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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Crônicas: Eu e o Mundo - 15 - Siempre Coca-Cola


Crônica Siempre Coca-Cola de Ricardo Bonacorci

Em agosto de 2004, eu havia passado no processo de trainee da Coca-Cola e fora enviado para morar em Buenos Aires. Como na unidade argentina da empresa não havia vagas disponíveis em Marketing (era nesta área em que acreditava trabalhar), fui deslocado para a área comercial. Passei a atuar como executivo de Vendas. Meu expediente era realizado a maior parte do tempo nas ruas com os vendedores. Por isso, acabei conhecendo em detalhes a capital portenha.

Depois de alguns meses por lá, a cidade já não era mais uma novidade para mim. Desejando conhecer novos lugares, viajei, em um sábado à tarde, para o município de Tigre. Ele ficava a 33 quilômetros da capital do país. Fui de trem e assim voltei no domingo à noite.

Ao retornar à estação do Retiro, no centro de Buenos Aires, reparei que não havia sobrado nenhum dinheiro em minha carteira. Havia gastado tudo na viagem. Assim, resolvi retornar a pé para casa. Meu apartamento estava apenas a cerca de trinta minutos a pé da estação. O problema era que aquela região era um tanto perigosa para ficar andando sozinho. Ainda mais em um domingo à noite, quando as ruas mais pareciam um deserto e a escuridão tomava conta de tudo.

Sem alternativa, parti rumo à minha casa. Não havia me distanciado dois quarteirões da estação, quando entrei em uma das grandes praças que cercam o lugar. Neste momento, um rapaz veio correndo em minha direção. Ele gritava sem parar: "¡Chico, quiero plata! ¿Donde está la plata? Pases lo dinero". Levei um susto enorme. Meu coração quase saiu pela boca. Como não tinha dinheiro, simplesmente expliquei ao rapaz que não tinha como entregar o que ele me pedia. Ainda argumentei que se tivesse algum no bolso, não ficaria andando por aquelas ruas escuras e desertas com risco de ser assaltado. Eu pegaria um táxi.

O rapaz, que aparentava ter entre dezoito e vinte anos, não se convenceu de imediato. Ele perguntou, percebendo meu sotaque, como um turista brasileiro ficava andando por aí sem dinheiro. Aí expliquei que não era turista, que eu morava ali há alguns meses. "¿Donde trabajas?" quis saber o jovem. Falei que era na Coca-Cola.

Neste instante, o olhar do rapaz brilhou. No meio daquela escuridão toda, parece que havia falado a palavra mágica que me salvaria de um assalto ou de uma violência pior. "¿Na Coca-Cola?", exclamou surpreso. "Sí, na planta de Alcorta", respondi sem entender a felicidade do meu amigo e sendo o mais detalhista possível.

O rapaz me explicou que ele era fã da Coca-Cola. Segundo me disse, era o fã número um da empresa de bebidas norte-americana. Ele levantou a manga da camisa e me mostrou uma grande tatuagem com a tampinha vermelha estampada em um dos seus braços.

Série de crônicas Eu e o Mundo de Ricardo Bonacorci

A partir daquele momento, ele passou a me chamar amistosamente de "Amigo de Coca-Cola". Milagrosamente, transformei-me de um possível alvo de assalto para seu melhor amigo. Inclusive me convidou para ir a um bar tomar alguma coisa com ele. Agradeci dizendo que não tinha dinheiro. Mesmo que tivesse, não iria para o bar com um cara que havia tentado me assaltar a pouco, pensei. Entretanto, o jovem argentino estava decidido. Disse que não havia problema porque era ele quem estava me convidando. Afirmou que tinha um pouco de dinheiro ainda e que seria uma alegria para ele me pagar uma bebida. Como seu "Amigo de Coca-Cola", eu deveria ir, garantiu. Não querendo contrariar o simpático rapaz, não tive como negar o empolgante convite.

No bar perto da estação, pedimos uma Coca-Cola cada um e ficamos conversando. Ele me explicou que se chamava Javier. Morava em Rosário, no norte do país, e havia viajado, na semana anterior, para Mar del Plata, no sul, para ver um jogo do Rosário Central, seu time do coração, na semana passada. Era, afinal, época dos torneios de Verano. Antes da partida, porém, a torcida que ele estava se envolveu em uma grande briga com os torcedores do Boca Juniors. Por causa da confusão, Javier ficara a semana toda preso. Ele havia sido solto naquele dia à tarde. Depois de viajar para Buenos Aires, ele precisava de dinheiro para retornar a Rosário. Temia que sua família estivesse preocupada com a falta de notícias suas.

Depois de falarmos de futebol, falamos bastante de Coca-Cola. Ele ficava encantado com os detalhes do que eu contava sobre a fábrica da empresa. Seu sonho era conhecer aquele lugar. Depois de muito bate-papo, Javier anotou em um papel o endereço e o telefone de sua casa em Rosário. Disse-me que quando fosse visitar o norte da Argentina para dar uma ligada. Afinal, eu era seu "Amigo de Coca-Cola". Com receio de passar o meu endereço (não esqueçamos que o rapaz havia tentado me assaltar), acabei deixando apenas meu e-mail em um papel que dei para ele. Achei que o argentino fosse ficar chateado, mas ele se animou ainda mais. Pegou o papel que havia me entregue e anotou também seu e-mail.

Ao me despedir, quis saber como ele faria para conseguir dinheiro para voltar para Rosário. Juro que estava preocupado. Já cogitava até em levar o argentino até minha casa para dar-lhe alguma plata. Javier disse para não me preocupar com aquilo. Alguém na estação daria o dinheiro, voluntariamente ou não, que faltava para ele comprar a passagem. Para ajudá-lo, ainda expliquei como ele poderia fazer para ir até a rodoviária. Ela não ficava muito longe dali e ele poderia ir andando. Javier agradeceu e tascou um beijo em meu rosto, como só os argentinos gostam de fazer.

Desde então, ganhei um amigo para sempre. Passamos a nos escrever ocasionalmente. Infelizmente, quando Javier voltou para Buenos Aires, eu já havia retornado ao Brasil. Ele se lembrou de mim e do meu time do coração em 2012. Na véspera da final da Copa Libertadores daquele ano, o torcedor do Rosário Central me escreveu falando que ele e sua família iriam torcer pelo Timão por minha causa. Agradeci, embora acredite que ele fosse torcer contra o Boca de qualquer forma.

Conto esta história para mostrar a força de uma marca. Só porque trabalhava na Coca-Cola não sofri uma violência naquele meu retorno de Tigre. Ao invés de me colocar contra o rapaz que queria me assaltar, a marca de bebidas nos aproximou. Ficamos amigos a ponto de nos correspondermos por e-mail até hoje. É verdade que faz tempo que não falo com Javier, mas sei que sempre serei seu "Amigo de Coca-Cola". Essas coisas só acontecem com marcas extremamente fortes e poderosas. Mais do que uma propaganda (que não é o caso aqui), esta é uma constatação real: Siempre Coca-Cola.

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