Ontem à noite, li "O Fluxo Silencioso das Máquinas" (Ateliê Editorial), coletânea de microcontos de Bruno Zeni. Esta obra apresenta um retrato multifacetado da cidade de São Paulo. Sua proposta é olhar para a capital paulista a partir das pequenas e contraditórias partes do seu rico cenário. Ou seja, a análise conjunta das pequenas peças individuais da engrenagem da metrópole levará o leitor à compreensão da máquina como um todo. Com isso, São Paulo ganha uma dimensão de protagonista do livro. Querendo ou não, ela proporciona experiências distintas aos seus habitantes, dependendo da perspectiva e do foco que se tem da narrativa.
Publicado em 2002, "O Fluxo Silencioso das Máquinas" foi a primeira incursão de Bruno Zeni na ficção. Depois dessa obra, o escritor lançou o romance “Corpo a Corpo com o Concreto” (Azougue), em 2009. Na área da não ficção, ele atuou, em 2002, na produção da biografia “Sobrevivente André du Rap” (Labortexto) de José André de Araújo, um ex-presidiário que vivenciou, em 1992, o massacre do Carandiru.
Bruno Zeni é curitibano e mora em São Paulo há quase trinta anos. Jornalista, mestre em Teoria Literária e doutorando em Letras, Bruno atua como escritor, professor de literatura e orientador de oficinas literárias. Conheci seu trabalho neste semestre quando ele me deu aula no Instituto Vera Cruz. A matéria era "Nos Arredores do Conto" do curso de pós-graduação de Formação de Escritores. Bruno é especialista em narrativas curtas e fã de microcontos.
"O Fluxo Silencioso das Máquinas" possui 43 microcontos. Suas histórias são fragmentos pinçados da rotina urbana. Algumas são tramas ficcionais e outras são reproduções de situações verídicas noticiadas pelos jornais paulistanos. Essa mistura de passagens reais e irreais dá um colorido interessante ao livro. O leitor acaba pensando que tudo o que lê é, de cerca maneira, um retrato verdadeiro da cidade (o que não deixa de ser). As pequenas narrativas estão distribuídas ao longo de 112 páginas. A maioria dos microcontos não ultrapassa uma página de extensão. Eles são apresentados normalmente em um ou dois parágrafos.
Nessa coletânea, temos o mendigo que dorme olhando para o topo dos arranha-céus, o balé diário das luzes dos carros nas ruas congestionadas, o ar poluído e pesado a sufocar os habitantes, o menino que se aventura pelas grades da avenida movimentada, o usuário do metrô que embarca na escuridão das estações em pleno dia ensolarado, a canalização dos rios que aprisionam as águas no subsolo, a violência gratuita da grande cidade, as relações amorosas vazias e complicadas, a sexualidade em tempos de Internet, a mecanização da vida moderna, etc.
Como é típico desse gênero narrativo, tudo é apresentado de maneira extremamente rápida e objetiva em "O Fluxo Silencioso das Máquinas". O livro acompanha de alguma forma o ritmo frenético da cidade retratada (li a obra inteira em pouco mais de uma hora). Não espere, portanto, encontrar sentido ou grandes significados em cada uma das tramas individualmente. O efeito maior está sem dúvida nenhuma no todo, ou seja, na junção das várias pequenas histórias. É na leitura completa dos contos que o leitor consegue captar o sentido estético e de conteúdo proposto por Bruno Zeni. É no efeito geral e não no particular de cada história que o leitor precisa se ater.
Se as narrativas individuais parecem singelas, banais e sem brilho (como um dia na rotina da metrópole), a união desses vários fragmentos tão diversos forma um quadro interessante de São Paulo. Mesmo assim, é inegável o tom meio pueril das histórias. Vale lembrar que quando "O Fluxo Silencioso das Máquinas" foi escrito, por volta do ano de 2000, Bruno Zeni era ainda um jovem recém-chegado à São Paulo, que iniciava seus estudos na faculdade. Portanto, ele estava longe de ser um escritor experiente. Naquela época, ele ainda trilhava os primeiros passos que o transformaria em um dos principais teóricos da literatura de nosso país. Por isso, é preciso fazer a leitura com essa ressalva. Para quem deseja conhecer a face mais madura de Bruno Zeni como escritor, aí, então, a indicação de leitura é o romance “Corpo a Corpo com o Concreto". Esse sim é um trabalho mais maduro e profundo do ponto de vista narrativo e literário.
Como não estou habituado aos microcontos, gostei da experiência de ler uma obra com esse formato. Apesar de achar "O Fluxo Silencioso das Máquinas" um livro fraquinho em conteúdo (a partir do conhecimento literário que sei que seu autor possui atualmente), admito ter apreciado a estética inovadora que a obra se propõe. Trata-se de uma leitura para quem pretende ver formas diferentes de se apresentar as narrativas curtas. Neste sentido, a leitura valeu a pena.
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