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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

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Livros: Casa de Bonecas - Um clássico da dramaturgia de Henrik Ibsen


Casa de Bonecas Henrik Ibsen

Li, neste final de semana, o livro "Casa de Bonecas" (Veredas), uma das obras mais famosas de Henrik Ibsen, o maior dramaturgo norueguês de todos os tempos. Ibsen é considerado o pai do teatro realista moderno. Ele revolucionou a arte cênica na segunda metade do século XIX, influenciando até hoje os profissionais da área. No ano passado, assisti a "Peer Gynt", outro clássico do norueguês.

Contudo, não conhecia a fundo "Casa de Bonecas". Quem havia comentado comigo, certa vez, sobre esta peça foi minha amiga Débora Pesso, que escreve críticas teatrais aqui no Blog Bonas Histórias. Ela interpretou um papel (entre várias atividades, a Débora é atriz) em uma montagem nacional desta peça de Ibsen. Desde então, fiquei curioso para conhecer esta trama (Não pude ir assisti-la no palco na ocasião porque estava morando no Rio Grande do Sul e o espetáculo ficou em cartaz apenas na capital paulista). Aí, no último sábado, achei, por acaso, este livro na estante da biblioteca do meu pai. "Pronto!", pensei. "Agora não tenho mais desculpas para não me aprofundar nesta grande obra de Henrik Ibsen".

"Casa de Bonecas" faz parte de uma antiga coleção da Editora Veredas com clássicos teatrais. Publicado há dez anos, "Em Cartaz", como a série foi nomeada, trouxe para os leitores brasileiros os textos de peças de Anton Tchekhov ("A Gaivota", "O Tio Vânia", "As Três Irmãs" e "O Jardineiro das Cerejeiras"), Antunes Filho (adaptação de "Gilgamesh"), Moliére ("As Preciosas Ridículas"), August Strinberg ("A Dança da Morte") e Máximo Gorki ("Ralé"). Trata-se de uma baita coleção para quem curte os cânones da arte cênica.

Encenada pela primeira vez em Copenhague, em dezembro de 1879, "Casa de Bonecas" gerou grande polêmica na época ao expor o machismo da burguesia escandinava. Esse tema não era usual no século XIX. A peça percorreu os principais teatros da Dinamarca, Suécia, Noruega e Finlândia nos meses seguintes à sua estreia. E graças a essas apresentações, seu dramaturgo ficou conhecido na região e fora dela. Já em 1880, o espetáculo foi encenado em cidades alemãs. Em alguns anos, montagens foram feitas na França e na Inglaterra. Não é errado, portanto, afirmarmos que "Casa de Bonecas" foi responsável pela internacionalização do trabalho e do nome de Ibsen. A partir desta produção, o norueguês entrou para o hall dos mestres da dramaturgia mundial.

Henrik Ibsen

"Casa de Bonecas" é dividida em três atos. No primeiro, conhecemos a família Helmer. A história é ambientada em uma véspera de Natal. Torvald e Nora Helmer são casados há oito anos e têm três filhos pequenos. Depois de passar por algumas dificuldades financeiras, o casal encontra-se em uma fase próspera. Torvald, um advogado honesto e altruísta, foi alçado ao posto de diretor do banco onde trabalha. Ele ocupará o novo cargo em alguns meses. Assim, seu salário será multiplicado e a família poderá viver com mais tranquilidade financeira.

Por não ter assumido seu novo posto no banco, Torvald Helmer precisa conter o espírito consumista da esposa, uma dona de casa zelosa e pacata. Nora parece ansiar por gastar todo o salário que o marido ainda não recebeu. Apesar de amorosa, companheira e dedicada à casa e à família, a mulher é vista pelo marido como fútil, alienada e muito gastadora. Nora, inclusive, chega a pedir para Torvald fazer um empréstimo bancário. Assim, ambos já poderiam gastar, desde então, parte do futuro salário de diretor. O advogado, contudo, é contra a ideia da esposa. O Sr. Helmer é muito precavido quando o assunto é sua vida financeira. Ele tem horror aos empréstimos e acha que pessoas esbanjadoras sofrem de defeito de caráter.

Neste momento da história, Nora recebe a visita de Kristina Linde, uma amiga viúva. As duas não se viam há anos. A Sra. Linde quer a ajuda de Nora para conseguir um emprego no banco de Torvald. Como diretor da instituição, o marido da amiga poderá ajudá-la a obter uma boa remuneração e uma boa ocupação profissional. Nora aceita a tarefa de convencer Torvald a empregar Kristina. Além disso, a Sra. Helmer conta um grande segredo à sua amiga recém-chegada. Ao invés de ser uma mulher fútil, alienada e perdulária como todos imaginam, Nora é na verdade alguém que se sacrifica pela família, que economiza todo o possível e que liderou, em silêncio, sua família no período de maior adversidade.

Há alguns anos, quando Torvald padecia de uma grave doença, Nora contraiu um polpudo empréstimo de um agiota. A mulher fez isso sem o consentimento do marido. Com a grana em mãos, ela levou a família para uma temporada na Itália. Lá, o Sr. Helmer se recuperou e, tempos depois, voltou com a saúde revigorada para a Noruega. Enquanto o marido retomava seu trabalho como advogado, Nora precisou pagar a dívida e os juros ao agiota. Para ninguém perceber seus compromissos financeiros mensais, ela abriu mão dos gastos pessoais e passou a trabalhar em serviços manuais em casa para conseguir o dinheiro. Assim, ao longo dos anos, pode pagar religiosamente a dívida sem que o marido notasse nada de errado. Isso até agora...

Peça Casa de Bonecas

Torvald, como futuro diretor do banco, quer demitir Krogstad, um advogado de caráter questionável que trabalha na mesma instituição. O problema é que Krogstad é o agiota que emprestou dinheiro para Nora. O rapaz procura, então, a esposa de Torvald para que ela interceda a seu favor. O Sr. Helmer perceba a manobra do funcionário e o demite imediatamente. Krogstad fica furioso com Nora e promete revelar o segredo da mulher para o marido. Nora se vê sem saída e totalmente desesperada. Se Torvald descobrir sua antiga artimanha para conseguir dinheiro, ele deixará de amá-la. Ela será vista para sempre como uma mulher desprezível e inconsequente.

"Casa de Bonecas" é um livro curto. Com pouco mais de 100 páginas, é possível lê-lo de uma tacada só. Constituído quase que essencialmente por diálogos (afinal foi escrito originalmente como uma peça teatral), sua leitura é veloz. Finalizei a obra em pouco mais de três horas na tarde de sábado.

O texto de Henrik Ibsen é realmente muito bom. Desde o começo do livro é possível notar a força dramática desta história. O mais interessante é que à medida que a narrativa avança, a tensão vai progressivamente se elevando. Ao final do primeiro ato, é impossível largar o livro. O desespero de Nora é comovente e, na concepção burguesa tradicional, inusitado.

Apesar de a evolução desta trama ser mais ou menos previsível até a metade da obra, a riqueza de sua história está concentrada no final surpreendente. A postura e as decisões tomadas por Nora Helmer no desfecho são espetaculares. "Casa de Bonecas" é aquele tipo de livro que o desenlace transforma o que o leitor havia entendido nas fases anteriores (na apresentação e na complicação). Uma vez compreendido o verdadeiro drama da Sra. Helmer, algo que só é revelado nas últimas páginas, tudo o que fora lido até então ganha uma nova significação (mais forte e poderosa).

Henrik Ibsen

É incrível notar que alguém (ainda mais um homem) teve a sensibilidade de escrever um texto tão feminista no final do século XIX. Henrik Ibsen conseguiu expor o drama genuíno das mulheres em uma sociedade patriarcal e sexista como a burguesa. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência! E o dramaturgo norueguês fez isso com delicadeza e profundidade notáveis. Espetacular!

Nesse sentido, Nora Helmer, como personagem ficcional, é de uma complexidade absurda. Vista de um jeito pela sociedade, ela é no fundo complemente diferente das aparências. A responsável por essa distorção é a mentalidade machista das pessoas da época (tanto de homens quanto de mulheres). As angustias e as aspirações da protagonista só vêm à tona no final do terceiro ato, quando, enfim, podemos entendê-la plenamente. Sem sombra de dúvida, esta peça de Ibson poderia ser confundida com alguns dos textos de Virginia Woolf ou de Clarice Lispector, produzidos algumas décadas mais tarde.

Repare na reação de Torvald Helmer na última cena do livro. Ele é um homem perdido e completamente atordoado frente à nova postura da esposa (ou da mulher moderna). O curioso é que Sr. Helmer foi a primeira personagem ficcional a se tornar vítima das mudanças sociais que decretaram (ou que estão decretando, visto que, infelizmente, esse processo é bastante moroso) o fim do machismo na sociedade contemporâneo ocidental. Passados quase que 150 anos da estreia de "Casa de Bonecas", muitos homens ainda padecem do mal de Helmer, não entendendo o quanto seus atos podem oprimir as parceiras e os desejos delas.

Achei a leitura de "Casa de Bonecas" sensacional. Apesar de antiga, sua trama ainda é muitíssimo atual. Independentemente da radicalização do discurso pró ou contra o feminismo dos dias de hoje (que só prejudica o debate sobre esse tema), ler este trabalho de Henrik Ibsen é uma ótima experiência literária. Imperdível!

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