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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

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Livros: Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida – Os dramas maternos por Xinran


Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida - Xinran

“No final de 2007, o número de crianças órfãs chinesas adotadas no mundo todo chegou a 120 mil. Essas crianças foram levadas para 27 países – e quase todas eram meninas. A maior parte dos chineses acha inacreditáveis os números da adoção, assim como acham difícil crer que crianças chinesas tenham encontrado mães e lares em tantos países. Por que a China tem tantas meninas órfãs?”. Assim começa “Mensagem De Uma Mãe Chinesa Desconhecida” (Companhia das Letras), o sexto livro da carreira de Xinran. Esta obra é também a quinta publicação da autora que o Bonas Histórias analisa em agosto. Como é de conhecimento dos leitores frequentes do blog, a literatura de Xinran está sendo alvo de nossa investigação durante este mês no Desafio Literário.

Nesta coletânea de crônicas, a escritora chinesa mais importante da atualidade procura entender o que leva muitas de suas conterrâneas a abandonar seus bebês recém-nascidos, quase sempre meninas. Seriam elas pessoas desalmadas? Seriam estas mulheres vítimas da Política do Filho Único que vigorou por algumas décadas no país mais populoso do mundo? Haveria uma indústria da adoção tendo como público-alvo famílias estrangeiras dispostas a pagar pequenas fortunas para ter um bebê chinês? A busca por essas respostas atiça a curiosidade dos leitores ao longo da leitura do livro.

Publicado em 2010, “Mensagem De Uma Mãe Chinesa Desconhecida” é, de certa forma, a continuação natural do livro anterior de Xinran, “As Filhas Sem Nome” (Companhia das Letras). Se em “As Filhas Sem Nome”, obra lançada em 2008, a escritora relatava, do ponto de vista das filhas abandonadas, o sofrimento de famílias chinesas separadas, agora é a vez de encarar esse problema na perspectiva das mães biológicas. Afinal de contas, por que tantas meninas eram/são abandonadas na China?! Disposta a encontrar uma resposta definitiva para essa questão, Xinran se dedicou a ouvir diretamente as mulheres envolvidas nessa tragédia social.

Aproveitando-se do seu trabalho de jornalista, Xinran pôde conversar com muitas mulheres no período em que viveu na China. Como apresentadora de um popular programa de rádio, “Palavras na Brisa Noturna”, ela recebeu, por quase uma década, milhares de cartas de ouvintes que contavam seus dramas. Além disso, entrevistou muita gente. Nas viagens que fez pelo interior da China, pôde interagir com agricultores simples e com autoridades comunistas. Depois que imigrou para a Europa, em 1997, Xinran continuou empenhada em ajudar as órfãs chinesas. Além de ter publicado vários livros sobre esse tema, ela também fundou, em 2004, uma ONG que auxilia órfãos chineses a encontrar famílias adotivas no exterior e a localizar seus pais biológicos na China. Ou seja, a jornalista coletou, ao longo dos anos, muito material sobre esse assunto.

“Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida” é a coletânea de crônicas de Xinran sobre o drama de várias mulheres envolvidas com o abandono de crianças, a maioria meninas e quase todas recém-nascidas. Assim, conhecemos as histórias tristes de muitas mães que tiveram o prazer da maternidade amputado de suas vidas. Para poupar a identidade das pessoas citadas, a escritora chinesa trocou todos os nomes das personagens presentes em seus relatos.

Pelas páginas do livro, conhecemos a adolescente pobre que foi expulsa da escola e de casa quando apareceu grávida. Sem ninguém para auxiliá-la (o namorado foi o primeiro a fugir), a garota partiu para a cidade grande para trabalhar. Como não havia quem ficasse com sua filhinha enquanto ela estivesse na fábrica, a única alternativa encontrada foi largar seu bebê na porta de um orfanato. Outro caso emblemático é o da universitária oriunda de uma família rica. A moça ficou grávida de um professor da faculdade. Diante do desespero dos pais que achavam aquela criança uma desonra para o nome da família, a jovem aceitou abandonar seu recém-nascido.

Uma mulher casada entra em desespero quando descobre que não consegue gerar um menino. Depois de quatro gravidez consecutivas, ela só tem meninas. Por ser moradora de uma região rural, pobre e tradicional da China, não é aceitável que a primeira criança da família seja uma mulher. Por isso, ela vê seus familiares praticando o infanticídio. Há também o relato de uma mulher bem-sucedida moradora de uma cidade grande. A alegria da maternidade vai pouco a pouco consumindo sua energia. Com empregos importantes e desgastantes, ela e o marido não têm tempo para se dedicar à filhinha pequena. Quando essa mulher descobre que as crianças que vão para o exterior vivem muito bem nos lares de famílias estrangeiras, ela decide levar sua filha para adoção.

Cada capítulo do livro é dedicado a uma história real. Além dessas mães, há relatos de uma ex-parteira encarregada, por muitos anos, de “resolver” as meninas que “insistiam” em nascer do ventre de suas clientes. Há a gestora de orfanatos que cuidava das crianças abandonadas enquanto ela mesma tinha suas próprias confidencias a relatar a Xinran. Temos o depoimento de uma funcionária do governo federal que viajava o mundo para conferir a integridade dos pais estrangeiros que queriam adotar as crianças chinesas. São várias narrativas. Há desde a mãe que teve seu bebê roubado até a mulher que tentava suicídio toda vez que se lembrava da filhinha morta. Um dos casos mais fortes é do casal que abandonou a filha de aproximadamente três anos na estação de trem. Eles queriam ter um filho homem e, assim, largavam todas as meninas que nasciam.

Com muita sensibilidade, Xinran também aproveita para relatar alguns episódios de sua vida pessoal. Dessa maneira, a escritora se junta às várias mulheres retratadas nas páginas para explicar a tragédia da maternidade interrompida na China contemporânea. Os acontecimentos mais marcantes vivenciados pela jornalista são a carência afetiva que ela diz sentir por jamais ter sido amada pela mãe e a malsucedida tentativa de adotar uma menina que ela encontrou abandonada em um hospital.

“Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida” é um livro forte e esclarecedor. Com a delicadeza necessária para tratar de temas tão difíceis, Xinran consegue relatar o que acontece em seu país natal com muita propriedade. De certa maneira, essa obra me fez lembrar “O Livreiro de Cabul” (Record), de Åsne Seierstad, “Cidade do Sol” (Nova Fronteira), de Khaled Hosseini, e “Fuga do Campo 14” (Intrínseca), de Blaine Harden. Todas essas publicações mostram ao leitor estrangeiro a realidade dura de nações com culturas e crenças muito distintas às dos países ocidentais.

Outro ponto positivo desta coletânea de crônicas de Xinran é a sensibilidade da autora ao descrever o sofrimento de suas compatriotas. A resposta para a questão inicial levantada pelo livro não é tão simples de ser encontrada, como os leitores mais apressados poderiam imaginar. As chinesas que abandonam suas filhas não são mulheres monstruosas como alguns poderiam sentenciar apressadamente. Elas são as que mais sofrem no processo de separação de suas filhas. Prova maior disso é o alto índice de suicídios femininos na China. Outra questão que cai por terra é jogar a culpa inteiramente na Política de Filho Único. Muitos casos de infanticídio foram provocados mais pela cultura tradicional sexista chinesa do que por decorrência das regras governamentais de limitação do número de filhos.

“Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida” é, ao mesmo tempo, triste e extremamente revelador. Acabamos ficando divididos entre gostar muito do livro e do jeito de Xinran narrar e ficar perplexos com o que acontece no dia a dia da milenar sociedade chinesa.

Ainda um pouco chocado com o que li, parto agora para a próxima obra do Desafio Literário de agosto. A sexta e última leitura de Xinran deste mês é “Compre-me o Céu” (Companhia das Letras), publicação de 2015. O post desse livro estará disponível no Bonas Histórias no dia 27. Até lá!

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