Meu sonho é ter um jardim: um pequeno espaço para cultivar algo de valor para mim. Entretanto, isso, onde moro, não é tão fácil assim. Vivo em uma cidade de números sem fim. Só mesmo um santo com uma visão aguçada para cuidar desse lugar que, definitivamente, não é Berlim.
Doze milhões de pessoas amontoam-se sobre a terra da fina garoa. É gente varoa vinda de Roma, Tóquio, Serra Leoa, Madrid, La Paz e Lisboa. Trafegam pelas ruas oito milhões de veículos, produzindo uma cinza névoa que não se dissipa à toa. Devoram-se por aqui, diariamente, seiscentas mil pizzas, a maioria da boa. E acontecem, a cada ano, noventa mil eventos que entretém do executivo à coroa.
Às vezes creio que não vivo, apenas sobrevivo. Nesta terra em que não se dorme, estou sempre remoendo um pensamento aflitivo. Apesar das várias oportunidades de carreira, sou taxativo: sinto-me tão frágil e muito decorativo nesse mundo corporativo. Sinto falta de um amor abrasivo e de um lugar para montar o meu jardim afetivo.
Na capital da aglomeração, tenho a sensação de que sou comprimido pela multidão. De manhãzinha mesmo, quase não consegui entrar na condução. Se tivesse comido um pastel de feira a mais no dia anterior, teria ficado na mão. Quando fui comprar um livro, na hora do almoço, aguardei trinta minutos em uma fila sem noção. O filme de ação dessa noite, eu não pude ver apesar de minha empolgação. A placa indicava a superlotação. Para atravessar as ruas e avenidas, em alguns momentos, é necessária a coragem de um caçador de tubarão. É muita confusão em minha opinião!
O pior sentimento, contudo, ocorre quando regresso à minha casa. Ali me sinto mais solitário do que um astronauta da NASA. Saber que não há um espaço verde por perto é o que me arrasa. Como gostaria de ter um cultivo que me ajudasse a esquecer dessa rotina rasa e esquentasse meu coração em brasa.
Habito um apartamento chamado de quitinete. Esse termo aportuguesado significa que ele é um minúsculo quarto/sala com uma toalete. Seus trinta metros quadrados são rodeados por janelas e revestidos por carpete. “O que é isso, afinal?”, poderia me questionar alguém no tête-à-tête. São basicamente três passos para cada um dos lados, medidos pela minha namorada Odete, uma moça meio piriguete que só sabe cozinhar omelete. Compacto e prático como um canivete, minha quitinete fica em uma área nobre, infestada por mendigos e com um ou outro pivete.
Só não fico deprimido porque passo menos tempo nele do que deveria. Trabalho quinze horas por dia, mais do que poderia e muito menos do que de fato precisaria. E ainda perco duas horas no trânsito, entre o ir e vir do escritório da empresa de auditoria. Além do mais, me exercito uma hora na academia, em busca de melhoria e, por que não, de alguma euforia. Ainda arranjo tempo para cursar uma pós-graduação por exigência da minha diretoria. Penso toda hora no dia da almejada aposentadoria.
As pessoas dos outros estados acham engraçado quando explico a dinâmica em meu abrigo. Ninguém acredita que além de diminuto, meu apê ainda é partilhado por um primo e um amigo. Sim, há mais duas pessoas que moram comigo. Como o aluguel é caro por estes lados, o único recurso foi convidar uma dupla que não me fizesse correr perigo. O mais curioso é que quase nunca vejo o Messias nem o Rodrigo.
O primeiro é policial rodoviário, passando mais tempo em sua viatura pelas estradas do que em seu apartamento dividido. Rapaz mais velho, ele é organizado e se preocupa o tempo inteiro em pegar bandido. O segundo é um estudante universitário de dezoito anos, pouco contido. Nessa idade, ou está em uma festa, em um bar ou está estirado em alguma calçada com o olhar perdido.
Não me recordo quando foi a última vez (se é que isso já tenha acontecido) em que estivemos, aqui em casa, todos juntos no mesmo momento. Deve ser por isso que temos apenas duas camas (na verdade, um beliche) no único aposento. Apesar dessa incongruência, nunca houve atropelamento. A sorte do trio foi a diversidade de comportamento.
Meus dois colegas de apê são legais. Eles se contentam em viver em um local sem jardim, sem calor humano e sem animais. Não parecem se preocupar com as ausências de todos os elementos que não sejam materiais. Eles, na certa, têm preocupações mais imediatas e menos sentimentais.
Não gostam, por exemplo, de consumir comida com pesticida. Não ingerem frango, pois leram em uma reportagem que a ave para se tornar suculenta sofre antes de ser abatida. Em um espaço minúsculo, fica confinada durante toda a vida. Além disso, acaba privada de sono, vive estressada e é entupida de comida. Uma crueldade sem medida!
Quando analisado de perto, nenhum lugar é perfeito. Todos têm algum defeito. Os aspectos bons e ruins existem independentemente do prefeito eleito. Se o lugar inspira respeito ou deixa o povo insatisfeito, é tudo culpa da visão do sujeito. O mesmo ocorre nesse município que carrego no lado esquerdo do peito. Porém, tenho certeza de que a vida por aqui seria muito melhor se houvesse mais jardins para o nosso proveito. Essa é a única coisa que falta para deixar a cidade do meu jeito.
Do livro do "Pequeno Príncipe", tenho uma inveja danada do seu principal personagem. Ele morava, como eu, em um lugar pequeno e com uma árida paisagem. Contudo, ele tinha a companhia de uma rosa de beleza selvagem, quase uma miragem. Ela era sua companheira e amiga, fornecendo-lhe alegria e coragem. Norteado por uma paixão genuína, ele protegia sua amada, temendo qualquer bobagem que pudesse afetar sua plumagem.
Gostaria muito de ter um jardim para cultivar esse tipo de relacionamento. Infelizmente, isso não é possível no momento. Não há espaço para tal recurso em minha vida sempre em movimento. Quem sabe um dia haja mais cor nesse cenário cinzento. Se tiver sorte, poderei ter não apenas um pequeno, mas um grande jardim barulhento. Ali as crianças poderão correr e brincar ao relento. Os mais apressados conversarão tranquilamente, esquecendo-se das ocupações e obrigações do seu provento. Os casais apaixonados rolarão entrelaçados pela relva sem constrangimento. Os idosos poderão jogar animadas partidas de dominó ao vento. As abelhas e os pássaros visitarão as flores procurando seu sustento. E lá, cultivarei a rosa que tanto desejo e que me trará certo alento.
Hoje, levo comigo essa quimera. Sei o quanto ela parece improvável durante essa longa espera. Esse sonho é mais pertinente para a galera que mora na Riviera. Nessa cidade que chamo de minha, a vida é igual a este texto onde tudo se acelera. Ao invés de um conto ou uma crônica, quem sabe eu não possa viver um dia como se habitasse uma novela ou um romance de outra era. Com certeza, teria mais tempo para cultivar os aspectos importantes dessa existência tão severa.
Um simples jardim, julgo, faria uma diferença sem fim.
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