Darico Nobar: Olá, queridos telespectadores. O Talk Show Literário tem o prazer de anunciar como convidado desta noite um dos mais brilhantes psicanalistas brasileiros de todos os tempos. Aqui do meu lado está o Analista de Bagé. [A imagem da câmera 1, que dava um clouse no apresentador, muda para a da câmera 2, que mostra uma tomada panorâmica do palco. Ao lado do entrevistador, está sentado um homem com trajes tipicamente gaúchos].
Plateia: Uhu! Lindo! Gostoso! [Gritos e aplausos vêm do empolgado público feminino presente no auditório].
Analista de Bagé: Buenas!
Darico Nobar: O senhor deve ficar orgulhoso quando é ovacionado dessa maneira pelo público. Não fica?
Analista de Bagé: Gaúcho que é gaúcho se acostuma desde piá com os urros e os gemidos da mulherada. Ou porque estamos enfiando a mão na cara delas ou porque estamos enfiando nossos membros dentro delas. Se pensarmos bem, é natural essa excitação por parte do mulheril. Hombre macho como eu é difícil de achar hoje em dia. De tão acostumado que estou, não me emociono mais com a reação calorosa do público feminino.
Darico Nobar: Diga-me, doutor: Qual é o seu nome de batismo? Porque já li tudo a seu respeito e nunca encontrei em nenhum lugar o seu verdadeiro nome.
Analista de Bagé: Ôigale! Nunca tinha pensado nisso. Acostumei com o povo me chamando de gaúcho, bagual, animal, bem-dotado, Analista de Bagé, doutor, cavalo, pica-potente, amorzinho, amoreco... Acho que nem minha falecida mãezinha devia saber meu nome, tchê. Ela só me chamava de "fiô".
Darico Nobar: Qual a linha psicanalítica que o senhor segue?
Analista de Bagé: Em essência, sou freudiano. Porém, minha pegada é menos ortodoxa e mais prática. Eu precisei fazer essa adaptação porque a realidade tropical do Brasil de hoje é bem diferente daquele cenário da Áustria do século XIX.
Darico Nobar: Como seria, efetivamente, essa psicanálise freudiana à brasileira ou à gaúcha de Bagé?
Analista de Bagé: Ao invés de ficar perdendo tempo com uma falação sem fim, vou diretamente ao problema do paciente, resolvendo-o prontamente. Comigo não tem frescura nem enrolação. Sou daquele tipo de psicanalista que mata a cobra e mostra o pau. Comigo o buraco é mais embaixo e não tem delongas.
Darico Nobar: Doutor, o senhor poderia nos dar um exemplo concreto dessa técnica revolucionária?
Analista de Bagé: Quando chega uma mulher frígida ao meu consultório, o que eu faço? Converso cinco minutos com ela para entender a gravidade da situação. Depois, peço para tirar a roupa e se deitar no divã. Aí, nos cinquenta e cinco minutos restantes da sessão, eu mostro que o problema, na verdade, não está nela e sim com o molenga do marido, do namorado. Sempre funciona e a cliente sai muito satisfeita.
Darico Nobar: Entendi... E como você trata as mulheres ninfomaníacas?
Analista de Bagé: Da mesma maneira. As únicas diferenças são em relação à duração de cada sessão e à frequência de visita. Normalmente, esse tipo de doença requer sessões com o dobro de tempo e com mais visitas por semana ao consultório. Nesse caso específico, também atendo em casa e fora do horário de expediente.
Darico Nobar: Como o senhor trabalha nos casos de mulheres que têm fantasias sexuais bizarras?
Analista de Bagé: Não mudo minha linha de atuação em nada. Prefiro sempre a prática à teoria. A única coisa que acrescento é uma vestimenta adequada para cada situação. Às vezes, é a paciente quem precisa se vestir com alguma roupa mais apropriada. Também utilizo alguns objetos para incrementar a sessão. Um caso muito comum é o da mulher que fantasia transar com o pai. Nesse tipo de tratamento, as pacientes precisam me chamar o tempo inteiro de "papi". Para completar, aproveito para dar umas palmadas nelas. Só assim o tratamento tem êxito.
Darico Nobar: Da maneira como o doutor fala, até parece que todas as doenças têm uma causa sexual ou são curadas através do sexo.
Analista de Bagé: Já disse que sou adepto das teorias de Sigmund Schlomo Freud. Foi ele quem criou o conceito da psicanálise, não eu.
Darico Nobar: O senhor trabalha da mesma forma com os homens?
Analista de Bagé: A la putcha! Tu deves estar de brincadeira comigo, não estás? É claro que não, animal! Com os homens, eu utilizo outra vertente do método.
Darico Nobar: Como assim?
Analista de Bagé: Por exemplo, o molenga chega ao consultório com problema de impotência, temendo pelo fim do casamento. O que faço? Primeiro, peço para minha assistente, a Lindaura, entrar na sala e dar uma voltinha. Minha sorte é que ela vai trabalhar sempre com roupas minúsculas. Se o molengão se manifestar, o problema está resolvido. Nesse caso, a causa da dificuldade do rapaz não está no corpo dele e sim no de sua mulher. Na certa, a princesinha de outrora deve ter se transformado em um dragão depois de tantos anos. Minha receita é que o paciente comece a comer fora de casa com mais frequência. O tempero caseiro está afetando o seu paladar.
Darico Nobar: E se o "sujeito" do sujeito não se manifestar?
Analista de Bagé: Aí, peço para ver fotos da mulher dele. Se ela for do tipo jovem e bonita, começo o tratamento imediatamente. Nessa situação, as consultas são com ela e não com ele. O objetivo é resolver, durante as sessões, o problema mais iminente da vida dessa pobre esposa. Faço isso com uma finalidade nobre: Salvar o casamento deles. O resultado é que a mulher não trai o marido com qualquer um. Ela se torna fiel ao esposo e ao meu consultório, mesmo sendo casada com um imprestável.
Darico Nobar: Sei, sei... [Coça a cabeça demonstrando certa dúvida com o que está ouvindo]. E se o rapaz está deprimido ou está pensando em suicídio?
Analista de Bagé: Enfio o joelho na cara dele várias vezes até ele se convencer que a vida dele é boa. Trata-se da técnica conhecida lá em Bagé como Joelho-cara & Cara-joelho.
Darico Nobar: Essa técnica funciona mesmo?
Analista de Bagé: Funciona que é uma barbaridade! A brigada militar de todo o país e os exércitos mais bem desenvolvidos do mundo, como o norte-americano e o israelense, adotam há anos essa prática principalmente durante seus interrogatórios.
Darico Nobar: Diga-nos, doutor, como é sua relação com a Lindaura?
Analista de Bagé: Nossas relações sexuais são intensas e selvagens. Ela gosta quando eu puxo o cabelo dela para trás e....
Darico Nobar: Não, não, não! Não estou querendo saber da vida sexual de vocês. Perguntei da relação que vocês têm no dia a dia. É do tipo patrão-empregada, marido-mulher, amigo-amiga?
Analista de Bagé: Ah, sim. Depende muito da ocasião. Hoje, por um acaso, nós transamos apenas cinco vezes. E teve de tudo. A primeira foi na chegada ao consultório, logo de manhãzinha. Essa foi do tipo cachorrão-cachorrinha. A segunda foi antes do almoço. Aproveitamos que um paciente cancelou a sessão e fizemos um papai-mamãe com um pouco de frango-assado. Depois do almoço, teve sobremesa. Aí, valeu tudo, né? Essa foi a mais divertida porque...
Darico Nobar: Então, vocês são amantes? Era só isso o que eu queria saber. [A fisionomia do apresentador é de poucos amigos].
Analista de Bagé: Não, Darico. Nossa postura é estritamente profissional, fique o senhor sabendo!
Darico Nobar: Como pode ser profissional se vocês transam o tempo todo?
Analista de Bagé: Nós só fazemos sexo nos momentos de folga e quando não há paciente no consultório. Só abrimos exceções para os tratamentos com pessoas que sofrem de voyeurismo, indivíduos que desejam experimentar ménage à trois ou casais que se identificam com o swing. No restante do tempo, somos bastante profissionais. Eu me dedico totalmente às minhas pacientes. Sou um workaholic, como vocês gostam de dizer aqui no Rio e em São Paulo. A Lindaura entende perfeitamente essa minha condição e respeita a minha ética profissional.
Darico Nobar: E se um dia ela deixar de ser sua assistente e for trabalhar em outro consultório onde o psicanalista siga a sua linha de trabalho? Como o senhor reagiria?
Analista de Bagé: Da maneira mais natural possível. Não sou uma pessoa ciumenta nem conservadora. Estamos em pleno século XXI e preciso agir como um homem moderno. Eu simplesmente a traria de volta, puxada pelos cabelos, ao meu consultório. Lá, aplicaria a técnica Joelho-cara & Cara-joelho até ela se convencer que não era o momento para ela deixar de ser minha assistente. Quando ela se convencesse, tiraria sua roupa e a agradeceria por permanecer comigo. Tenho certeza que ela iria gostar.
Darico Nobar: Atualmente, vivemos uma fase de maior empoderamento da mulher e de uma importante discussão contra o assédio sexual e contra a cultura do estupro. O senhor se incomoda por ser a personificação do homem bruto, machista e violento?
Analista de Bagé: Ôigale! Onde já se viu um bageense se incomodar com elogios?!
Darico Nobar: Para encerrarmos essa entrevista, aí vai a última pergunta da noite: Qual foi o paciente mais difícil que o senhor tratou?
Analista de Bagé: Foi uma mulher que fez uma operação de mudança de sexo para tentar reconquistar o ex-marido que era homossexual. Depois de um tempo, contudo, ela descobriu que não queria ser homossexual e passou a se relacionar apenas com mulheres. O ex-marido, nessa altura do campeonato, já estava apaixonado por ela novamente. Assim, ele precisou virar travesti para ter seu antigo casamento de volta.
Darico Nobar: E qual foi o tratamento recomendado para essa paciente?
Analista de Bagé: Leite quente antes de dormir. O problema dela era uma insônia braba que a incomodava desde a adolescência. Tentamos vários procedimentos até descobrir que o leite quênte antes de deitar revigorava seu sono. É um santo remédio!
Darico Nobar: Senhoras e senhores, esse foi o Analista de Bagé, uma das criações literárias mais polêmicas de nosso país. Obrigado pela presença de todos nesta noite e até semana que vem! [Aproveitando-se do corte do som dos microfones, o apresentador fala baixinho, como se pensasse alto]. Isso é, se o Talk Show Literário não for cancelado pela emissora depois desta entrevista de hoje...
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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu na primeira temporada, neste segundo ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.
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