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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 43 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Foto do escritorRicardo Bonacorci

Músicas: Chão de Estrelas - A mais bela seresta na voz de Sílvio Caldas


Chão de Estrelas - Sílvio Caldas

Em 1937, Sílvio Caldas já era um cantor famoso no cenário nacional. Seu primeiro sucesso, o samba "Faceira", de Ari Barroso, havia sido gravado em 1931. Nos seis anos seguintes, vieram outras músicas ainda mais marcantes: "Lenço no Pescoço" (1933), "Segura Esta Mulher" (1933), "Mimi" (1933), "Boneca" (1934), "Inquietação" (1934), "Serenata" (1934), "O Telefone do Amor" (1934) e "Minha Palhoça" (1935). A inconfundível voz de Sílvio Caldas dava grande dramaticidade às letras de amores perdidos e idílicos, tornando-as inesquecíveis.

Por isso, o jornalista e poeta Orestes Barbosa ficou surpreso com um pedido inusitado feito pelo amigo cantor. Sílvio queria musicar uma criação poética feita por Orestes alguns anos antes. "Foste a Sonoridade que Acabou" era uma poesia em decassílabos que narrava a tristeza de um eu lírico masculino que havia perdido a mulher amada. Enquanto ela permaneceu ao seu lado, a vida pobre no Morro do Salgueiro tinha ganhado a dimensão de uma festa alegria e luxuosa. Veja um dos trechos mais famosos deste poema: "A porta do barraco era sem trinco/ Mas a lua, furando o nosso zinco/ Salpicava de estrelas nosso chão/ Tu pisavas nos astros, distraída/ Sem saber que a ventura desta vida/ É a cabrocha, o luar e o violão".

Sílvio Caldas ficou apaixonado por aquela letra ao mesmo tempo triste e com uma beleza poética profunda. Ele queria por que queria vê-la transformada em uma canção. Orestes, receoso do resultado, negou a princípio o pedido do amigo. Sílvio não desistiu da sua intenção. Apesar da negativa do autor, ele musicou o poema mesmo assim. Uma vez pronta a música, o cantor mostrou o trabalho para outro poeta, Guilherme de Almeida. Almeida, encantado com a canção, sugeriu que seu nome fosse "Chão de Estrelas" ao invés de "Foste a Sonoridade que Acabou". Ou seja, além de aprovar a nova música de Caldas, ele a rebatizava com um nome mais simples e comercial.

Manuel Bandeira foi outro poeta célebre na época que ficou maravilhado com a transformação do poema em uma seresta. Vendo todo mundo boquiaberto com sua letra, não coube outra coisa a Orestes Barbosa fazer do que autorizar a gravação daquela obra-prima.

Sílvio Caldas, então com 29 anos, gravou, em 1937, o que seria sua mais famosa canção. "Chão de Estrelas", contudo, não estourou rapidamente nas rádios do país. A música só se tornaria um grande sucesso em 1950. Foi nesse ano quando Sílvio, já um quarentão e considerado um dos melhores cantores do Brasil, regravou-a. A nova versão é idêntica à primeira.

Sílvio Caldas - Chão de Estrelas

Veja, a seguir, a letra dessa obra-prima da nossa música. Repare na estrutura fixa do poema (métricas e rimas). Logo depois, há um vídeo com uma interpretação de Sílvio Caldas. Nela, o cantor, já no final da carreira, explica rapidamente um pouco da origem da canção. Mesmo já idoso, a voz de Caldas se mantém sublime. Vale a pena conferir:

"Chão de Estrelas" (Sílvio Caldas e Orestes Barbosa - 1937):

Minha vida era um palco iluminado

Eu vivia vestido de dourado

Palhaço das perdidas ilusões

Cheio dos guizos falsos da alegria

Andei cantando a minha fantasia

Entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do Salgueiro

Tinha o cantar alegre de um viveiro

Foste a sonoridade que acabou

E hoje, quando do sol, a claridade

Forra o meu barracão, sinto saudade

Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas

Na corda, qual bandeiras agitadas

Pareciam um estranho festival

Festa dos nossos trapos coloridos

A mostrar que nos morros mal vestidos

É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco

Mas a lua, furando o nosso zinco

Salpicava de estrelas nosso chão

Tu pisavas nos astros, distraída

Sem saber que a ventura desta vida

É a cabrocha, o luar e o violão

Outro intérprete famoso desta canção foi Nelson Gonçalves. Veja a versão com o "Rei da Rádio":

A transformação do poema "Foste a Sonoridade que Acabou" na música "Chão de Estrelas" estreitou a amizade entre Sílvio Caldas e Orestes Barbosa. A dupla formou uma sólida e longa parceria musical, produzindo várias serestas, um estilo muito popular no Brasil na metade do século XX. "Quase que Eu Disse", "Suburbana", "Torturante Ironia" e "Arranha-céu" são exemplos do que houve de melhor nesta parceria. Apesar de Orestes Barbosa também dividir composições com nomes consagrados da música nacional como Noel Rosa, Cartola e Wilson Batista, Sílvio Caldas foi seu principal parceiro.

O que torna "Chão de Estrelas" tão especial, como não poderia ser diferente, é sua letra impecavelmente construída. Tudo começa com uma surpreendente descoberta. O eu lírico que descrevia sua vida como "um palco iluminado" e que dizia viver "vestido de dourado" era na verdade um pobre que morava em um barraco na favela. E a alegria de sua vida era fruto da paixão pela sua amada mulher. O amor fazia com que aquele simples pedaço de terra parecesse, todas as noites, uma animada festa. "Nossas roupas comuns dependuradas/ Na corda, qual bandeiras agitadas/ Pareciam um estranho festival/ Festa dos nossos trapos coloridos/ A mostrar que nos morros mal vestidos/ É sempre feriado nacional".

Sílvio Caldas

No final da canção, vem a parte mais bonita e lírica. A ausência de teto no barraco fazia com que as luzes das estrelas entrassem na humilde casa durante as noites, sendo refletidas no chão. Com isso, a mulher amada "pisavas nos astros, distraída/ Sem saber que a ventura desta vida/ É a cabrocha, o luar e o violão". Esta imagem do casal feliz, em uma casinha simples e sem teto, "pisando nas estrelas" é de uma força dramática sem precedentes. Esta é uma das cenas mais poéticas da música nacional.

Desde a primeira vez que ouvi esta canção, me tornei automaticamente fã incondicional de Sílvio Caldas e de Orestes Barbosa. Se esta não for a minha música favorita (acredito que seja), ela está entre as três mais belas que conheci em minha vida. Em minha opinião, ela é simplesmente perfeita. Não há o que pôr nem o que retirar nela. Ela é sublime!

Em 2017, "Chão de Estrelas" completa 80 anos de vida como música. Parabéns aos responsáveis pela criação desta obra-prima da nossa canção.

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