No finalzinho de julho, estreou nos cinemas brasileiros “Um Ladrão Com Estilo” (The Old Man & The Gun: 2018). Este filme não recebeu muita atenção das redes nacionais de exibição e, por isso, ficou restrito a algumas poucas salas nas principais capitais do nosso país (São Paulo e Rio de Janeiro, essencialmente). Por sorte consegui assisti-lo no final de semana passado. E o grande charme de “Um Ladrão Com Estilo” é a presença de Robert Redford. O veterano ator norte-americano, dos inesquecíveis “Butch Cassidy” (Butch Cassidy and the Sundance Kid: 1969), “Golpe de Mestre” (The Sting: 1973) e “Proposta Indecente” (Indecent Proposal: 1993), anunciou no ano passado (nos Estados Unidos, o longa-metragem foi lançado em setembro de 2018) que este seria seu último trabalho no cinema. Próximo de completar 83 anos, o ator encerra, assim, uma carreira riquíssima. Paradoxalmente, o maior prêmio cinematográfico de Redford foi o Oscar de 1981 como Melhor Diretor por “Gente como a Gente” (Ordinary People: 1980). Ele também é lembrado como o criador do Festival Sundance de Cinema, um dos principais prêmios do cenário independente.
Dirigido por David Lowery, de “Sombras da Vida” (A Ghost Story: 2017), “Meu Amigo, o Dragão” (Pete's Dragon: 2016) e “Amor Fora da Lei” (Ain't Them Bodies Saints: 2013), “Um Ladrão Com Estilo” é baseado na história real de Forrest Tucker, um ladrão de banco carismático que permaneceu na ativa até o final de sua vida, quando já era idoso. O roteiro do longa-metragem é do próprio Lowery e foi escrito a partir de um artigo do The New Yorker de 2003. No texto da revista, David Grann, jornalista e escritor, narra as peripécias de Tucker para enganar a polícia ao longo das várias décadas. Encantado com o material, David Lowery adaptou esta história para o cinema. Para Robert Redford, que leu o roteiro anos depois, não havia filme melhor para colocar um ponto final em sua trajetória como ator. Para ele, uma comédia policial que retratava um protagonista idoso era misturar um pouco da sua cinebiografia com sua atual fase de vida.
“Um Ladrão Com Estilo” possui um elenco estrelar. Além de Redford, o longa-metragem tem as presenças de Casey Affleck (presença corriqueira nas produções de Lowery), Danny Glover, Tika Sumpter, Tom Waits e Sissy Spacek. Um time tão talentoso e experiente como este (são vários vencedores do Oscar) acabou facilitando muito as coisas para o diretor. Em vários momentos, os atores e as atrizes têm um desempenho muitíssimo superior ao roteiro. Por este papel, Robert Redford foi indicado ao Globo de Ouro deste ano na categoria Melhor Ator em Comédia/Musical – vencido por Christian Bale pelo seu trabalho em “Vice” (2018).
Orçado em US$ 12,5 milhões, “Um Ladrão Com Estilo” se passa no início dos anos de 1980. Forrest Tucker (interpretado por Robert Redford) é um ladrão de banco. Ele age ao lado de dois comparsas, Teddy Green (Danny Glover) e Waller (Tom Waits). Aproveitando-se do inexpressivo sistema de segurança bancário da época, o bando é responsável pelo desfalque em dezenas e dezenas de agências no interior dos Estados Unidos. O que torna os assaltantes tão populares entre os policiais e a mídia é a união de duas características inusitadas: os assaltantes são idosos (o trio tem entre 60 e 70 anos) e eles são muito elegantes (tanto na maneira de se vestir quanto no trato pessoal com os assaltados). Dessa maneira, os roubos acontecem geralmente na maior tranquilidade, sem que um tiro seja disparado e sem qualquer pânico nas agências.
Intrigado com a postura peculiar dos criminosos, o detetive John Hunt (Casey Affleck) passa a investigar o caso. Enquanto precisa fugir da polícia, Forrest Tucker engata um romance com Jewel (Sissy Spacek), uma viúva honesta que administra sozinha uma fazenda. Os dois se conheceram por acaso quando Tucker fugia de mais uma perseguição policial. Curiosamente, Jewel não acredita quando Tucker afirma ser um assaltante de banco. A fazendeira acha que se trata de mais uma galhofa daquele senhor elegante e calmo. Porém, à medida que ficam mais próximos um do outro, cada um deles conhecerá mais afundo o comportamento do parceiro e tentará influenciar o outro. Será que Tucker se tornará um sujeito honesto ou será que Jewel será levada a agir como uma criminosa?
Com aproximadamente uma hora e meia de duração, “Um Ladrão Com Estilo” é muito decepcionante. Juro que saí de sua sessão indignado com o quão limitado é essa produção. Sabe aquele filme que tem uma história incrível e possui ótimos atores, mas, mesmo assim, o resultado é fraquíssimo? Pois este é o melhor resumo deste novo longa-metragem de David Lowery. Agora entendi o motivo deste título ter ficado escondido em poucas salas de cinema em nosso país. Na certa, as redes de exibição quiseram poupar seus clientes.
Para mim, o maior equívoco de “Um Ladrão Com Estilo” está em seu roteiro. A narrativa tem até ótimos ingredientes: romance sensível e bonito, trama policial deliciosa, cenas de ação com potencial de tirar o fôlego da plateia, personagens inusitados, dramas originais, cenas de humor leve e inteligente e algumas reviravoltas. Entretanto, a receita final da narrativa é pobre. E isso é o mais frustrante. Com tantos elementos interessantes, só mesmo um trabalho desastroso do roteirista e do diretor para estragar tudo. E Lowery conseguiu essa façanha.
É difícil listar todos os problemas do roteiro. Para começo de conversa, “Um Ladrão Com Estilo” demora muito para engrenar. Só da metade para o final é que entendemos o conflito principal desta narrativa. Até lá, vemos cenas de pouca relevância e dissonantes com o espírito do filme. Para piorar, temos algumas personagens mal construídas. A pior delas é o detetive John Hunt. Figura inexpressiva, melancólica e contraditória, ele mais atrapalha o enredo do que ajuda (e isso não é culpa do pobre do Casey Affleck, em um dos piores papéis de sua carreira).
Outra questão grave do enredo que precisa ser citada foi a escolha infeliz do que retratar no filme. A história de vida de Forrest Tucker foi pródiga de momentos inusitados e de grande aventura. Contudo, o que foi escolhido para aparecer na tela não foram os instantes mais emocionantes dela. Pelo contrário: vemos a etapa mais melancólica de sua trajetória como criminoso. Para tentar corrigir este erro, tentou-se listar de maneira sumarizada os momentos mais divertidos e emocionantes do protagonista. Ao invés desse recurso contribuir para o longa-metragem, ele só piorou. O espectador nota que era a história não contada que ele queria ver. O que foi sumarizado poderia ter se transformado em cenas e o que foi colocado como cenas poderia muito bem ter ficado sumarizado.
Os erros não param por aí. Há sequências de grande inverossimilhança que jogam por terra qualquer respeito que o espectador poderia ter pela história assistida. Há desde tropeções simples (a personagem que nunca andou de cavalo se torna, de repente, um cavaleiro exímio) até graves (jamais um criminoso que foge avidamente da polícia iria se autoincriminar). São tantos os erros narrativos (vínculo de amizade improvável entre policial e ladrão e postura totalmente incoerente do investigador) que chega a dar raiva. Na certa, o roteirista/diretor acha que sua plateia é muito burra para não perceber essas inconsistências.
Minha impressão é que David Lowery tentou construir um novo “Prenda-me Se For Capaz” (Catch Me if You Can: 2002). Para não escancarar a cópia, ele ambientou seu drama em personagens idosos. Até aí, a ideia parece genial. O problema é que Lowery não é Steven Spielberg. E suas boas intenções não passaram disso: boas intenções. Sinceramente, há muito tempo não assistia a uma história tão mal escrita como a de “Um Ladrão Com Estilo”.
É verdade que este filme também tem alguns aspectos que precisam ser elogiados. As atuações de Redford, Glover, Waits e Spacek são excelentes (o que torna ainda mais revoltante o péssimo roteiro). A trilha sonora é muito boa. Há momentos em que a fotografia se destaca positivamente (mas, há instantes em que ela atrapalha). Há também ótimas sequências de ação. As filmagens dos assaltos nos bancos são impecáveis. Se você gosta de cinema antigo, repare na homenagem sutil feita pelo diretor à carreira de Redford. No meio da história, assistimos a cenas de antigas produções do ator. Incrível ver este tipo de intertextualidade cinematográfica sendo feita em um filme comercial.
Mesmo com um ou outro ponto positivo, é inegável que a conta final de “Um Ladrão Com Estilo” fique no negativo. Se há algum consolo em ver este filme é saber que assistimos à despedida de um dos grandes atores norte-americanos da segunda metade do século XX. Se Redford nunca foi tecnicamente um exemplo de intérprete (principalmente no início da carreira), ele sempre mascarou suas limitações com muito carisma e uma forte presença na tela. É preciso respeitar alguém que ficou por quase 60 anos em atividade e estrelou clássicos do cinema hollywoodiano.
Veja, a seguir, o trailer de “Um Ladrão com Estilo”:
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