Nesta segunda-feira, fui ao Caixa Belas Artes. A pauta do dia (ou melhor, da noite) era ver a produção iraniana vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2017. "O Apartamento" (Forushande: 2016) foi dirigido e roteirizado por Asghar Farhadi, o mais importante cineasta do Irã da atualidade. "O Passado" (Le Passé: 2013), "Separação" (Jodaeiye Nader Az Simin: 2010) e "Procurando Elly" (Darbareye Elly: 2009), suas três obras anteriores, já tinham encantado a crítica. O trio conquistou vários prêmios internacionais e foi indicado ao Oscar de melhor produção estrangeira. Contudo, o coroamento definitivo do trabalho de Asghar Farhadi chegou neste ano com "O Apartamento". Enfim, a estatueta mais importante do cinema foi para as mãos do diretor persa de 45 anos.
Assim como ocorreu em seus últimos longas-metragens, Farhadi fez de "O Apartamento" uma história sensível e dramática, na qual seus protagonistas são forçados a tomar difíceis decisões em âmbito familiar. Se em "O Passado" e "Separação" os personagens se deparavam com a angústia de ter de escolher entre a família e a pátria, neste novo filme a dúvida recai entre o desejo de vingança e a vontade de manter o casamento.
"O Apartamento" começa mostrando Emad (interpretado por Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) contracenando em "A Morte de um Caixeiro Viajante", peça de Arthur Miller. Além de dividirem o palco, o ator (que também é professor de literatura em um colégio de segundo grau) e a atriz de teatro compartilham a mesma casa e a mesma cama. Eles são casados. Apaixonados um pelo outro, ambos sonham em ter filhos.
Entretanto, a vida do casal é abalada com a ameaça de desmoronamento do edifício onde moram. As obras em uma construção ao lado acabam danificando a estrutura do prédio onde eles residem e o local precisa ser evacuado às pressas. Sem saber para onde ir, Emad e Rana aceitam a ajuda de um colega de teatro e se mudam provisoriamente para um apartamento emprestado. É neste local que Rana irá sofrer um grave incidente.
Certa noite, enquanto a moça tomava banho em sua nova moradia, um homem invadiu a casa e a surpreendeu nua no banheiro. O susto foi tão grande que Rana caiu e bateu a cabeça. O corte foi profundo e provocou um grande sangramento. Levada pelos vizinhos ao hospital, ela se recuperou fisicamente, mas permaneceu muito abalada com a violência sofrida.
As sequelas psicológicas começaram a afetar o casamento de Emad e Rana. O marido ficou indignado com o sofrimento da esposa e com as suspeitas infundadas dos vizinhos que acharam aquela história muito estranha. Assim, ele começou a investigar o ocorrido por conta própria. À medida que avança no paradeiro do agressor, a trama vai ganhando em complexidade dramática e em suspense. Cada peça daquele intrincado quebra-cabeça torna-se importante para elucidar o mistério.
O que mais gostei neste filme foi a combinação do clima de suspense com a tensão psicológica que teimava em rondar os protagonistas. Se o primeiro recurso não é tão comum no cinema iraniano, o segundo é explorado em excesso. Esta junção de mistério com drama psicológico tornou o longa-metragem mais interessante e movimentando (para os padrões iranianos, obviamente), diferenciando-o dos seus conterrâneos.
Desta maneira, o drama do enredo foi potencializado ao máximo, levando o expectador a ter várias dúvidas ao longo do filme. Estas incertezas partiam essencialmente da esposa e do marido. Ambos carregavam desconfianças sobre tudo e todos. Ninguém escapava destas suspeitas, nem o próprio parceiro. Será que ela está escondendo algo dele? Será que as intenções dele são mesmo nobres para com ela? Ficamos com estas dúvidas em nossas cabeças por quase toda sessão.
Outro ponto muito interessante é o desfecho do longa-metragem. A sucessão de revelações, reviravoltas e aflições (pessoais e coletivas) recheiam os vinte minutos finais do filme, tornando-o eletrizante. Somente quando as letrinhas dos créditos sobem, entendemos a verdadeira questão abordada na trama. O conflito é entre a satisfação pela vingança e a opção pelo perdão genuíno. Repare na overdose emocional dos personagens que seguiram por cada um destes caminhos tão distintos.
Por falar em reparar nas personagens, é impossível não comentar a espetacular atuação dos protagonistas. Taraneh Alidoosti e, principalmente, Shahab Hosseini estão magníficos em seus papéis. Não é à toa que ambos são figurinhas carimbadas nas produções de Asghar Farhadi. "O apartamento" é o quarto filme de Alidoosti com o diretor e o terceiro de Hosseini (ganhador do prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes do ano passado por este papel).
Antes de a sessão da noite passada começar, minha grande dúvida era saber se a conquista do Oscar foi merecida ou não. Como já conhecida os trabalhos anteriores de Farhadi, sabia do seu talento e de sua capacidade produtiva. Porém, 2017 foi a cerimônia da Academia de Cinema de Los Angeles mais politizada das últimas décadas. Vários prêmios foram entregues claramente para aplacar antigas reivindicações e reclamações de profissionais desta indústria. Em resumo, "jogou-se para a plateia". O critério técnico, portanto, ficou em segundo plano. "La La Land - Cantando Estações" (La La Land: 2016) que o diga quando o envelope de melhor filme foi aberto…
Neste contexto, minha desconfiança era natural. A premiação de um diretor iraniano seria uma alfinetada na política externa do atual presidente norte-americano, Donald Trump, ou se tratava do reconhecimento do melhor trabalho estrangeiro do ano? Vale lembrar que Asghar Farhadi não pode participar da cerimônia de entrega do Oscar porque ele (e todos os seus conterrâneos) estava proibido de entrar nos Estados Unidos. Seu crime? Ter nascido no Irã, um país de maioria muçulmana.
Com o fim da sessão da noite passada, cheguei a uma resposta satisfatória. O prêmio foi justo. Muito justo. Justíssimo (como diria coronel Belarmino, personagem de José Wilker na telenovela "Renascer"). "O Apartamento" foi o filme mais visto no Irã no ano passado, batendo o recorde de bilheteria em um país apaixona pelo bom cinema. Trata-se de um longa-metragem digno do maior prêmio do cinema mundial. Parabéns, Asghar Farhadi!
Como esta produção está em poucas salas de cinema do país, os interessados em vê-la na telona precisarão procurar bem, além de correrem enquanto há tempo. Em São Paulo, por exemplo, apenas o Caixa Belas Artes (Rua da Consolação, 2.423) a mantém em cartaz. Vale a pena dar uma passadinha lá para conferir este belo filme.
Veja o trailer:
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