Darico Nobar: Boa noite, Brasil. Hoje, tenho aqui ao meu lado a bela índia Catarina Paraguaçu. Esposa de Diogo Álvares Correia, ela é personagem do épico Caramuru e será nossa convidada neste Talk Show Literário. [Os aplausos da plateia ressoam pelo auditório]. Olá, Catarina Paraguaçu, tudo bem?
Catarina Paraguaçu: Tudo ótimo, Darico. É muito bom conversar com você.
Darico Nobar: É um prazer recebê-la em nosso programa. A senhora é a primeira indígena que nos visita, sabia? O Macunaíma já veio aqui, mas é difícil enxergá-lo como um índio. Ele está sempre mudando de fisionomia, né? Por falar nisso, a senhora está usando roupas sociais. É bastante estranho ver uma índia nesses trajes. A senhora prefere ser chamada de Catarina ou de Paraguaçu?
Catarina Paraguaçu: Desde a minha viagem à Europa e o meu casamento com Diogo em Paris, eu prefiro ser chamada de Catarina. Afinal, esse é o meu nome de batismo agora. E me foi dado diretamente pela rainha francesa Catarina, que tanto ficou admirada com a minha beleza. Assim, ser chamada de Paraguaçu soaria um pouco... Um pouco... Como posso dizer? Primitivo. É isso! Soaria primitivo.
Darico Nobar: Ser vista como uma indígena a incomoda?
Catarina Paraguaçu: Jamais! Eu adoro as minhas raízes e tenho orgulho dos meus ancestrais. Sou e sempre serei uma tupinambá. Apenas fui convertida ao catolicismo, vivendo agora como uma legítima dama portuguesa.
Darico Nobar: Portuguesa?! A senhora não é brasileira?!
Catarina Paraguaçu: Não, pelo amor de Deus! Posso até aceitar ser vista às vezes como uma tupinambá, mas ser chamada de brasileira é demais! Aí, vira ofensa. Eu nasci em uma colônia portuguesa além-mar, por isso sou lusitana, como meu esposo. Não tenho culpa que tempos depois os brasileiros conseguiram sua independência.
Darico Nobar: A senhora foi a primeira protagonista indígena da literatura brasileira. Contudo, hoje em dia, outras personagens são mais lembradas pelo público. De cabeça, lembro-me de Peri, de O Guarani, e Iracema, do romance homônimo de José de Alencar. Por que a senhora foi esquecida ou não é tão valorizada?
Catarina Paraguaçu: O problema, nesse caso, deve-se ao estilo narrativo escolhido pelo asno do José de Santa Rita Durão. A epopeia não é, e nunca foi, um gênero muito popular. Definitivamente, ela não cativa os leitores contemporâneos.
Darico Nobar: A senhora considera o fato da história estar em versos como um obstáculo a sua popularização?
Catarina Paraguaçu: Claro! Existem basicamente dois tipos de leitores nesse mundo: aqueles que odeiam as epopeias e aqueles que não entendem quase nada do que vem escrito nelas. Aí, fica difícil competir com os romances açucarados do José de Alencar. O desgraçado do cearense sabia conquistar o público. Se ele tivesse escrito minha história com o Diogo, com certeza hoje seríamos muito mais famosos...
Darico Nobar: Senti certo rancor em relação ao autor que a concebeu. A senhora tem alguma mágoa do Santa Rita Durão?
Catarina Paraguaçu: Antes de qualquer coisa, é importante salientar que ele não foi o responsável pela minha concepção. Eu sou uma personagem que existiu de verdade. O Santa Rita Durão apenas me transportou para dentro da literatura. E, nesse processo, acho que fui injustiçada. Caramuru é uma obra sobre meu marido. Eu o amo, mas, literariamente, ele é uma personagem menos propensa ao heroísmo do que eu.
Darico Nobar: Como assim?
Catarina Paraguaçu: O que Diogo fez ao longo de Caramuru para ganhar a fama de herói?! Ele começa a história doente. Só não foi devorado pela minha tribo, como todos os portugueses de sua embarcação, porque estava fraquinho. Quando o bunda-mole se recuperou, matou um monte de índios. Fez isso porque era forte ou corajoso? Não! Fez isso porque era o único com arma de fogo. Ou seja, se comportou como um facínora covarde. Depois de dizimar várias tribos da Bahia, fez uma viagem para a Europa para descansar. Estava cansadinho! Nesse interim, nos casamos. Nunca vi um herói de uma epopeia mais besta do que este. Eu, por outro lado, sou uma indígena que aprendeu instantaneamente a língua portuguesa. Não só me tornei fluente no idioma como também passei a fazer poemas em versos decassílabos, como fazia o mestre Camões. E, além de inteligente, sou linda. Para coroar, ainda antevejo o futuro.
Darico Nobar: Então, a senhora é quem deveria ser o centro das atenções do enredo e não o seu marido, certo?
Catarina Paraguaçu: Exatamente!
Darico Nobar: A senhora é uma das protagonistas do livro. A parte final é inteiramente narrada pela senhora.
Catarina Paraguaçu: É verdade. Porém, os leitores só se lembram do Diogo doente, dos tupinambás devorando os portugueses, do meu marido matando os índios e da periguete da Moema morrendo afogada.
Darico Nobar: Essa passagem da sua irmã nadando para alcançar o navio do seu marido é linda...
Catarina Paraguaçu: Está vendo. Ninguém se recorda de uma boa passagem minha. Diga aí, Darico: cite uma boa cena protagonizada por mim.
Darico Nobar: Realmente, não me lembro de nenhuma. O que recordo bem é do fascínio que o Diogo exercia sobre as mulheres tupinambás. Muitas se jogaram ao mar quando ele partiu de navio. Não foi apenas Moema que morreu nadando atrás dele. Tinha mais um trio de índias com ela.
Catarina Paraguaçu: É claro! O sem-vergonha sempre foi muito bom de lábia. Ele vinha com um papo infalível que nos levaria para Paris, onde casaríamos e passaríamos uma romântica Lua de Mel. Ele falou isso para mim e para todas da minha tribo. É óbvio que a mulherada iria pirar ao ouvir essas promessas. Imagine largar a vida precária nas florestas brasileiras e ir morar em meio aos reis e às cortes europeias. Não há mulher que resista a essa ideia. Nem nós tupinambás resistimos...
Darico Nobar: Então, foi isso o que causou grande admiração nas indígenas?
Catarina Paraguaçu: Tinha também o fato de ele sempre andar armado e matar todos os nossos inimigos. Um homem poderoso é um afrodisíaco sexual para os olhos femininos. Somos tupinambás, mas ainda sim somos mulheres, não se esqueça disso!
Darico Nobar: Outro aspecto da história que me deixou intrigado foi o seu poder de vidência. A senhora adivinhou o desfecho de todos os conflitos contra os holandeses. Como isso foi possível?
Catarina Paraguaçu: Sou uma vidente. Sempre fui. Naquela época, eu tinha poucos recursos para desvendar o futuro. Era apenas o ritual da fumaça e a dança mágica. Graças às novas tecnologias, como o tarot, a astrologia, a numerologia, o horóscopo e, principalmente, ayahuasca, hoje tenho condições de prever com mais segurança os acontecimentos futuros. Se naquela época eu já tivesse esses recursos, na certa conseguiria prever as vitórias brasileiras contra os holandeses nas Copas de 1994 e 1998. Obviamente, não diria nada sobre os duelos em 1974, 2010 e 2014.
Darico Nobar: E qual a principal previsão que a senhora faz para o Brasil?
Catarina Paraguaçu: Esse país ainda será honesto, rico, justo e sem violência.
Darico Nobar: Que ótimo! E quando isso acontecerá?
Catarina Paraguaçu: Em um futuro bem distante, quando extraterrestres invadirem o Brasil e exterminarem quase todos os habitantes nativos. A nova sociedade que virá colonizar essas terras será mais harmônica, pacífica e igualitária.
Darico Nobar: Que previsão mais pessimista.
Catarina Paraguaçu: Pessimista seria se dissesse que o Brasil não tem jeito.
Darico Nobar: A senhora é muito diferente do que eu tinha imaginado.
Catarina Paraguaçu: O que você esperava encontrar? Uma mulher vestida com penas de animais e com o corpo nu pintado de tinta? E que falasse "Mim gostar de Brasil, mim querer homem branco"? Não! Essas são as mulheres do seu tempo nos dias de Carnaval. Como uma nobre dama portuguesa do século XVIII, ando com roupas burguesas, sou eloquente e possuo uma visão crítica do mundo.
Darico Nobar: Talvez seja isso o que me impressionou mais na senhora. Imaginava entrevistar uma tupinambá e não uma mulher com mentalidade burguesa e europeia.
Catarina Paraguaçu: Todos precisam evoluir na vida, né?
Darico Nobar: Essa visão crítica do indianismo não vai contra os ideais propagados ao longo da nossa literatura? Ela não agride tudo aquilo que os antropólogos prezam?
Catarina Paraguaçu: Talvez, mas o meu ponto de vista é menos utópico do que aquele do "Bom Selvagem" perpetrado pelos românticos. Vale lembrar que Santa Rita Durão, que dizia amar tanto o Brasil e os indígenas, nunca mais retornou ao seu país natal após embarcar ainda criança para o exterior. José de Alencar, creio eu, nunca conheceu um índio de verdade. E quanto aos antropólogos... Ainda existe essa profissão nos dias de hoje?! Achei que eles tivessem acabado juntamente com os índios e com as florestas tropicais.
Darico Nobar: Senhoras e senhores, essa foi Catarina Paraguaçu! [Plateia aplaude a entrevistada, que sai do palco após beijar o apresentador]. Nosso programa de hoje foi surpreendente, hein? Por isso, não percam o Talk Show Literário do próximo mês. A única certeza é que tudo é imprevisível nessas conversas literárias. Boa noite!
[As legendas do Talk Show Literário sobem na tela e a banda toca a música de encerramento da atração].
Darico Nobar: O pior é que ainda não consegui entrevistar um indígena legítimo... [O apresentador fala baixinho sem que os microfones captem suas palavras[]. Achei que seria dessa vez, mas novamente não foi... O que está acontecendo com nossos índios?! Minha última esperança é Peri! Será que vou conseguir conversar com ele?
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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Nesta primeira temporada, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.
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