Estudar é uma ótima forma de rejuvenescer a mente. Quem sempre aprende algo novo parece ter espírito aventureiro e alma de adolescente. Isso é fantástico! Quando se está ao lado de pessoas mais jovens esse processo se potencializa. Falo sobre esse tema com propriedade. Estou fazendo uma nova graduação com estudantes que têm a metade da minha idade. Além disso, leciono em uma escola com crianças com um terço das minhas primaveras.
É muito legal essa diferença etária e a troca mútua de experiências. Conviver com colegas de 18, 19, 20 anos é um sopro de dinamismo e de modernidade para alguém que é quase um quarentão. Às vezes, penso que aprendo mais com eles do que eles comigo. Dependendo da aula, as principais lições que recebo vêm dos estudantes da classe e não tanto do professor (que é da minha geração). O mesmo ocorre quando dou aula para a garotada. A criançada tem uma energia e uma curiosidade pelo saber que não deixe ninguém a sua volta parado.
Contudo, por mais que tentemos esconder as diferenças de gerações, elas acabam ficando evidentes uma hora ou outra durante o convívio diário. Curiosamente, são os gestos mais simples e os comportamentos mais banais que escancaram o abismo existente entre grupos tão distintos. Quando menos imagino algo que faço corriqueiramente provoca grande comoção entre meus colegas de graduação e/ou entre os alunos do ensino médio.
O que poderia provocar tal alvoroço neles? O uso de uma máquina de escrever, de um cartão de telefone público, de um suspensório e de uma pochete ou a leitura um jornal impresso? Não, nada disso! O uso de um simples caderno é o que deixa o pessoal indignado. Sim, um simples caderno. Ao usá-lo no dia a dia acabo sendo taxado de pré-histórico pelos estudantes contemporâneos.
Item 5 da lista de 12 Indícios que Envelheci Antes da Hora: Usar Caderno.
Toda vez que vou à faculdade sou alvo de comentários sarcásticos dos meus colegas mais brincalhões: "Olha ali, ele ainda usa caderno!". Sou visto como um extraterrestre por todos os estudantes da classe com menos de 30 anos. O meu pecado é anotar em folhas encadernadas o que os professores falam durante as aulas. Não há nada mais retrógrado, segundo a visão atual, do que trabalhar ou estudar usando caneta e papel. As novas gerações acreditam que no século XXI não há espaço para tecnologias tão primitivas.
Tenho a impressão que ninguém mais usa caderno nas escolas e nas faculdades do Brasil. Nas aulas de literatura que dou nas instituições de ensino médio, a molecada simplesmente aboliu o caderno há muito tempo. Isso é, se eles já chegaram a usar tal material algum dia. De qualquer forma, esse item que para mim ainda é essencial para eles deixou de fazer parte de suas rotinas escolares. E fique você sabendo que não adianta cobrar pelo seu uso. Alguns alunos não sabem nem do que se trata ou onde comprá-lo. Se fizermos uma pesquisa com os estudantes do ensino médio, acredito que haja mais jovens que saibam as características físicas do planeta Marte do que a constituição de um caderno pautado ("Caderno o quê?").
Quando pergunto como eles fazem para estudar ou para guardar as principais informações transmitidas durante a aula, ouço ao menos um dos seguintes discursos: "Quando é algo importante, nós tiramos fotos pelo celular do slide ou da lousa"; "Quando achamos interessante o que o professor fala, nós pedimos para ele repetir. Então, gravamos o som ou filmamos a explicação para checar depois"; e "Para que anotar se tudo o que precisamos já está na Internet? É só ir lá depois e consultar".
Juro que até agora não entendo como essa gente chegou à faculdade, como conseguem estudar para o vestibular (no caso dos meus colegas de graduação) ou como se preparam para as provas (no caso dos meus alunos). Há estudantes (tanto do ensino médio quanto do ensino superior) que não usam caneta. Às vezes, chego a pensar que eles jamais seguraram uma em seus dedos na vida. Inacreditável! E o E.T. sou eu que uso caderno e (pasmem!) consigo manusear com habilidade incomum uma esferográfica ("Uma o quê?").
Para meu desespero, não sou maluco por anotações manuais apenas nas aulas. Fora delas, não abro mão da companhia de um bloco com folhas, agendas físicas, fichários ou do bom e velho caderno (tenho de todos os tamanhos, um para cada situação). No trabalho e em casa, organizado minhas tarefas e pensamento nas páginas do papel. Não consigo digitar, por exemplo, a lista de compras do supermercado na tela do computador ou do celular. Para que fazer isso, pensou eu, se anotar em uma folha é tão mais simples e rápido?
Será mesmo que estou ficando velho? Será que estou me tornando um alienígena do século passado em pleno século XXI? Nesse caso, só me resta uma saída. Alguém sabe quando parte o próximo voo para Marte?
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