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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

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Análise Literária: Italo Calvino


Análise Literária: Italo Calvino

Para encerrar o Desafio Literário de 2016, dedicamos o mês de novembro ao estudo de Italo Calvino. O escritor italiano foi o sétimo autor que analisamos neste ano do Blog Bonas Histórias. Graciliano Ramos, Agatha Christie, Pablo Neruda, Sidney Sheldon, Paulo Coelho e Khaled Hosseini estão nesta lista.

Ao longo dos últimos 29 dias, foram lidos cinco livros de Calvino: as novelas "Cidades Invisíveis" (Companhia das Letras) e "O Visconde Partido ao Meio" (Companhia de Bolso), o romance "Se um Viajante numa Noite de Inverno" (Planeta DeAgostini), a obra de contos "Palomar" (Companhia das Letras) e o livro de crônicas "Por que Ler os Clássicos" (Companhia de Bolso). Assim, estamos prontos para emitir um julgamento mais preciso sobre o estilo do escritor modernista e sobre a magnitude de seu trabalho literário.

Italo Calvino nasceu em Cuba, em 1923. Nesta época, seus pais italianos estavam trabalhando e morando na América Central. Enquanto o pai era botânico e agrônomo, a mãe era botânica e professora universitária. Ainda bebê, o futuro escritor retornou à Itália com a família. Para não deixar dúvidas quanto à cidadania da criança (afinal, ela seria cubana ou italiana?), seus pais colocaram seu nome de Italo. Na Europa, Italo Calvino se formou em Letras e passou a trabalhar como jornalista.

Italo Calvino

Sua carreira literária começou em 1947 com a publicação de "A Trilha dos Ninhos de Aranha". O sucesso como escritor veio na década seguinte com o lançamento de três novelas: "O Visconde Partido ao Meio" (Companhia de Bolso), em 1952, "O Barão Nas Árvores" (Companhia de Bolso), em 1957, e "O Cavalo Inexistente" (Companhia de Bolso), em 1959. Apesar de serem narrativas independentes, as três obras abordam personagens nobres do período medieval italiano (viscondes, barões e cavaleiros). Nestas histórias, Calvino trata das fraquezas da alma humana e das injustiças sociais. Ao olhar para o passado, o autor consegue descrever com propriedade as dificuldades atuais do homem moderno, um indivíduo alienado, dividido e incompleto. Assim, as três novelas passaram a ser vistas como pertencentes a uma obra maior e integrada. "Nossos Antepassados" é o nome desta trilogia.

O Visconde Partido ao Meio de Italo Calvino

Li a primeira parte desta trilogia. "O Visconde Partido ao Meio" narra os acontecimentos fantásticos da vida do Visconde Medardo di Terralba. O narrador da trama é um sobrinho do nobre que ainda é uma criança. Nesta novela, o visconde é atingido por uma bala de canhão durante a guerra religiosa travada contra os turcos. O tiro corta Medardo verticalmente, dividindo-o em duas metades. Incrivelmente, as duas partes do corpo do jovem dão origem a dois homens distintos, cada um possuindo uma personalidade própria. Ao voltar para Terralba, a população local passa a ser governada pela versão ruim do visconde, enquanto a versão bondosa ajuda seus conterrâneos na surdina.

Em 1954, Italo Calvino foi convidado para selecionar um conjunto de fábulas italianas que iriam integrar uma antologia. A ideia da editora era produzir uma obra nacional que fosse comparada às coletâneas de fábulas francesas e alemãs, que eram um grande sucesso na época. Calvino escolheu duzentas fábulas ente suas favoritas e as recontou de uma maneira original. O resultado é o livro "Fábulas Italianas" (Companhia das Letras). Os contos presentes nesta obra são fantásticos e misteriosos, recheados de bom humor. Eles contam de uma maneira própria a história italiana ao longo dos séculos.

É também desta época uma célebre carta do autor explicando publicamente seus motivos para o rompimento com o Partido Comunista soviético. Italo Calvino teve uma atuação política destacada desde a adolescência. Assim como tantos outros escritores do seu tempo, o italiano foi um assíduo militante de esquerda. Socialista convicto, manteve-se fiel às orientações do Partido Comunista até 1956, quando os soviéticos invadiram a Hungria. Diante dos crimes praticados por Stalin na Europa oriental, Italo produziu uma carta pública de renúncia aos ideais soviéticos. Suas palavras de repulsa aos atos dos governantes comunistas se tornam famosas no mundo todo. Apesar de se manter esquerdista até o final da vida, o escritor rompeu definitivamente com o modelo comunista da União Soviética.

Cidades Invisíveis de Italo Calvino

Na década seguinte, Calvino lançou três obras: "O Dia de um Escrutinador", em 1963, "As Cosmicômicas" (Companhia das Letras), em 1965, e "O Castelo dos Destinos Cruzados" (Livraria Bertrand), em 1969. Destas, a que teve maior repercussão foi "As Cosmicômicas", coletânea de contos.

O grande sucesso do autor, contudo, estava reservado para os anos de 1970. Depois de "Amores Difíceis" (Companhia das Letras), publicado em 1970, chega às livrarias em 1972 "Cidades Invisíveis". Esta é sua obra-prima, considerada como um dos melhores livros da história. Esta novela recebeu vários prêmios internacionais e é tida pelo próprio autor como sendo sua obra mais profunda. "Se meu livro "Cidades Invisíveis" continua sendo para mim aquele em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjecturas", disse Calvino na década de 1980. Calvino ainda lançou o romance "Se um Viajante numa Noite de Inverno" (Planeta DiAgostini) em 1979.

Em "Cidades Invisíveis", o explorador veneziano Marco Polo descreve para o imperador Kublai Khan as cidades mais exóticas pertencentes ao seu vasto território. As narrativas de Polo são recheadas de fantasias, magias e surrealismo. As histórias trazidas são tão pitorescas que o imperador desconfia que seu explorador esteja mentindo. Contudo, as descrições das cidades são tão poéticas e com uma beleza filosófica tão acentuada, que Kublai Khan ignora a veracidade dos relatos e continua pedindo incansavelmente novas histórias para Marco Polo. Sem sombra de dúvidas, "Cidades Invisíveis" está dentro da lista dos melhores livros que li em minha vida.

Se um Viajante numa Noite de Inverno de Italo Calvino

"Se um Viajante numa Noite de Inverno", por sua vez, é a obra mais original e criativa de Calvino. Nela, o italiano inverte totalmente a ordem dos papéis de um romance. Os protagonistas são os próprios leitores. O autor não é apenas uma pessoa e sim várias, podendo assumir diferentes estilos narrativos. O tradutor, por sua vez, é um picareta que vive de falsificar os textos e de confundir editoras e leitores. Para completar a confusão, não há uma história linear com começo, meio e fim. Ou seja, trata-se de um romance metalinguístico totalmente fora dos padrões. Ele fala, através de uma história amalucada, do ato de produzir e de ler uma narrativa.

A última publicação em vida de Calvino foi "Palomar". Lançado em 1983, este livro de contos tem como personagem principal o Sr. Palomar, um senhor que passa seus dias refletindo sobre a vida e o mundo do qual habita. Cada uma das 27 histórias é uma reflexão profunda sobre um determinado tema. O livro é dividido em três partes: "As Férias de Palomar", "Palomar na Cidade" e "Os Silêncios de Palomar". Pelo seu teor filosófico/existencialista, trata-se de uma leitura difícil e pesada.

Em 1985, Italo Calvino morreu em Siena, na Itália, aos 61 anos. Nesta altura, ele era o escritor italiano contemporâneo mais traduzido no mundo e um dos principais autores do século XX, postulante ao Prêmio Nobel de Literatura.

Postumamente, foram lançados quatro livros do autor: "Sob o Sol-Jaguar" (Companhia das Letras), em 1988, "O Caminho de San Giovanni" (Companhia das Letras), em 1990, "Por que Ler os Clássicos" (Companhia das Letras), em 1991, e "Perde Quem Fica Zangado Primeiro", título infantil de 1998.

Palomar de Italo Calvino

"Por que Ler os Clássicos" não é um livro ficcional. Ele é uma coleção de artigos e ensaios publicada pelo autor entre 1954 e 1985. A maioria é composta por crônicas veiculadas pelo "La Repubblica", jornal onde Calvino trabalhou como colunista na década de 1980. Muitos textos foram extraídos diretamente de prefácios produzidos pelo jornalista-escritor para edições italianas destas obras.

Há alguns anos, a Companhia das Letras, detentora dos direitos autorais do escritor italiano no Brasil, resolveu republicar os principais livros de Calvino. Assim, ficou mais fácil para nós brasileiros conhecermos as obras deste gênio da literatura.

Italo Calvino foi um escritor modernista especializado em histórias curtas: contos, crônicas e novelas. Nesta seara, ele conseguiu explorar todo o seu potencial artístico e literário. Até mesmo quando se pôs a escrever romances, manteve de alguma forma a característica de contista e novelista. "Se um Viajante numa Noite de Inverno" é um ótimo exemplo deste fato. O romance não possui uma única história e sim uma coleção de contos. São dez pequenas tramas independentes que se ligam a uma história de tamanho médio.

Outro ponto marcante de Italo Calvino é a profundidade conceitual por trás de suas histórias. Cada narrativa possui uma mensagem subliminar muito bem desenvolvida. Assim, o conteúdo de suas obras nos leva sempre a boas reflexões. Em "O Visconde Partido ao Meio", por exemplo, Medardo não é a única personagem dividida e incompleta de Terralba. Várias personagens da trama, apesar de fisicamente inteiras, são tão ou mais fragmentadas psicologicamente do que o protagonista. Em um mundo moderno em que o homem é cada vez mais fragmentado e alienado, é legal ler uma alegoria fantástica que trata deste tema na Idade Média. Com sutileza, Italo Calvino aborda um problema atual por meio de uma história universal e atemporal.

Por que Ler os Clássicos de Italo Calvino

Em "Cidades Invisíveis", a leitura é inteiramente subliminar. A mensagem principal da novela está mais nas entrelinhas do que no sentido objetivo de suas frases. Ao longo da novela, o leitor percebe que Marco Polo e Kublai Khan não estão falando de cidades e sim da alma humana. Os lugares são metáforas dos comportamentos humanos. A beleza deste livro está exatamente aí! Quando percebemos a profundidade filosófica de suas descrições, acabamos nos apaixonando por elas. Quem não tem sensibilidade para compreender as mensagens subliminares na certa não achará graça nenhuma neste livro.

Um aspecto ousado do estilo de Italo Calvino é contar suas histórias a partir de descrições de cenários, personagens, sensações e pensamentos. Ao invés de narrar os fatos, o escritor prefere descrevê-los. Isso torna a leitura mais maçante e complicada para o leitor moderno que é ávido por acontecimentos. O escritor chega a brincar com este fato em "Se um Viajante numa Noite de Inverno", sua obra metalinguística.

Este aspecto tem duas consequências imediatas. A primeira é que a leitura fica muitas vezes truncada. É o que acontece no início de "Cidades Invisíveis", uma obra estritamente descritiva. Marco Polo fica explicando as características de cada cidade visitada. Ele fala da geografia e das particularidades desses locais, além dos hábitos de seus cidadãos. Por isso, não há muita graça, a princípio, em seus relatos. Não há muito incentivo para prosseguirmos na leitura de uma história que não avança.

Os livros em que tal fato acontece com mais intensidade são "Palomar" e "Por que Ler os Clássicos". Em "Palomar", não há qualquer ação durante seus 27 contos. O que há são reflexões sobre a vida, sobre o mundo natural e sobre as relações humanas. Desta forma, é comum o leitor se cansar rapidamente dessa leitura. O jeito truncado da trama parece querer afastar o leitor desde as primeiras páginas. Em "Por que Ler os Clássicos", a escolha de poetas e escritores italianos desconhecidos da maioria dos leitores brasileiros também dificulta a empatia do leitor com a obra. Assim, a leitura fica um pouco enfadonha porque simplesmente desconhecemos estes escritores e suas obras.

A segunda consequência é que o leitor pode ficar confuso, não entendendo direito o que está acontecendo no livro. Isso ocorre em várias oportunidades durante "Se um Viajante numa Noite de Inverno". Em "Palomar", por sua vez, é difícil compreender o sentido geral do livro. Se o leitor não ler atentamente os contos e não refletir sobre as divagações do protagonista, é possível que não se entenda absolutamente nada.

Italo Calvino

Por isso, é aconselhável ler qualquer obra de Calvino com calma e atenção. Jamais queira ler velozmente este tipo de livro. A pressa para finalizá-lo levará na certa a incompreensão (a exceção é "O Visconde Partido ao Meio", um livro mais fácil e simples). Também é aconselhável reler estas obras de tempos em tempos. Foi o que fiz com "Cidades Invisíveis", que já havia lido há oito anos. Italo Calvino é um autor para ser degustado lentamente e repetidamente. Só assim poderemos captar boa parte das mensagens do autor.

A chave para a compreensão das histórias de Calvino é entrar em seu mundo irônico e bem-humorado. Esta característica apresenta-se em quase todos os seus livros. Em "Palomar", por exemplo, o primeiro conto é sobre as impressões do protagonista sobre as ondas do mar. Nada mais do que isso. Um leitor menos espirituoso fecharia o livro neste momento para nunca mais abri-lo. Afinal, qual a graça de se ver a análise detalhada das ondas do mar? Nenhuma! Acredito que esta tenha sido a intenção de Calvino. "Quero ver se você vai continuar depois disso", deve ter pensado sorrateiramente o italiano.

A ironia fina também está presente em "Se um Viajante numa noite de Inverno". A confusão da trama é proposital. O escritor provoca o tempo inteiro o leitor. Na primeira crônica de "Por que Ler os Clássicos", Calvino convence o leitor da importância de se ler os clássicos. Como faz isso? Sendo bem-humorado e objetivo. Sua justificativa é engraçadíssima e matadora. Impossível não concordar com ela.

Italo Calvino

Outro elemento típico de Calvino são as frases longas. Há frases que ocupam dez, doze, quinze linhas. O leitor precisa de fôlego para lê-las e, principalmente, para compreendê-las. Não se assuste com tais frases-parágrafos. Encare-as também como brincadeiras do autor. Na certa, ele duvida da sua capacidade de concentração.

Depois dessas leituras todas, cheguei a uma conclusão: a genialidade de Calvino está em abordar temas sensíveis ao homem moderno por meio de tramas curtas, reflexivas, experimentais, bem-humoradas e provocantes. Sua obra, como um todo, é espetacular. Ela provoca reações variadas em seus leitores. Vale muito a pena conhecê-la. Este é um dos principais escritores do século XX e lê-lo é algo obrigatório para quem gosta de boa literatura.

Dessa maneira, encerramos o Desafio Literário de 2016. As análises literárias dos principais escritores nacionais e internacionais voltarão ao Blog Bonas Histórias em maio de 2017. Antes disso, publicaremos o calendário com os autores e as obras que serão estudados na próxima temporada. Fique ligado nas novidades do próximo ano. Até breve!

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