Billy Wilder é um dos meus cineastas favoritos. Na minha lista de filmes preferidos, há vários de sua autoria. "A Montanha dos Sete Abutres" (Ace in the Hole: 1951), "O Pecado Mora ao Lado" (The Seven Year Itch: 1955), "Testemunha de Acusação" (Witness for the Prosecution: 1957) e "Quanto Mais Quente Melhor" (Some Like It Hot: 1959) são alguns. Apesar de tê-los assistido várias vezes, se você me chamar agora para revê-los, eu vou correndo sem pestanejar. Além destes, Billy Wilder produziu também alguns clássicos do cinema. "Farrapo Humano" (The Lost Weekend: 1945) e "Crepúsculo dos Deuses" (Sunset Blvd: 1950) são, com certeza, suas obras-primas. O primeiro foi o vencedor do Oscar de 1946, enquanto o segundo entrou para a história da sétima arte como uma das grandes produções de todos os tempos.
Dois aspectos chamam a atenção no trabalho de Billy Wilder. O primeiro é sua longevidade artística. Ele produziu filmes de 1934 a 1981. São quase cinquenta anos na ativa, sempre apresentando ótimos resultados. O segundo aspecto que precisa ser enaltecido é a versatilidade de sua obra. Ele conseguiu produzir tanto comédias quanto dramas, trafegando também com muito êxito pelos suspenses psicológicos, pelas aventuras históricas e pelas tramas ambientadas nos tribunais (um gênero de cinema tipicamente norte-americano). "A Montanha dos Sete Abutres" e "Quanto Mais Quente Melhor", por exemplo, são longas-metragens completamente diferentes um do outro em temática, apelo, estrutura narrativa e gênero. Ambas, por sua vez, são bastante distintas de "Testemunha de Acusação". Os melhores filmes de Wilder, "Farrapo Humano" e "Crepúsculo dos Deuses", também possuem temáticas, cenários e abordagens apostas.
É muito difícil encontrarmos na história cinematográfica um diretor tão versátil, que tenha sido tão bom em gêneros de filme tão diferentes. Ou seja, Billy Wilder tinha a capacidade de fazer a plateia se emocionar com suas tramas, não importando o sentimento provocado: risada, choro, susto, apreensão ou horror. Para mim, esta característica o define, colocando-o para sempre na galeria dos maiores cineastas de todos os tempos.
Estou comentando, hoje, sobre Billy Wilder por dois motivos. O primeiro é que, nesta segunda-feira, completaram-se 15 anos de sua morte. O cineasta polonês naturalizado norte-americano morreu de pneumonia, aos 95 anos de idade, em 27 de março de 2002, em Los Angeles. O segundo motivo é que assisti neste final de semana a um dos seus grandes filmes que ainda não tinha tido a oportunidade de ver. "Se Meu Apartamento Falasse" (The Apartment: 1960) foi o meu agradável programa de domingo à noite.
Esta é uma comédia dramática excelente, um clássico do cinema em preto e branco. Com Jack Lemmon, Shirley MacLaine e Fred MacMurray, esta produção conquistou cinco estatuetas do Oscar em 1961: Melhor Filme, Melhor Diretor (para Wilder), Melhor Roteiro Original (Wilder também fez o roteiro), Melhor Direção de Arte em Preto e Branco e Melhor Edição. É ou não é um grande filme, hein?!
"Se Meu Apartamento Falasse" foi muito importante para Billy Wilder porque apesar de seu prestígio dentro da indústria cinematográfica e fora dela (junto ao público), ele só havia conquistado um Oscar de melhor diretor e um de melhor filme (ambos com "Farrapo Humano", em 1945). Era muito pouco para alguém que havia feito tanta coisa de qualidade (que o tempo provou estar acima do reconhecimento da época). Este equívoco foi reparado, em parte, em 1961. As estatuetas de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro daquele ano foram para as mãos experientes do cineasta. Assim, pela segunda vez na carreira, Billy Wilder via um filme seu ser coroado na festa da academia de Los Angeles. E justamente com uma comédia, gênero historicamente renegado nas cerimônias do Oscar - "Aconteceu Naquela Noite" (Happened One Night: 1934) foi o precursor neste sentido ao levar o prêmio principal em 1935.
O enredo de "Se Meu Apartamento Falasse" é saborosíssimo. Calvin Clifford Baxter (interpretado por Jack Lemmon) é um dos milhares de funcionários de uma grande empresa de seguros. A multidão de trabalhadores da companhia se amontoa diariamente pelos andares de um dos arranha-céus de Nova York. Baxter tem um trabalho burocrático e enfadonho ali, mas tem planos ambiciosos para crescer rapidamente. Almejando se tornar um alto executivo, o rapaz aceita ceder seu apartamento, onde vive sozinho, para os encontros extraconjugais de importantes executivos da sua empresa. Assim, ele imagina ganhar pontos com os chefões, o que facilitará na conquista de futuras promoções.
Esta estratégia de mimo aos superiores traz vários problemas para o protagonista em sua vida pessoal. Por vários dias seguidos, Baxter acaba privado do conforto do lar para aplacar os instintos lascivos dos patrões. Não é raro o rapaz ficar resfriado por ter dormido ao relento ou simplesmente passar o dia sonolento por não ter conseguido dormir à noite. Além disso, ele é visto como um libertino pelos vizinhos. Os demais moradores do edifício acham que Baxter promove diariamente várias festas em seu apartamento com diferentes mulheres, sendo um voraz predador sexual. Ninguém imagina que o rapaz sofre para conseguir uma namorada e vive de forma casta e solitária. Apesar destes contratempos, Calvin Baxter imagina estar construindo os pilares para o sucesso da sua carreira.
Esta dinâmica de misturar vida profissional e pessoal torna-se perigosa para Baxter quando Jeff D. Sheldrake (Fred MacMurray), um dos principais executivos da empresa de seguros, resolve utilizar o apartamento. A intenção do diretor é passar agradáveis momentos com sua jovem amante, Fran Kubelik (Shirley MacLaine), longe do radar da esposa. O problema é que a moça, ascensorista no edifício, é a grande paixão de Calvin Baxter. Aí começam os dilemas do proprietário do apartamento: ele deve dar cobertura para o patrão (o que será benéfico para sua carreira) ou deve empenhar-se para conquistar a mulher de sua vida (e jogar tanto esforço profissional pela janela)?
"Se Meu Apartamento Falasse" é realmente uma ótima produção. Seus acertos começam pelo título. Trata-se de uma das raras vezes em que o nome traduzido para o português no Brasil é melhor do que o original. Com pouco mais de duas horas de duração, o filme consegue ser ao mesmo tempo engraçado e melodramático, superficial e profundo e leve e intenso. Repleto de reviravoltas, surpresas e confusões, o longa-metragem chega a empolgar, apesar de seu final ser corriqueiro e previsível (o que, certamente, agrada aos espíritos mais românticos). Seu ritmo é de certa maneira acelerado se considerarmos que são poucos os ambientes de filmagem utilizados (as cenas alternam-se entre o apartamento e o escritório). O que dá esta impressão é, talvez, a sequência interminável de boas e marcantes cenas.
Um dos pontos altos do filme está na grande atuação do trio de protagonistas. Jack Lemmon, Shirley MacLaine e Fred MacMurray estão ótimos. Todos conseguem cativar o público, transmitindo as contradições e dúvidas de suas personagens. Não é coincidência, portanto, que estes atores tenham trabalhado várias vezes com Billy Wilder ao longo dos anos. No início de 1960, este era um elenco de primeira. Jack Lemmon (Melhor Ator), Shirley MacLaine (Melhor Atriz) e Jack Kruschen (Melhor Atriz Coadjuvante) foram indicados ao Oscar por seus papéis nesta produção.
Além disso, a fotografia do longa-metragem é excelente. Joseph La Shelle fez um trabalho realmente notável, digno do Oscar conquistado neste quesito. O contraste de claro e escuro, luz e sombra e visível e invisível combina perfeitamente com a temática de "Se Meu Apartamento Falasse". Apesar de ser classificado como uma comédia-dramática, eu acredito que este filme seja muito mais um drama-cômico (85% de drama e 15% de comédia, para usar o critério de avaliação imortalizado por Wesley Safadão). Afinal, a tristeza, a amargura, a solidão e os conflitos pessoais das personagens principais superam em muito (em voltagem) os lances engraçados.
Aqui, temos um desfile de pessoas consumidas pela ganância, pela infidelidade matrimonial, pelas necessidades sexuais imediatas e pela aparência. As relações pessoais são frágeis e interesseiras, vinculadas unicamente ao poder, ao dinheiro e ao consumismo. O trabalho é encarado com algo fútil e pouco prazeroso. Curioso perceber como um filme de 1960 pode ser tão atual. Se na época de seu lançamento, o cenário retratado por Billy Wilder para uma grande cidade capitalista podia parecer exagerado e caricaturado, hoje não temos mais esta impressão. Infelizmente, tudo ali parece normal e, de certa forma, lógico quando comparado à nossa vida contemporânea.
Agora, posso dizer que tenho mais um filme de Wilder em minha coleção de longas-metragens favoritos. Este seu segundo Oscar foi merecido, apesar de ter vindo com quase uma década de atraso. Em minha opinião, "A Montanha dos Sete Abutres" e "Crepúsculo dos Deuses", produções tão boas quanto "Se Meu Apartamento Falasse", também mereciam tal honraria nos primeiros anos de 1950. Juro que vou morrer sem compreender como esta injustiça foi feita. Vai entender a academia!
O que eu consigo entender perfeitamente é o culto a Billy Wilder até hoje. Ele foi mesmo um dos grandes cineastas da história. O décimo quinto aniversário de sua morte deve servir para homenagens e lembranças. Por isso, aconselho você a ver "Se Meu Apartamento Falasse". É uma produção memorável!
Veja no vídeo abaixo algumas imagens do filme ouvindo sua trilha sonora:
A seguir, temos também uma das cenas em que Sr. Baxter corteja a Srta. Kubelik, a ascensorista do edifício, quando ele se dirige para a sala do Sr. Sheldrake, imaginando que seria promovido:
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