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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Livros: Extraordinário – O romance de estreia de R. J. Palacio


Extraordinário de R. J. Palacio

Neste final de semana, li um livro espetacular. “Extraordinário” (Intrínseca) é o romance de estreia de R. J. Palacio, uma designer gráfica norte-americana que trabalha há mais de duas décadas no mercado editorial. Depois de cuidar dos projetos gráficos e das capas das obras literárias de centenas de escritores, ela resolveu produzir sua própria história. O resultado não poderia ter sido melhor. “Extraordinário” entrou na lista dos mais vendidos do New York Times, recebeu uma enxurrada de críticas positivas, conquistou prêmios e, por fim, foi adaptado para o cinema. O que um autor iniciante poderia desejar mais de sua publicação de estreia, hein?

Adquiri “Extraordinário” em uma visita despretensiosa à livraria na semana passada. Aí, resolvi começar a lê-lo no sábado à tardezinha. Pensei comigo: “Leio um ou dois capítulos do livro e depois saio para ver um filme”. Porém, gostei tanto das primeiras páginas que acabei lendo a obra inteira de uma vez. Cancelei a sessão noturna de cinema e prossegui na leitura do romance até o início da madrugada de domingo. E, confesso, que valeu a pena. “Extraordinário” é o tipo de publicação marcante, que não apenas prende o leitor em suas páginas, mas o faz ficar pensando em sua trama e em suas personagens por alguns dias. Por exemplo, no domingo à noite, eu ainda estava com sua história na cabeça, refletindo sobre as cenas e os acontecimentos do livro. Na segunda-feira de manhã, no trabalho, eu contava para todo mundo (como um chato, admito), o que tinha lido.

R. J. Palacio

Tão interessante quanto a trama ficcional em si é a história por trás da criação de “Extraordinário”. R. J. Palacio, cujo nome verdadeiro é Raquel Jaramill (R. J. Palacio é, portanto, um pseudônimo), teve a ideia de escrever um romance sobre uma personagem que tinha Síndrome de Treacher Collins, um distúrbio genético que causa deformação facial, depois de ver uma menininha com essa doença em uma sorveteria de Nova York. A designer gráfica estava com o filho de três anos na fila do sorvete quando ambos se depararam com a criança com Síndrome de Treacher Collins. O filho de Palacio entrou em desespero e começou a chorar e a gritar ao ver o rosto desfigurado da menina. Sem saber o que fazer, Palacio apanhou o filho no colo e saiu correndo do estabelecimento com ele. Sua ideia era acabar com aquela confusão que seu menino estava criando. Contudo, aquela sua atitude só tornou a situação ainda mais constrangedora, como se ela estivesse fugindo de um pequeno monstro na fila.

Tempos depois, ao ouvir a música “Wonder”, de Natalie Merchant, a futura escritora entendeu que poderia se redimir da cena lamentável protagonizada por ela na sorveteria. Na canção de Merchant, uma criança com uma doença grave exalta a beleza da vida e a maravilha que é a sua criação por Deus. Um estalo se deu na cabeça de R. J. Palacio. Ela poderia escrever um romance sob o ponto de vista da família e da criança com Síndrome de Treacher Collins. Seria sua forma de se redimir e de pedir desculpas à mãe e à menininha que conheceu por acaso na fila do sorvete.

Publicado em 2012, “Extraordinário” narra o drama de um menino de dez anos com a face desfigurada que precisa encarar o desafio de ingressar em uma escola. A crítica literária recebeu o livro com muitos elogios. A autora conseguiu apresentar uma história delicada sobre bullying infantil e preconceitos sociais com beleza e sensibilidade. Em poucos meses, a obra já figurava na lista das ficções mais vendidas dos Estados Unidos. “Extraordinário” ganhou o Prêmio Mark Twain Readers de 2015, concedido ao melhor romance infantil. E, em 2017, o livro de R. J. Palacio foi levado às telonas do mundo todo. O filme foi dirigido por Stephen Chbosky, de “As Vantagens de Ser Invisível” (The Perks of Being a Wallflower: 2012), e teve no elenco Julia Roberts e Owen Wilson. O longa-metragem foi um grande sucesso de bilheteria. Só no Brasil, teve mais de 6 milhões de espectadores.

Filme Extraordinário

No livro, conhecemos Auggie Pullman, um garoto de Nova York que tem Síndrome de Treacher Collins. Desde que nasceu, Auggie já passou por várias cirurgias plásticas, mas ainda sim seu rosto apresenta uma configuração bem distinta do da maioria das pessoas. Seu aspecto causa reações de espanto e choque nas pessoas. Ele e sua família se acostumaram a isso. Para passar despercebido, o menino usou por muitos anos um capacete de astronauta, presente de uma amiga da irmã mais velha. Por causa das inúmeras internações hospitalares e das cirurgias que precisou enfrentar, Auggie nunca pôde frequentar a escola. A responsável por ensiná-lo em casa era a mãe, Isabel, filha de brasileiros.

Com o fim das visitas prolongadas aos hospitais e com os dez anos de vida completados, Auggie Pullman já pode em tese começar a frequentar à escola pela primeira vez. Contudo, ele estará preparado para encarar as outras crianças em um ambiente tão cheio de bullying como é o colégio? É essa dúvida que angustia não apenas o menino como os seus pais também. Depois de muitas reflexões e de discussões acaloradas, a família resolve matricular Auggie no quinto ano do Beecher Prep, uma escola particular.

“Extraordinário” narra basicamente o primeiro ano letivo de Auggie. É diante dos colegas que o menino precisará encarar as maiores adversidades de sua vida. Ele terá de superar os preconceitos e as maldades de alunos e dos pais dos alunos do colégio. Como será a vida do garoto à medida que precisará conviver com pessoas intolerantes à sua condição?

Livro Extraordinário

Além da ótima história, o livro de R. J. Palacio tem algumas sacadas geniais. A primeira delas que gostaria de exaltar é a da multiplicidade de foco narrativo. As 320 páginas do romance estão divididas em 8 partes onde diferentes personagens apresentam seu ponto de vista sobre o conflito principal. Assim, sabemos o que está acontecendo não apenas pela perspectiva de Auggie (o narrador dos capítulos das partes I, VI e VIII), mas também pelo de Via Pullman, a irmã mais velha do personagem principal (parte II), de Summer, a melhor amiga de Auggie (parte III), de Jack Will, o melhor amigo do protagonista (parte IV), de Justin, o namorado de Via (parte V) e de Miranda, antiga melhor amiga de Via (parte VII).

Além de dar mais agilidade à história, esse mergulho na mente e na vida das várias personagens (todas crianças e adolescentes, nenhuma adulta) mostra que cada um possui seus próprios medos e dramas que precisam ser superados de uma forma ou outra. Se o leitor acha, em um primeiro momento, que só Auggie Pullman tem desafios para encarar, durante o romance compreendemos que não é bem assim. A menina inteligente e bonita e o rapaz forte e saudável também carregam uma enxurrada de problemas que precisam ser resolvidos com coragem.

A construção das personagens é outro aspecto elogiável da obra. Todas as personagens, tanto as principais quanto as secundárias, são indivíduos de grande complexidade. Na maior parte das vezes, elas são figuras redondas, carregadas de aspectos positivos e negativos e apresentando comportamentos dúbios. Nesse sentido, os melhores exemplares dessa constatação são Jack Will e Via Pullman. Por sua vez, o antagonista, Julian, é uma personagem plana (admitamos o quão difícil é criar vilões redondos na ficção!).

R. J. Palacio

Também gostei das várias citações que a autora faz a elementos da música, da literatura e do cinema. Eles dialogam muito bem com o conteúdo deste livro. Por isso temos acesso aos versos mais fortes de “Wonder”, a canção de Natalie Merchant. Essa intertextualidade enriquece a obra de R. J. Palacio e confere uma beleza maior as palavras apresentadas pela autora.

O desfecho do romance é o momento mais emocionante da trama. Confesso que fui às lágrimas. Não imaginava (talvez eu seja um ingênuo) um final tão belo como o exposto pela romancista norte-americana. Também gostei do ritmo da narrativa, cheio de ação, reviravoltas e cenas marcantes.

“Extraordinário” possui sim uma bela história, mas é, acima de tudo, um romance muitíssimo bem escrito. R. J. Palacio mostra-se uma escritora criativa e de muitos recursos. Seu texto é, ao mesmo tempo, delicado e contundente. Ela sabe trabalhar assuntos bastante delicados com graça e leveza, tornando seu manuseio aparentemente fácil.

Se a ideia inicial de “Extraordinário” era pedir desculpas para a mãe e para a menininha com Síndrome de Treacher Collins na fila do sorvete (algo exposto sem rodeios nos agradecimentos da obra), gostaria que a autora soubesse que estou aguardando a próxima pisada na bola dela. Na certa, a literatura terá a ganhar com novos pedidos de desculpas como este.

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