Amanhã, estreiam nos cinemas brasileiros vários filmes de terror e de suspense. Os fãs destes gêneros podem comemorar a semana farta. Na certa, não faltarão motivos para eles correrem às salas mais próximas para o banquete. Do cardápio disponível, o melhor deles é o francês “O Professor Substituto” (L'Heure de la Sortie: 2018). O longa-metragem de Sébastien Marnier é imperdível! Prometo que vou tentar comentá-lo nas próximas semanas aqui no Bonas Histórias. Por outro lado, os mais fraquinhos da nova leva são o também francês “O Mistério de Henri Pick: (Le Mystère Henri Pick: 2019) e o norte-americano “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile: 2019). Infelizmente, Rémi Bezançon tem perdido a mão nos últimos trabalhos, enquanto Joe Berlinger derrapou desta vez em seus experimentalismos narrativos.
Entretanto, hoje gostaria de comentar a estreia mais peculiar de todas: “O Mistério do Gato Chinês” (Kûkai: 2017). Esta produção sino-japonesa leva o espectador para uma nova dimensão estética e narrativa. O tom oriental de seu enredo e de sua filmagem o torna a opção mais irresistível para quem tem vontade de ver algo bem diferente. Você até pode sair decepcionado da sala de cinema (acredito que boa parcela do público não irá gostar deste filme), mas na certa não irá se esquecer desta experiência cinematográfica por um bom tempo.
Roteirizado e dirigido por Chen Kaige, experiente cineasta chinês dos bons “Mate-me de Prazer” (Killing Me Softly: 2001), “A Promessa” (Wu Ji: 2004) e “O Sacrifício” (Zhao Shi Gu Er: 2010), “O Mistério do Gato Chinês” é uma trama de mistério e suspense com muitas doses de fantasia. Se Kaige mantém a pegada onírica de seus trabalhos anteriores, agora ele acrescenta um grande cuidado com os efeitos visuais. O resultado é controverso. Se por um lado somos bombardeados por uma overdose de imagens incríveis (a fotografia do longa-metragem é sensacional!), por outro lado recebemos centenas de peças de um quebra-cabeça desmontado (sua narrativa é confusa e de difícil construção na cabeça do espectador). Acredite em mim: chega um momento na sessão que você estará perdido perdidinho. É uma pena esse tropeço narrativo, pois esta produção de Chen Kaige tinha tudo para ser um dos grandes destaques da temporada de meio de ano.
As filmagens de “O Mistério do Gato Chinês” ocorreram integralmente na China. Para tal, foi construído um gigantesco set de filmagens orçado em aproximadamente US$ 200 milhões. A construção da cidade cenográfica demorou cinco anos para ser finalizada. Hoje, esse espaço se transformou em um parque temático. O lançamento do filme aconteceu no Festival Internacional de Cinema de Tóquio, em 2017. Na China, esta história chegou às salas do circuito comercial de cinema em dezembro daquele ano. A partir de 2018, o longa-metragem passou a ser exibido em festivais cinematográficos internacionais. “O Mistério do Gato Chinês” foi baseado em um romance de Baku Yumemakura, escritor japonês especializado em ficção científica e em tramas de aventura. Yumemakura é extremamente popular em seu país natal e se tornou um ícone da cultura nipônica.
Com quase duas horas e meia de duração, “O Mistério do Gato Chinês” trata da investigação realizada pelo monge japonês Kûkai (interpretado por Shôta Sometani) e pelo escriba chinês Bai Letian (Huang Xuan) sobre a misteriosa morte do imperador da China. A trama ocorre durante a Dinastia Tang, período histórico entre 618 e 907 d.C. Kûkai havia sido convocado para realizar o exorcismo do imperador, que estava há mais de uma semana sofrendo sem conseguir fechar os olhos. Com essa missão, ele viajou do Japão para a China. Entretanto, ao entrar no palácio real, o monge japonês vê a autoridade chinesa morrer de maneira extraordinária. Este é o início de uma série de acontecimentos mágicos que envolvem a família imperial.
Os trabalhos investigativos de Kûkai e Bai Letian, que acalenta o sonho de se tornar um poeta, irão levá-los a descobertas sobrenaturais. Um gato preto é o responsável pela maldição que culminou com a morte da mais alta autoridade chinesa e que pretende perpetuar a praga para seus descendentes. Na investigação da dupla, descobre-se que o gato amaldiçoado está ligado a fatos trágicos ocorridos há três gerações. A morte da mais bela concubina (Zhang Yuqi) de um antigo imperador é a responsável pelo comportamento sanguinário e vingativo do gato. Assim, o presente trágico está intimamente relacionado ao passado obscuro da China Imperial. Para descobrir as causas do mal atual, Kûkai e Bai Letian mergulharão no passado chinês. Esta viagem da dupla mistura literatura com regressão a vidas passadas.
Além dos efeitos especiais incríveis deste filme (conquistou os prêmios desta categoria no Asian Film Awards e no Beijing College Student Film Festival – repare principalmente nas cenas de ação do gato e em suas expressões faciais), um dos pontos mais elogiáveis de “O Mistério do Gato Chinês” é o seu começo eletrizante. Em poucos minutos, o espectador conhece o enredo que descrevi no parágrafo acima e embarca curioso na aventura dos protagonistas da trama. O ritmo acelerado da ação marca a tônica do longa-metragem do início ao fim. A sensação é que sempre está acontecendo alguma coisa de importante. As personagens principais mergulharão na investigação que segue por caminhos inusitados e pouco ortodoxos.
E por falar nos protagonistas, a dupla de investigadores é carismática e bem-humorada. É muito divertido acompanhar suas peripécias. Se Kûkai é o especialista em paranormalidade e em ilusionismo (peças importantes do quebra-cabeça narrativo), Bai Letian é o entendido em literatura e em história chinesa (a outra parte do quebra-cabeça reside justamente aí). O entrosamento entre o ator japonês e o ator chinês ajuda a levar o filme para um patamar superior.
Outra questão bem legal é a mistura de realidade e ficção. Boa parte da narrativa é feita em cima de suposições e da projeção mental das personagens principais. Isso é totalmente pertinente, pois não é possível termos certeza dos acontecimentos históricos passados há décadas (lembremos que Kûkai e Bai Letian estão fazendo uma investigação histórica). Se por um lado isso torna a história mais plural e inesperada, por outro pode confundir os espectadores. Afinal, são tantas as reviravoltas e as sobreposições de hipóteses, que qualquer um poderá ficar maluquinho da Silva no meio da sessão.
Não posso deixar de comentar o cenário e o figurino impecáveis desta produção. A construção da cidade cenográfica ambientada na China da Dinastia Tang está maravilhosa e contribuiu muito para o clima histórico de “O Mistério do Gato Chinês”. Os jogos de luzes, as tomadas de câmeras e os efeitos especiais também potencializaram a criação da fotografia do filme, um esplendor para os olhos do público.
No meio da sessão, lembrei de quatro filmes clássicos: “Em Nome da Rosa” (Le Nom de la Rose: 1986), “Indiana Jones e a Última Cruzada” (Indiana Jones and the Last Crusade: 1989), “Ghost - Do Outro Lado da Vida” (Ghost: 1990) e “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (Harry Potter and the Philosopher's Stone: 2001). Em uma analogia descompromissada, diria que “O Mistério do Gato Chinês” é uma mistura desses quatro filmes (com uma pegada oriental, obviamente!). Muito provavelmente, Chen Kaige não se inspirou neles diretamente na hora de produzir o roteiro e de fazer as filmagens. Porém, aos meus olhos, essa comparação não é tão amalucada assim.
Com tantos aspectos positivos, o que deu, afinal, de errado nessa receita cinematográfica? O principal problema de “O Mistério do Gato Chinês” está na sua narrativa extremamente confusa. Se o ritmo acelerado, as surpresas da trama, a apresentação de várias hipóteses históricas e a mistura de realidade e ficção são interessantes por um momento, a overdose desses componentes torna o enredo do filme uma peça de difícil compreensão. Para completar a confusão, ainda temos várias personagens entrando e saindo da história e um vai-e-volta constante entre presente e passado. Juro que em determinada altura do longa-metragem, eu já não estava entendendo absolutamente nada. Nesse sentido, o final de “O Mistério do Gato Chinês” é positivo, pois é bem didático e leva o espectador a um desfecho lógico e palpável. Se não fosse isso, na certa teria deixado a sala de cinema frustrado (diria mais, revoltado).
Talvez “O Mistério do Gato Chinês” seja um filme para assistirmos mais de uma vez. Essa foi minha vontade ao término da sessão. Juro que pensei: deveria voltar a vê-lo para poder entender toda a sua complexidade. Porém, não sei se isso acontecerá. Mas que deu vontade, isso deu. Esta produção de Chen Kaige será lançada amanhã, quinta-feira, no circuito comercial brasileiro. Desejo, desde já, coragem para quem for se aventurar neste longa-metragem.
Assista, a seguir, ao trailer de “O Mistério do Gato Chinês”:
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