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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Livros: Machamba - A premiada estreia de Gisele Mirabai nos romances adultos


Machamba Gisele Mirabai

"Machamba" (Nova Fronteira) é o romance de estreia de Gisele Mirabai, escritora, roteirista e atriz mineira. Vivendo há alguns anos na cidade de São Paulo, Gisele produziu esta obra após ser contemplada com uma bolsa de criação literária da Funarte. O programa do Ministério da Cultura é um incentivo ao desenvolvimento da literatura nacional. Em 2017, "Machamba" conquistou o I Prêmio Kindle de Literatura, concurso organizado pela Amazon que teve mais de dois mil romances inscritos. Além do prêmio em dinheiro, a escritora mineira também ganhou um contrato com a Editora Nova Fronteira para lançar seu livro no formato impresso. Até então, a obra só estava disponível para os leitores do Kindle. Assim, o romance chegou às livrarias brasileiras no segundo semestre do ano passado.

Conheci Gisele em agosto deste ano, na última Bienal do Livro de São Paulo. A autora esteve presente ao stand da Amazon, onde conversou animadamente com o público visitante e aproveitou para autografar exemplares de "Machamba". Gisele Marabai também explicou como fez para migrar do universo dos livros digitais para os livros físicos e deu dicas interessantes para escritores iniciantes na profissão. A jovem romancista ainda falou do que representou para sua carreira ter ganhado um concurso da magnitude do Prêmio Kindle.

Li "Machamba" entre agosto e setembro de 2018, logo após o término da Bienal. Admito ter ficado com vontade de comentar o livro aqui no Bonas Histórias naquele momento mesmo. Entretanto, como estava envolvido com as análises do Desafio Literário (Xinran e António Lobo Antunes foram os autores estudados naqueles meses), achei melhor postergar o post sobre "Machamba". Neste finalzinho de ano, com mais calma, acredito dar, enfim, o destaque e a atenção merecidos ao romance.

Antes de "Machamba", Gisele Mirabai já havia publicado quatro livros: as obras juvenis "Guerreiras de Gaia" (Global), de 2015, e "Nasci pra ser Madonna" (Cepe), de 2011, a novela "Onde Judas Perdeu as Botas" (disponível apenas em eBook), de 2011, e a biografia "Homem Livre - Ao Redor do Mundo Sobre Uma Bicicleta" (Ciao Ciao). Contudo, nenhum desses títulos recebeu tanto destaque nem comentários tão positivos da crítica quanto seu primeiro romance adulto.

Gisele Mirabai

Esta história começa com sua protagonista, uma jovem brasileira de vinte e poucos anos, morando em Londres. A trama é narrada em terceira pessoa. Machamba, como a personagem principal é conhecida (trata-se de um apelido de infância - seu verdadeiro nome não é revelado), trabalha como garçonete em um café em London Bridge. A moça atende os clientes do estabelecimento, geralmente advogados engravatados. Ela é muito calada e extremamente solitária. Seus principais hobbies são visitar um determinado museu da cidade, caminhar a pé pelas ruas e transar descompromissadamente com rapazes bonitos.

Machamba tem dois "namorados" (neste caso, o melhor termo talvez seja "parceiros sexuais mais ou menos fixos") na capital inglesa: Bruno, um espanhol, e Jostein, um britânico. Os rapazes são amigos um do outro. Chegaram a dividir, além da companhia da brasileira na cama, o mesmo apartamento por muito tempo. Assim, era muito prático para a protagonista trocar de um quarto para outro na mesma casa. Bruno e Jostein sabem que Machamba faz sexo com vários homens (e, às vezes, com mulheres também).

A vida melancólica, solitária e promíscua da moça é fruto de um grave trauma do passado. Tal episódio é chamado por ela de Elo Perdido. Esse Elo Perdido divide sua trajetória em duas fases distintas: Tempo Grande e o Tempo Pequeno. Machamba, contudo, não sabe ao certo o que aconteceu em seu passado para ter deixado as coisas chegarem a tal ponto. Como se estivesse sob o efeito do flog londrino, ela não consegue enxergar com exatidão os episódios de sua vida pregressa em suas lembranças.

Para estimular sua memória e para refletir sobre seu passado, Machamba pede demissão da cafeteria e, com suas economias, faz uma longa viagem para lugares onde há templos e ruínas históricos. Assim, a moça vai para Grécia, Turquia, Israel, Egito e Índia. Enquanto passeia pelos principais sítios arqueológicos da humanidade, ela recorda-se de sua vida no Brasil. Cada lugar visitado no exterior e cada dia da sua viagem são usados para resgatar sua própria história.

Machamba

Machamba nasceu e passou sua infância em uma fazenda em Fiandeiras, interior de Minas Gerais. Junto à natureza, aos animais e à vida tranquila do campo, a menina mostrava-se fanática, desde cedo, pela história das antigas civilizações e pela produção de mapas. Seus livros favoritos eram as enciclopédias que o pai comprava e lia para ela. Na fazenda distante da cidade, a menina podia conhecer o mundo todo e visualizar os mapas das mais diferentes regiões do planeta.

Após concluir o ensino médio na zona rural, a jovem se mudou para Belo Horizonte, onde foi cursar universidade. O curso escolhido não poderia ser outro: Geografia. Em BH, Machamba passou a morar sozinha e conheceu Luís, seu primeiro namorado. O rapaz, entretanto, trocou-a por outra colega de faculdade, cujo apelido era Esponja Branca.

Desiludida com o rompimento brusco do relacionamento com Luís, Machamba saiu de Belo Horizonte a pé em direção à antiga fazenda dos pais. Em meio a algo parecido a um surto emocional, ela acabou atropelada por um caminhão quando caminhava à noite pela estrada. Por sorte, a moça foi enviada com vida para o hospital. Depois de alguns meses de tratamento, que lhe renderam vários pinos pelo corpo, Machamba deixou o leito hospitalar. Assim que se viu novamente na rua e com saúde, a jovem foi direto ao aeroporto da cidade. A primeira coisa que fez foi viajar para Londres. Depois disso, ela nunca mais retornou para seu país. E raramente telefonava para sua família.

"Machamba" tem 52 capítulos e 173 páginas. Trata-se de um livro muito bom, sendo possível lê-lo em duas ou três noites. Concluí sua leitura em um final de semana. A conquista do Prêmio Kindle de Literatura de 2017 foi, portanto, muito merecido.

Machamba

O mistério sobre o que é o Elo Perdido dá o suspense que a trama precisa. Curiosamente, essa história caminha lentamente e sempre para trás. Enquanto a vida atual de Machamba é monótona e banal, seu passado esconde segredos que atiçam a curiosidade do leitor. "O Elo Perdido teria acontecido na época da fazenda (infância) ou no período vivido em Belo Horizonte (fase universitária da personagem)?", fiquei me perguntando ao longo da narrativa. Essa resposta só é dada no capítulo 48 (lá no finalzinho do romance). E que capítulo fantástico é esse, hein? A autora consegue apresentar o drama de maneira direta e impactante. Depois de tanto rodear o episódio, quando revelado ele é atirado na cara (ou seriam nos olhos?) do leitor. Incrível o resultado estético!

Outros dois elementos que chamam a atenção no texto deste romance são o erotismo acentuado e a inserção de elementos poéticos à prosa. A vida sexual movimentada da protagonista é retratada nas páginas do livro, principalmente nos capítulos iniciais. As cenas de sexo são descritas com certo lirismo. Apesar de algumas analogias triviais (ser o presunto do misto quente, por exemplo), o resulto é amplamente positivo. A descrição de cenários, episódios e pessoas de maneira metafórica também é elogiável. Se no começo ficamos confusos com essa opção da autora, do meio para o final do livro já conseguirmos compreender quase todas as associações poéticas feitas. Aí, elas ganham mais valor.

O interessante é chegar ao final da obra e conseguir montar o quebra-cabeça da vida de Machamba. Essa personagem complexa e de atitudes inusitadas acaba conquistando a simpatia do leitor. Seu passado trágico, seus dramas familiares, suas opções sexuais, o texto poético e os preconceitos descritos no romance me fizeram lembrar muito de "Lavoura Arcaica" (Companhia das Letras). De alguma forma, achei "Machamba" uma versão feminina e mais contemporânea do clássico de Raduan Nassar. Sinceramente, não sei se isto é uma mera coincidência, coisa da minha cabeça ou alguma inspiração da escritora.

Gisele Mirabai

O que sei é que gostei muito de ter lido "Machamba". Gisele Marabai é uma autora talentosa e bastante criativa. Estou aguardando seu próximo passo na carreira de romancista. Se o primeiro romance tem essa qualidade, fico me perguntando como será o segundo, o terceiro, o quarto...?

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