Na semana retrasada, estreou nos cinemas brasileiros “O Sol Também é Uma Estrela” (The Sun Is Also A Star: 2019). O drama romântico de pegada adolescente teve um orçamento na casa de US$ 9 milhões. De certa forma, ele antecipa o clima do Dia dos Namorados em nosso país. Dirigida por Ry Russo-Young, jovem cineasta norte-americana responsável pelo ótimo “Antes Que Eu Vá” (Before I Fall: 2016), a recém-lançada produção foi roteirizada por Tracy Oliver. O protagonismo ficou a cargo de Yara Shahidi e Charles Melton, dois jovens atores que começaram suas carreiras como modelos e atualmente são mais conhecidos por seus trabalhos em séries de TV (ela por “Black-ish” e ele por “Riverdale”).
Assisti a “O Sol Também é Uma Estrela” na última quarta-feira no Espaço Itaú de Cinema do Shopping Bourbon Pompeia. Apesar de trazer alguns recursos narrativos simples e alguns expedientes cinematográficos bem manjados, o novo longa-metragem de Russo-Young possui seus encantos. Ele sabe sim cativar a plateia mais emotiva e entrega o que promete. No final das contas, seu resultado é amplamente positivo. Não é porque uma receita é utilizada recorrentemente por produções similares que necessariamente ela seja decepcionante. Um prato pode ser bem-feito mesmo utilizando ingredientes, fórmulas e mecanismos corriqueiros (leia-se: conservadores).
O filme é baseado no best-seller homônimo de Nicola Yoon, autora jamaicana que mora desde a adolescência nos Estados Unidos e que escreve tramas sobre a diversidade inter-racial. O livro “O Sol Também é Uma Estrela” (Arqueiro), o segundo romance de Yoon, foi lançado em novembro de 2016 nos Estados Unidos e já no ano seguinte alcançou o incrível posto de mais vendido na lista do New York Times. O sucesso nas livrarias norte-americanas foi seguido pelos elogios da crítica literária daquele país. O romance foi finalista do Prêmio National Book de 2016 e do Prêmio Amelia Elizabeth Walden de 2017. Interessada em levar esta história para o cinema, a Warner Brothers e a MGM compraram, em dezembro de 2016, os direitos de adaptação do livro de Nicola Yoon. As filmagens começaram em 2017.
Curiosamente, a história de “O Sol Também é Uma Estrela” foi baseada em alguns elementos autobiográficos. Muitas das características do casal de protagonistas foram extraídas do relacionamento real e multicultural da escritora com seu marido, um designer de ascendência sul-coreana. Enquanto Nicola Yoon é negra, se formou em Engenharia e trabalhou por duas décadas como programadora de uma empresa de investimentos norte-americana, seu marido é um artista de origem asiática que mora desde a infância em Nova York. No universo ficcional do romance, a autora apresenta o drama de um jovem casal de imigrantes de culturas tão diferentes: ela jamaicana e ele coreano. Apesar das diferenças étnicas, o pior pesadelo dos apaixonados é o departamento de Imigração dos Estados Unidos. Para ficarem juntos em um país em que o aperto aos imigrantes ilegais se intensificou nos últimos anos, eles precisarão se desdobrar. Ou seja, qualquer semelhança entre ficção e realidade neste caso não é mera coincidência...
O longa-metragem se passa nos dias de hoje em Nova York (para sermos mais precisos, a história acontece há cinco anos). Natasha Kingsley (interpretada por Yara Shahidi) é uma jovem que vive um drama pessoal. Depois de anos morando na América (veio da Jamaica ainda criança), ela e sua família serão deportadas para o país caribenho já no dia seguinte. A Imigração pegou seu pai, que nunca formalizou sua estada nos Estados Unidos. O problema de Natasha é que sua vida está toda baseada no novo país e, principalmente, em Nova York. Ela se enxerga muito mais como uma norte-americana do que como uma jamaicana. Desesperada para mudar a decisão do departamento de Imigração, ela quer usar as últimas 24 horas para arranjar um bom advogado que consiga reverter sua deportação.
Justamente nesse dia decisivo, Natasha conhece por acaso Daniel Bae (Charles Melton). Ele é um descendente de sul-coreanos que sonha em ser escritor, mas que está na iminência de entrar para a faculdade de Medicina. O rapaz salva a moça de ser atropelada. Encantado com a beleza da jovem e empolgado com as coincidências que os aproximou (diz que o encontro de ambos é obra do destino), Daniel desafia Natasha a passar um dia inteiro com ele. O rapaz tem certeza que fará a moça se apaixonar por ele nessas 24 horas.
Entretanto, Natasha não possui tanto tempo assim para dispor. Além disso, ela, diferentemente dele, não é nada romântica. A jamaicana não crê em destino nem em amor à primeira vista. Para ela, o mundo é regido unicamente por fatos comprovados cientificamente. Sentimentos, feeling, sexto sentido, impressões subjetivas e intuições não passam de bobagens que as pessoas fracas de espírito acreditam. Para Daniel, o mundo não é tão frio como sua nova amiga acredita ser. Ele crê no poder do amor, na força do invisível, na atração entre as pessoas e no poder do destino. Exatamente por isso, insiste no encontro com Natasha. Na visão de Daniel, o período de 24 horas será suficiente para a moça ficar apaixonada por ele e compreender o quanto os dois estão fadados a ficarem juntos para sempre.
Depois da insistência de Daniel, Natasha aceita conferir ao rapaz ao menos uma hora de seu dia. É tudo o que ela tem para dispor. Ele aceita empolgado. Esta será a chance dele de provar que os dois foram feitos um para o outro e que o destino está agindo para colocá-los juntos. O grande problema de Daniel é o dia em que ele conhece Natasha. A moça está estressada e extremamente preocupada com a questão da Imigração. Conseguirá o descendente de sul-coreanos atrair a atenção da jovem jamaicana a ponto dela se apaixonar?! Esse é o conflito principal do filme que faz o espectador grudar na tela.
“O Sol Também é Uma Estrela” tem pouco mais de uma hora e meia de duração. Como um romance leve e descontraído, o filme é honesto. Trata-se de um longa-metragem recreativo que consegue cativar a plateia, mas que está longe (muuuito longe) de ser uma produção memorável. Se comparado até mesmo a “Antes Que Eu Vá”, para restringirmos a análise aos filmes dirigidos por Ry Russo-Young, “O Sol Também é Uma Estrela” perde de goleada.
Os pontos fortes desta produção estão em um roteiro bem amarradinho (simples, mas correto), no carisma contagiante do casal formado por Yara Shahidi e Charles Melton, na boa trilha sonora e na belíssima fotografia do filme.
O roteiro de Tracy Oliver foi, obviamente, ajudado pela boa história construída por Nicola Yoon em seu romance. “O Sol Também é Uma Estrela” faz parte daquele tipo de narrativa romântica de um dia, quando um pequeno período (neste caso, 24 horas) marca consideravelmente a vida do casal apaixonado para sempre. Mesmo não sendo lá muito original, esta história guarda detalhes peculiares que dão charme e emoção à sua trama. A diversidade ético-cultural das personagens, o olhar sobre os imigrantes, a disputa com a Imigração e as diferenças ideológicas dos protagonistas são os elementos mais interessantes do filme.
É verdade que o conflito do jovem casal tem alguns exageros... É difícil acreditar que em pleno século XXI, duas pessoas se procurem, mas não se achem. Onde estão as redes sociais? Onde está o alcance internacional dos celulares?! Em certo sentido, tal narrativa seria mais apropriada para a década de 1990 e não para os anos de 2000. Em relação às coincidências intermináveis que os protagonistas são submetidos do início ao final do longa-metragem, sinceramente isso não me incomodou. Só achei a cena final um tanto forçada. Sabe quando o copo está cheinho e aí uma gotinha transborda tudo? Foi mais ou menos essa sensação que tive no desfecho. Apesar de romântico, o final é piegas e exagerado. De certa forma, ele estraga a verossimilhança da trama.
É preciso destacar a atuação de Yara Shahidi e Charles Melton, novatos nos papéis de protagonistas no cinema. A dupla dá um show de carisma e de simpatia. Se falta um pouco de química ao casal, não falta, por outro lado, sensibilidade para a construção de suas personagens. Não é errado atribuir boa parte do êxito do filme ao desempenho surpreendente dos jovens atores. A escolha de Shahidi foi uma opção pessoal de Russo-Young. A atriz que fez a protagonista do filme foi a primeira a ser selecionada pela diretora. Já a definição de Melton demorou um pouco mais, sendo preciso alguns meses para se chegar ao seu nome.
Repare também na trilha sonora e na fotografia de “O Sol Também é Uma Estrela”. As músicas que embalam a paixão de Natasha Kingsley e Daniel Bae são uma mistura de sucessos antigos com criações novas. Do primeiro grupo, destaco “Crimson And Clover” de Joan Jett. Na certa, você sairá da sessão com essa canção na cabeça. Do segundo grupo, “Paradise”, composta por Bazzi, é o principal exemplar. Curiosamente, além de ouvi-las durante o filme, algumas canções e alguns álbuns conhecidos do grande público (“No Woman, No Cry” de Bob Marley, “Nevermind” do Nirvana, “Hunger Strike” de Chris Cornell e “Feel on Black Days” de Soundgarden) são citados pelas personagens ou aparecem em segundo plano durante a narrativa cinematográfica. Ou seja, há uma forte intertextualidade musical nesta produção. Os gostos e os hábitos musicais das personagens principais são um importante elemento desta história e aparecem com força o tempo inteiro durante o longa-metragem.
A fotografia de “O Sol Também é Uma Estrela” permite que o espectador faça um passeio virtual por Nova York. A cidade da costa leste dos Estados Unidos é uma personagem do filme e aparece exuberante na telona. O par romântico está o tempo inteiro se deslocando pelas ruas da cidade e parece priorizar os pontos turísticos do município. Os locais mais famosos de Nova York são usados como cenário, algo à princípio incoerente se estamos falando de moradores da localidade e não de turistas. Contudo, como estamos tratando de um casal apaixonado, tudo é permitido, até mesmo visitar os pontos turísticos da cidade em que eles moram desde crianças em um dia aparentemente normal.
Os pontos fracos de “O Sol Também é Uma Estrela” aparecem em alguns exageros do seu enredo e de alguns tropeços narrativos. É verdade que a maioria do público, encantada com a história de amor dos jovens, talvez nem perceba a maioria das falhas da trama. Por isso, achei o filme tão bom. Se ele não é lá tão criativo em seu conflito e em seu desenvolvimento, ao menos teve o mérito de ocultar suas falhas com um produto final redondinho. Para quem é romântico e procura uma opção no cinema para assistir com uma boa companhia ao lado, “O Sol Também é Uma Estrela” irá cair como uma luva.
Veja o trailer de “O Sol Também é Uma Estrela” (The Sun Is Also A Star: 2019):
O que você achou deste post e do conteúdo do Blog Bonas Histórias? Não se esqueça de deixar seu comentário. Se você é fã de filmes novos ou antigos e deseja saber mais notícias da sétima arte, clique em Cinema. E aproveite também para curtir a página do Bonas Histórias no Facebook.