Os acordes iniciais de “Brasileirinho”, o choro de Waldir Azevedo que foi gravado pela primeira vez em 1949, estão entre os trechos mais conhecidos da nossa música. Não à toa, a canção foi usada em incontáveis ocasiões especiais, como a festa de abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007 e a apresentação da equipe de ginástica artística brasileira nos Jogos Olímpicos de 2004. “Brasileirinho” também se transformou em tema de peça teatral, compôs a trilha de telenovelas e filmes e embalou propagandas de produtos e campanhas eleitorais. Acredito que seja impossível alguém morar no Brasil sem conhecer esse chorinho. É a mesma coisa que um argentino nunca ter ouvido o tango “Mi Buenos Aires Querido” ou um português que desconheça o fado “Povo que Lavas no Rio”.
Criado em 1947, “Brasileirinho” demorou dois anos até ser lançado. Waldir Azevedo, mestre do cavaquinho e um dos maiores nomes do chorinho nacional, teve a ousadia de, pela primeira vez na história, colocar seu instrumento favorito em primeiro plano em uma música. Até então, o cavaquinho, quando muito, era usado meramente como instrumento de apoio às canções. E essa invenção surgiu por acaso. Certa vez, o músico, nascido em 1923 na cidade do Rio de Janeiro, precisou distrair uma criança em sua casa. O problema é que ele só tinha um cavaquinho quebrado em mãos. Podendo usar apenas a corda mais aguda, o compositor improvisou. O resultado é o trecho inicial de “Brasileirinho”. Incrível!
Tocando em conjuntos regionais, Waldir Azevedo só chegou a uma grande gravadora em 1949. Maravilhado com o trabalho do músico carioca, Braguinha indicou-o para substituir Jacob do Bandolim na gravadora Continental, uma das principais do país. Do dia para noite, o primeiro álbum de Azevedo, que tinha em um lado “Brasileirinho” e no outro “Carioquinha”, virou um sucesso retumbante. As vendas espetaculares deste disco colocaram a música instrumental em um novo patamar. E Waldir Azevedo, aos 26 anos, se tornou o grande astro do choro brasileiro. Até o final da carreira, o compositor lançaria outros 52 álbuns.
Anos mais tarde, “Brasileirinho” ganhou letra. Ruy Pereira da Costa, pernambucano criado desde menino no Rio de Janeiro, desenvolveu os versos que embalaram a partir daí a canção de Waldir Azevedo. A nova versão foi gravada por grandes nomes da música brasileira como Ademilde Fonseca (em um ritmo aceleradíssimo, quase incompreensível) e Baby Consuelo (num ritmo mais cadenciado). Veja a letra de Pereira da Costa:
Brasileirinho - Waldir Azevedo/ Ruy Pereira da Costa
O brasileiro quando é do choro
É entusiasmado quando cai no samba,
Não fica abafado e é um desacato
Quando chega no salão.
Não há quem possa resistir
Quando o chorinho brasileiro faz sentir,
Ainda mais de cavaquinho,
Com um pandeiro e um violão
Na marcação.
Brasileirinho chegou e a todos encantou,
Fez todo mundo dançar
A noite inteira no terreiro
Até o sol raiar.
E quando o baile terminou
A turma não se conformou:
Brasileirinho abafou!
Até o velho que já estava encostado
Neste dia se acabou!
Para falar a verdade, estava conversando
Com alguém de respeito
E ao ouvir o grande choro
Eu dei logo um jeito e deixei o camarada
Falando sozinho.
Gostei, pulei,
Dancei, pisei até me acabei
E nunca mais esquecerei o tal chorinho
Brasileirinho!
Assista, a seguir, à apresentação histórica, em 2010, de Ademilde Fonseca aos 89 anos (ela faleceu em 2012) cantando “Brasileirinho” ao lado de Eymar Fonseca, sua filha com o violonista Naldimar Delfino. É nítida a falta de voz da lenda do chorinho (lembremos que ela estava com quase 90 anos!), mesmo assim sua interpretação é exemplar. A voz rouca de Ademilde (muito parecida a de Elza Soares) continuou sendo sua marca registrada até o final da carreira.
Até hoje, “Brasileirinho” é o choro mais famoso do nosso país. A Revista Bravo, em 2008, elegeu-o como uma das 100 canções mais importante da história nacional. Presença ainda onipresente na cultura musical popular, essa criação de Waldir Azevedo e Pereira da Costa continua encantando as novas gerações de brasileiros. E isso 70 anos depois de sua composição. Maravilhoso!
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