A canção "A Volta do Boêmio", lançada em 1957, representou o auge artístico de uma das mais improváveis parcerias da história musical brasileira. Afinal, quem iria imaginar que um ex-pugilista se tornasse um dos mais importantes cantores nacionais ao interpretar sambas-canção criados por um português compositor de fados?! Apesar de improvável, esta história é verídica e teve um final feliz. Os destinos do cantor e do compositor se cruzaram no início da década de 1950, o que alterou completamente a lógica de suas vidas. A dupla conquistou o país com seu talento e é lembrada até hoje como sinônimo de boa música.
Nelson Gonçalves, chamado também de "Rei do Rádio", "Rouxinol" e "Frank Sinatra Brasileiro", e o compositor Adelino Moreira (menos conhecido do que o cantor, mas tão importante quanto) foram responsáveis pelo lançamento conjunto de mais de 160 canções. Nelas, basicamente, o primeiro entrava com a voz potente e com a interpretação intensa e o segundo com a criação de letras melancólicas e com melodias afinadas.
O álbum "A Volta do Boêmio" é o maior sucesso da dupla. O disco vendeu mais de um milhão de cópias. Este número se torna ainda mais fabuloso quando lembramos que a indústria fonográfica brasileira ainda engatinhava nos anos de 1950. Pela primeira vez na história nacional, um disco ultrapassava os seis dígitos em vendagem. "A Volta do Boêmio", a música principal daquele LP, ficou tão associada à figura de Nelson Gonçalves que nenhum outro artista teve coragem de regravá-la por muito tempo. Era consenso na época que ninguém conseguiria produzir uma versão melhor do que a realizada pelo gaúcho de Santana do Livramento.
Apesar de ser uma música incrível, "A Volta do Boêmio" não era a única grande canção daquele disco. Normalmente, um grande LP se fazia pelo conjunto de vários sucessos. O álbum é aberto com "Meu Vício é Você". Ainda no lado A, havia "A Flor do Meu Bairro" e "Mariposa". "A Volta do Boêmio" inaugurava o Lado B. Na sequência, vinha "Fica Comigo Esta Noite". Este lado ainda tinha "Deusa do Asfalto". Não é preciso dizer que todas estas músicas foram compostas por Adelino Moreira. Completam as doze músicas deste disco: "Escultura", "Queixas", "Enigma", "Chore Comigo", "Êxtase" e "Ultimato". Ouça a faixa "A Volta do Boêmio".
A canção "A Volta do Boêmio" é, na verdade, uma continuação de outra música composta, em 1952, por Adelino Moreira e Sebastião Santana (e cantada por Nelson Gonçalves, é claro). "Última Seresta" falava de um homem que abandonava a boemia por iniciativa própria, após achar a mulher de sua vida. Ele largava a noite, a festa, os amigos e as serenatas para ficar junto do seu maior amor. A única coisa que ele levava para a nova vida era o antigo violão. Veja a letra desta música e ouça a interpretação de Nelson Gonçalves:
Última Seresta (1952):
Nesta última seresta
Tenho o coração em festa
Quando devia chorar
Sigo triste por deixar a boemia
Porém cheio de alegria
Por ela me acompanhar
Digo adeus às serenatas,
Aos montes, rios, cascatas,
E às noites de luar
Adeus, adeus minha gente,
Uma canção diferente
Vai o boêmio cantar.
Adeus amigos leais,
Que não deixaram jamais
Fazer-me qualquer traição
Vosso amigo vai partir
Mas vai feliz , a sorrir,
Com ela no coração,
Adeus seresta de amor
Adeus, boêmio cantor,
Perdoa a ingratidão
Pois, para o meu novo abrigo
Eu levo apenas comigo
Ela e o meu violão.
Em 1957, surgia "A Volta do Boêmio", a continuação da história de "Última Seresta". O homem boêmio regressava aos amigos, arrependido por ter deixado a noite e a farra. Curiosamente, o eu lírico da canção afirmava que tinha sido sua mulher quem o havia autorizado a retornar para a antiga rotina. Veja a letra de "A Volta do Boêmio" e, depois, ouça esta canção na voz inconfundível de Nelson Gonçalves.
A Volta do Boêmio (1957):
Boemia, aqui me tens de regresso
E suplicante te peço, a minha nova inscrição.
Voltei pra rever os amigos que um dia
Eu deixei a chorar de alegria,
Me acompanha o meu violão.
Boemia, sabendo que andei distante,
Sei que essa gente falante vai agora ironizar:
"Ele voltou! O boêmio voltou novamente.
Partiu daqui tão contente. Por que razão quer voltar?"
Acontece que a mulher que floriu meu caminho
De ternura, meiguice e carinho, sendo a vida do meu coração,
Compreendeu e abraçou-me dizendo a sorrir:
"Meu amor, você pode partir, não esqueça o seu violão.
Vá rever os seus rios, seus montes, cascatas.
Vá sonhar em novas serenatas e abraçar seus amigos leais.
Vá embora, pois me resta o consolo e alegria
De saber que depois da boemia
É de mim que você gosta mais"
A canção é, portanto, uma apologia à celebração da vida noturna e a gandaia. A parceria entre Adelino Moreira e Nelson Gonçalves rendeu outros grandes sucessos ao longo dos anos: "Meu Vício É Você", "Fica Comigo Esta Noite", "A Flor do Meu Bairro" e "Meu Dilema" são as minhas outras preferidas. Contudo, a música que marcou esta improvável dupla para sempre foi mesmo "A Volta do Boêmio".
Nelson Gonçalves é apontado, até hoje, como sendo o terceiro maior vendedor de discos da história do Brasil. Com 75 milhões de álbuns vendidos, ele só perde para a dupla sertaneja Tonico & Tinoco (150 milhões) e Roberto Carlos (120 milhões). Dos seus inúmeros sucessos e do seu grande repertório, "A Volta do Boêmio" é a mais lembrada pelo público. Esta canção completa, em 2017, 60 anos de vida. É importante as novas gerações conhecerem este belo exemplar de nossa música e as antigas gerações relembrarem este velho sucesso.
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