Os primeiros dias do ano não são caracterizados, tradicionalmente, como um período muito farto em produções cinematográficas. As principais novidades chegam às salas de cinema apenas na segunda metade do mês de janeiro. Por isso, o consolo da plateia é aproveitar os títulos que acabaram preteridos em dezembro. Sabendo disso, assisti nesta terça-feira ao longa-metragem "O Que Está Por Vir" (L'Avenir: 2016), lançado aqui no Brasil um pouco antes do Natal.
Esta é uma produção conjunta entre França e Alemanha. Dirigido e roteirizado por Mia Hansen-Love, responsável pela direção de "Eden" (Eden: 2014), "Adeus, Primeiro Amor" (Un Amour de Jeunesse: 2010) e "O Pai dos Meus Filhos" (Le Père de Mes Enfants: 2009), "O Que Está Por Vir" é a obra mais autobiográfica da diretora francesa. O roteiro possui tantos elementos reais que Mia enviou previamente o material para sua mãe aprovar. Na certa, não queria provocar qualquer problema no seio familiar quando o filme fosse rodado e lançado nas telas. O resultado final rendeu à diretora o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival Internacional de Cinema de Berlin do ano passado.
O enredo do filme gira em torno de uma professora universitária de meia-idade. Nathalie (interpretada por Isabelle Huppert) tem uma vida tranquila e feliz em Paris. Ela trabalha como docente e como escritora de Filosofia. Casada há vinte e cinco anos com Heinz (André Marcon), também professor universitário, Nathalie não tem muitos problemas em seu dia a dia. Os filhos já adultos saíram de casa e aparecem pouco. A situação financeira da família parece satisfatória. O único ponto que traz algum aborrecimento é a mania de Yvette, mãe de Nathalie (Edith Scob), de querer chamar a atenção da filha, telefonando nos momentos mais inapropriados e simulando males súbitos.
O dia a dia da professora universitária é leve e alegre. Nitidamente, ela leva a vida que sempre sonhou. Sua felicidade é silenciosa. Ela não precisa gritar para o mundo que está feliz e satisfeita com sua existência. Nathalie encontra prazer em coisas simples do seu cotidiano como ler bons livros e travar boas conversas. Também valoriza as diferentes relações que possui tanto no âmbito pessoal quanto no profissional.
Contudo, essa existência serena começa, pouco a pouco, a ruir. Primeiro é o marido que pede o divórcio. Ele tem uma amante há muitos anos e quer agora viver com ela. Depois, o problema é de ordem profissional. Os livros publicados por Nathalie deixam de ser interessantes para a editora e a professora é demitida. Para completar a maré desfavorável, a mãe de Nathalie morre. Isso tudo acontece em um momento em que a protagonista começa a sentir a chegada da velhice.
Como ela vai reagir diante da constatação de que seu mundo, até então sólido e agradável, não existe mais e foi desmantelado completamente diante dos seus olhos? Esta é a pergunta que o expectador se faz à medida que compreende o drama da personagem.
"O Que Está Por Vir" não é um filme indicado para quem gosta exclusivamente de ação nem para quem não acha graça em diálogos existencialistas e filosóficos. Na certa, quem tem pouca paciência e limitada sensibilidade para compreender as nuances de um roteiro mais introspectivo irá se entediar durante esta exibição. O longa-metragem de Mia Hansen-Love é lento, assim como a vida da personagem principal. Tudo nele transcorre calmamente e com poucas novidades, dando a entender que estas são características do dia a dia de Nathalie. Todas as mudanças demoram muito para ocorrer. Por exemplo, o divórcio pedido por Heinz, que precipita as transformações na vida de Nathalie, acontece apenas na metade da produção.
O mais interessante do filme é notar como a protagonista encara as adversidades que aparecem bruscamente à sua frente. Seus comportamentos iniciais incomodam um pouco o expectador. Avessa às aventuras, aos riscos, às situações impulsivas e, principalmente, às mudanças, Nathalie frustra a plateia com seu conformismo e seu imobilismo. O melhor exemplo disso é a expectativa pelo início de um romance entre a professora e um antigo aluno, Fabien (Roman Kolinka). Vale ressaltar que esta é uma expectativa exclusiva do público, não das personagens.
A maturidade e a compreensão das engrenagens da vida são tão fortes em Nathalie que ela não cai nunca em contradições nem se sujeita a fazer algo que vá contra suas genuínas vontades. Ou seja, a professora não joga para a plateia. Ela vive para se satisfazer da maneira como acredita ser mais interessante para ela. Por isso, Nathalie não se desanima em nenhum momento. O tempo inteiro ela consegue extrair o melhor da vida e degustar o prazer do dia a dia. Apesar do aparente caos a sua volta, seu mundo interno é extremamente sólido e bem construído.
Outro ponto marcante de "O Que Está Por Vir" é o contraste entre a vida e a ideologia pregadas pela professora e as condutas e as preferências de seu antigo aluno. Os choques de opiniões de Nathalie e Fabien se intensificam e nos levam a questionar qual dos dois está realmente certo. Trata-se do eterno debate entre o poder mobilizador da juventude e a maturidade reflexiva da velhice. De certa forma, este é o componente por trás das greves estudantis retratadas no início do filme (oposição ideológica entre governo e jovens universitários).
Também vale a pena perceber o quão metafórica é a situação do gato Pandora. Depois que a mãe de Nathalie, a primeira proprietária do bichinho, morre, ele passa a morar com filha da antiga dona. A cena de Pandora no sítio de Fabien (e o desespero infundado de Nathalie) é muito boa.
"O Que Está Por Vir" é uma obra voltada à compreensão da maturidade feminina e da felicidade silenciosa da meia-idade. Curiosamente, são poucos os filmes que debatem estes temas. Os problemas juvenis e os dramas da velhice comumente rendem roteiros mais intensos e com maior apelo junto ao público. Por isso, é legal assistir aos conflitos corriqueiros de uma mulher comum ao enfrentar os desafios da meia-idade.
Quem deseja ver um filme sensível, comovente e exigente intelectualmente, fica aqui a dica. Veja o trailer de "O Que Está Por Vir":
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