e sinceridade. A ironia, a abordagem direta e a reflexão dos personagens são as armas do escritor para debater esses assuntos.
A história do livro é sobre quatro pessoas desconhecidas que se encontram por acaso na noite de Ano-Novo no alto de um prédio em Londres para se suicidar. Todas elas estão cansadas da vida e não enxergam mais sentido para continuar existindo. A cena que abre "Uma longa queda" e explica o enredo da obra é sensacional: engraçada, dramática e marcante. Tentarei narrá-la resumidamente aqui.
O primeiro a chegar para pular do edifício é Martin. Ele é um famoso apresentador de televisão e teve sua vida devastada depois de fazer sexo com uma menina de quinze anos. Como consequência ao ato, ele ficou preso e perdeu a família (a esposa se separou e não o deixa mais ver as filhas do casal). As pessoas costumam ofendê-lo nas ruas e ele passou a ser o grande vilão do Reino Unido.
Quando Martin está se preparando para se jogar do prédio, surge Maureen, uma mulher de meia idade que vive com um filho em estado vegetativo. Ela passa todos os dias da semana e todas as horas do dia cuidando exclusivamente do rapaz. Sua rotina é a mesma há quase vinte anos. Ela não se diverte, não interage com ninguém e não tem qualquer momento de alegria. Cansada desse cotidiano, Maureen se programou para se matar na noite do Ano-Novo. Entretanto, ela começa a discutir com Martin, pois não conseguirá se atirar do alto do edifício se ele a ficar observando.
No meio do bate boca, surge uma moça de dezoito anos chamada Jess. A jovem sai correndo em direção à beirada do prédio para se jogar lá de cima. Martin e Maureen conseguem a muito custo segurá-la e ficam chocados quando Jess diz que quer se matar. Para os dois, a moça é muito jovem para aquilo. Assim, Martin e Maureen tentam convencer Jess a não tirar sua própria vida (algo no mínimo curioso vindo de dois suicidas em potencial).
Para terminar a cena, surge no alto do edifício um entregador de pizza. O grupo descobre que ele apareceu por lá também para se matar. JJ, como é chamado pelos amigos, era músico e está em depressão por causa da perda da namorada e do fim da sua banda. Não encontrando mais alternativa para seus problemas, ele deseja se matar. A cena termina com o grupo discutindo suas dificuldades e fazendo uma espécie de pacto, que norteará o restante do livro. Para completar, eles acabam por comer a pizza levada por JJ. É ou não é uma cena espetacular?!
Na continuação da história, os quatro personagens formam um grupo de amigos (um tanto heterogêneo e problemático) que precisará cumprir o acordo feito na noite de Ano-Novo. Para tal, eles precisaram se ajudar mutuamente e mergulhar na vida do outro.
"Uma Longa Queda" tem vários elementos interessantíssimos que valorizam ainda mais a obra e a pitoresca trama. Primeiro é o tipo de narrativa escolhida pelo autor. A história é narrada em primeira pessoa pelos quatro personagens. Eles vão apresentando seus pontos de vista e suas opiniões sucessivamente, em um revezamento constante. Essa opção torna a leitura dinâmica e instigante. Entrar dentro da cabeça desses desmiolados é muito divertido.
O segundo ponto é a construção dos personagens. Fazia muito tempo que não via figuras tão complexadas do ponto de vista psicológico quanto essas. Martin, Maureen, Jess e JJ colecionam, cada um, traumas, bloqueios, medos e inseguranças para inundar uma cidade do tamanho de São Paulo. O grupo é um prato cheio para qualquer psicólogo analisar. Impossível ficar indiferente às dificuldades e aos problemas do quarteto.
A leveza e o humor da literatura de Hornby é o terceiro ponto a se destacar. Apesar dos temas pesados, a leitura não é maçante e cansativa nem o clima do livro é dark. Pelo contrário. Tudo aqui é leve e até mesmo divertido. O escritor consegue relatar os problemas e as dificuldades dos seus personagens com humor tipicamente hornbiano.
E para encerrar, o quarto ponto que merece destaque é, como sempre, a riqueza cultural da cena pop que emoldura o livro de Nick Hornby. Temos a possibilidade, ao longo da leitura, de entrar em contato com referências sobre música, televisão, cinema, peças de teatro e partidas de futebol.
Achei incrível este livro. Li rapidamente suas 328 páginas em apenas duas noites, tamanho foi o fascínio e o magnetismo que ele me proporcionou. Quando terminei a obra e fechei suas páginas, pensei: "Nick Hornby é realmente um grande escritor!". Se estivesse usando um chapéu, na certa o tiraria em reverência ao autor inglês.
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