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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Livros: O Sorriso do Diabo - Parte 3 da série A Bicicleta Azul


O Sorriso do Diabo - Régine Deforges

Cheguei, enfim, ao livro "O Sorriso do Diabo" (Best Bolso), a terceira parte da série “A Bicicleta Azul”. Esta obra integra o que se convencionou chamar de Trilogia de Régine Deforges. A coleção é também composta por “A Bicicleta Azul” (Best Bolso) e por “Vontade de Viver” (Best Bolso). A história dos três livros é a mesma. Ou melhor, trata-se de uma sequência narrativa. Em todos esses livros, a jovem francesa Léa Delmas está envolvida com os dramas e os horrores da Segunda Guerra Mundial. Não por acaso, a série começa em 1939 (início do conflito armado) e termina em 1945 (quando a guerra tem seu fim).

"O Sorriso do Diabo" tem 420 páginas. Ele começa exatamente onde o livro anterior, “Vontade de Viver”, terminou. Estamos agora no ano de 1944. A ascensão e o domínio nazista na França (e no mundo) sofrem os primeiros revesses. Os alemães têm importantes derrotas e começam a dar sinais que podem perder a guerra. Assim, a Resistência francesa intensifica suas ações no país. O objetivo é derrubar os governantes apoiados por Hitler.

Novamente, a França é palco de intensos conflitos armados. Neste ambiente caótico, Léa precisa cuidar de sua família, cada vez mais fragmentada. Os Delmas vivem doentes e na pobreza. Ao mesmo tempo, Léa segue sua atuação como uma rebelde (integrante da Resistência) e dedica-se a conquistar o coração de François Tavernier, agora seu grande amor.

Régine Deforges

Ou seja, a protagonista precisa se virar para atingir todas as suas intenções (contraditórias entre si). Ora ela está batalhando para conseguir dinheiro e comida para a família. Logo depois, Léa está fugindo da SS, a polícia nazista, acusada de conspiração contra o governo. Neste meio tempo, ela larga tudo para viver alguns momentos de sexo selvagem com François.

Esta característica da trama faz com que a jovem esteja em constante deslocamento. A personagem principal vive em um ciclo que se repete interminavelmente: Preocupação com a família - fuga dos nazistas - sexo com Sr. Tavernier - preocupação com a família - fuga dos nazistas - sexo com Sr. Tavernier - preocupação com a família. A correria de Léa de um lado para outro dá dinamismo à trama. Contudo, a história perde em verossimilhança. O leitor deve se perguntar: “Como alguém consegue ficar atravessando ruas, estradas e cidades em meio ao tiroteio sem ser atingido?” e “Como alguém procurado pelos nazistas pode viajar tanto em pleno território inimigo?”. Dúvidas que só a ficção é capaz de produzir.

A fase decisiva da guerra também aumenta a violência. Os perigos são constantes tanto para aqueles que estão na linha de frente do conflito quanto para a população civil. Temos aqui, o ápice da barbárie. Se você achou “Vontade de Viver” um livro forte e com cenas pesadas, prepara-se para a leitura de ”O Sorriso do Diabo”. Muitos personagens importantes morrem de maneira dramática. Algumas destas mortes já são esperadas, contudo, há algumas que surpreendem o leitor. Neste aspecto, ponto positivo para Régine Deforges. Ela não alivia na hora de apresentar os resultados tristes de uma guerra sangrenta que durou aproximadamente seis anos.

O Sorriso do Diabo

Se as mortes conferem uma grande tristeza à história, ao menos é possível se alegrar com a virada do jogo político. Aproveitando a derrota nazista na frente oriental (guerra contra os russos), a Resistência francesa derruba o governo colaboracionista que a Alemanha tinha colocado no poder. O fim da guerra traz paz ao povo e a volta dos franceses exilados. Os patriotas sobem ao poder levando alegria aos franceses.

Neste terceiro romance da série, temos as descrições mais intensas dos acontecimentos políticos e históricos da Segunda Guerra Mundial. O final do conflito é farto em episódios significativos. São vários capítulos com muitas páginas dedicadas às cenas e aos personagens reais. A trama da família e dos amigos de Léa Delmas, em várias oportunidades, fica em um segundo plano em “O Sorriso do Diabo”. Pode ser que esse recurso torne a leitura um pouco enfadonha para alguns leitores mais interessados na narrativa de Léa do que nos episódios reais passados na França durante a metade da década de 1940. Por outro lado, quem gosta de história e dos detalhes das guerras, irá se apaixonar por essas descrições.

Para escrever a série “A Bicicleta Azul”, Régine Deforges precisou fazer uma grande pesquisa histórica sobre o período narrado. A Segunda Guerra Mundial é descrita em detalhes muito bem fundamentados. Por vezes, é difícil saber se este é um romance histórico ou um livro de história com elementos ficcionais.

O Sorriso do Diabo

O momento mais marcante deste livro é uma cena de sexo a três. Léa talvez seja a única protagonista de um romance best-seller que tenha transado com dois homens ao mesmo tempo. Os felizardos são seus amigos de infância: Jean e Raul. Os irmãos, mesmo muito feridos pela guerra, transam com a amiga. Ou seja, a jovem, além de ter vários parceiros sexuais ao longo da série, agora envereda alegremente pelo ménage à trois. Trata-se de uma heroína moderna e corajosa. Impossível não gostar dela.

Enquanto vemos a coleção de parceiros amorosos de Léa se multiplicar, também presenciamos a consolidação do amor dela por François Tavernier. Justamente quando a Srta. Delmas pode ficar com Laurent d'Argilat (afinal, ele regressa da guerra e não está mais casado com Camile), a moça descobre preferir o Sr. Tavernier. Curiosamente, o amor deles é intenso, porém nada romântico. Já vimos que Léa, enquanto esperava pelo amado, fazia sexo com amigos. Ele, por outro lado, deitava-se com prostitutas e com outras militantes políticas durante a guerra. Quando ambos não tinham um parceiro a sua disposição, eles optavam pela masturbação. Ao se encontrarem brevemente no meio do romance, os dois faziam sexo de maneira tórrida e mecânica. Para o casal, não havia qualquer relação entre amor e sexo. Uma coisa é uma coisa e outra coisa era outra coisa. Simples assim.

Talvez, esta seja a relação amorosa mais liberal estabelecida por um casal de protagonistas na literatura mundial. Os méritos desse fato são todos de Régine Deforges. A autoria francesa teve a audácia de retratar a realidade prática da vida no período da guerra. Ela não fez qualquer concessão ao romantismo idílico e platônico. Possivelmente, depois de se ler a série “Bicicleta Azul”, as personagens românticas se tornem mais artificiais, tolas e sem graça aos olhos dos leitores. Léa Delmas é a representante máxima do feminismo moderno. A personagem age promovendo o "empoderamento" das mulheres, para usarmos um termo em moda atualmente. A moça é contrária ao casamento, à vida doméstica e à maternidade. Nem precisa dizer que ela apoia a liberdade e a revolução sexuais para ambos os sexos.

O Sorriso do Diabo - Léa Delmas

Além do ménage de Léa, outra cena marcante do livro é o incêndio na casa principal da fazenda em Montillac, local chamado de “Castelo”. De certo modo, a destruição da residência paterna representa o fim definitivo da infância e da adolescência da protagonista. A destruição do lugar onde foi criada significou par Léa a quebra de um importante elo com sua família. Sem o vínculo mais forte com a terra natal e com seus parentes, a moça lança-se em direção ao mundo. Este é o indicativo do que virá mais à frente na série (jornada da personagem principal por outros países). Como integrante da Cruz Vermelha, a jovem desapega-se da família e passa a viver sua vida em prol dos doentes, feridos e necessitados. Agora não é mais as guerras que procuram a jovem. É ela quem procura os locais em conflitos bélicos.

Para terminar, gostaria de abordar algo relativo ao nome da trilogia. A bicicleta azul é o veículo utilizado pela personagem principal para se deslocar durante a guerra. É pedalando, por exemplo, que Léa vai e volta entre o lado do país ocupado pela Resistência francesa e o lado governado pelos nazistas. Curiosamente, a tal bicicleta de Léa só aparece em algumas frases rápidas no terço final da primeira obra. Em minha visão, o veículo de duas rodas não representa algo relevante ou decisivo da trama nesta parte inicial da série. A bicicleta azul ganha um pouco mais de destaque (só um pouco) na segunda parte da trilogia, em "Vontade de Viver". É só no terceiro romance, em "O Sorriso do Diabo", que a magrela ganha um significado maior e simbólico. Ela representa uma dupla contestação por parte da personagem principal. A bicicleta representa uma oposição ao colaboracionismo francês aos nazistas e uma aversão quanto às imposições sexistas da sociedade francesa da década de 1940.

”O Sorriso do Diabo” é um bom livro, porém fiquei frustrado com seu desfecho. Depois de mais de 1.200 páginas e de três romances lidos, a série “A Bicicleta Azul” não termina aqui. “Não é possível!”, pensei. “Não saberei o final da trama”. Régine Deforges encerra ”O Sorriso do Diabo” no meio de uma cena. Para minha surpresa, a cena (e por consequência a história de Léa) continua no livro “Tango Negro”, o primeiro romance da fase internacional da coleção. Ou seja, quem teve a infeliz ideia de chamar os três primeiros livros da série de trilogia se não temos uma conclusão ao final do terceiro romance?! Minha frustração foi perceber que se quisesse saber o desfecho da história, teria que ler mais sete livros da coleção.

Régine Deforges

Pensando bem, é melhor deixar, definitivamente, a encantadora Léa Delmas de lado. Consigo superar a frustração de viver sem saber o final de sua trama. Vou agora me dedicar a uma nova história de Régine Deforges: “Sob o Céu de Novgorod” (Nova Fronteira). Na próxima segunda-feira, comento a análise deste romance medieval. Até lá!

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