Darico Nobar: Boa noite, galera do Talk Show Literário!
Plateia: Boooooooooooooa noite!
Darico Nobar: A entrevista de hoje é com uma das personagens mais contraditórias, polêmicas e, por que não, engraçadas da literatura brasileira. Vamos receber com aplausos o Capitão Vitorino, a incrível criação de José Lins do Rego.
Vitorino Carneiro da Cunha: Oi, Darico. Oi, pessoal! [Caminha em direção ao centro do palco. Usando roupas rotas, ele puxa por uma cordinha fina um burrinho extremamente magro e velho. A dupla é bastante aplaudida].
Darico Nobar: Capitão, quem é esse seu amigo? [Afaga carinhosamente o focinho do animal].
Vitorino Carneiro da Cunha: É o meu burro, o Sarney. [Senta-se no sofá ao lado do apresentador]. Vim de Pilar até aqui nele. Como não tinha lugar no prédio para deixá-lo, preferi trazê-lo para a entrevista. As ruas do Rio são muito barulhentas. Você não se importa, Darico?
Darico Nobar: Claro que não! Só estou achando o bichinho magro demais. [Continua fazendo carinho no burro]. Também parece muito cansado e envelhecido.
Vitorino Carneiro da Cunha: Não sei o porquê. Capim não falta lá na Paraíba. O Sarney é um bom animal, sabe. A gente se apega ao bichinho e depois não o troca por nada nesse mundo. É verdade que ele é genioso, empaca várias vezes no meio do caminho e já está muito velhinho, mas não o troco por nenhum potro puro sangue. O Coronel José Paulino, inclusive, quis comprá-lo outro dia e eu não aceitei a proposta. O burro já está acostumado comigo, não iria gostar de viver com outro no lombo, ainda mais com o coronel, que tem uma pança gigantesca. [A plateia aplaude o gesto do convidado].
Darico Nobar: Capitão Vitorino, explique-nos esse seu carisma com o povão. Por que você é tão querido por todos?
Vitorino Carneiro da Cunha: Sinhá Adriana, minha esposa, diz que tenho bom coração. Acho que é porque tenho senso de justiça. Comigo o certo é certo e o errado é errado. Também não tenho medo de ninguém. Pode ser delegado, dono de engenho, prefeito, cangaceiro, artista ou mesmo presidente, Vitorino Carneiro da Cunha exige respeito de todos. Não tenho receio de puxar meu punhal e encarar cara feia. Lembre-se que desafiei o Capitão Antônio Silvino, um dos mais temíveis cangaceiros do Nordeste. Além disso, sou o defensor dos pobres e dos oprimidos. Sou o advogado de quem mais precisa.
Darico Nobar: O senhor seria, nesse caso, uma versão brasileira do Zorro? Ou uma mistura de Don Diego de La Vega com o Robin Hood?
Vitorino Carneiro da Cunha: Não gosto dessas comparações. Não existe sujeito mais valente do que eu por aí. Se o Zorro fosse mesmo tão corajoso quanto falam não andava por aí escondendo o rosto atrás de uma máscara. Para mim, isso é coisa de marica. O Robin Hood é um cangaceiro inglês da Idade Média. Não sou bandido para ser comparado a ele. Sou homem direito, honesto!
Darico Nobar: Há também quem o compare a Dom Quixote.
Vitorino Carneiro da Cunha: Um fidalgo combina mais comigo, devo admitir. Mas ele não era meio louco?!
Darico Nobar: E quem não tem um pouco de loucura, hein?! Todos nós temos.
Vitorino Carneiro da Cunha: Você precisa falar isso para a Sinhá Adriana. Ela me considera um amalucado. Às vezes, me trata como uma criança inconsequente. Onde já se viu o herói dos paraibanos ser ridicularizado em sua própria casa pela mulher com quem divide a cama?
Darico Nobar: Mulheres, jamais vamos entendê-las...
Menino: Papa-rabo! Papa-rabo! [Um garotinho se levanta no meio da plateia e interrompe a entrevista com seus xingamentos ao convidado. A imagem é captada pela câmera 3 e o som pelos microfones ambientes. Ele corre pelo auditório provocando Vitorino].
Vitorino Carneiro da Cunha: É a mãe... É a mãe! [Muito nervoso, ele não se aguenta e corre atrás do garoto pelo palco, enquanto o apresentador tenta contê-lo].
Darico Nobar: Calma, capitão! Volte aqui, por favor. Deixe o garoto em paz. Não ligue para ele. É apenas um menino malcriado. Só isso.
Vitorino Carneiro da Cunha: Aonde vou tem um desses moleques impertinentes para me infernizar. Até aqui eles aparecem!
Darico Nobar: Criança é assim mesmo, você não pode levá-las tão a sério.
Vitorino Carneiro da Cunha: Se eu tivesse cortado o pescoço do primeiro que me chamou assim, essa brincadeira boba não teria prosseguido por tanto tempo. Às vezes, acho que ela pode afetar a minha imagem, a minha reputação de herói popular.
Darico Nobar: Por falar nisso, com a publicação de Fogo Morto, sua fama saiu do interior da Paraíba e ganhou o país inteiro. Você se considera hoje em dia uma personagem de reputação nacional?
Vitorino Carneiro da Cunha: Nacional no mínimo. Não há eleição em São Paulo ou no Rio de Janeiro que eu não seja chamado para opinar. Os últimos presidentes eleitos do Brasil contaram com o meu apoio. Ninguém conquista a simpatia do povo se o Vitorino Carneiro da Cunha não der sua chancela. Está para chegar o dia em que um presidente norte-americano só será eleito com meu apoio.
Darico Nobar: Então, você apoiou os ex-presidentes Lula e Dilma em suas eleições?
Vitorino Carneiro da Cunha: Sou contra tudo aquilo que é ligado às oligarquias. Sou correligionário dos movimentos populares e do pensamento mais a esquerda. Nesse sentido, é óbvio que fui a favor dos candidatos petistas nas últimas campanhas presidenciais. O Nordeste foi o lugar onde eles receberam mais votos, não foi? Por quê? Porque lá tinha o Capitão Vitorino trabalhando por eles. Inclusive, falei isso para o Lulinha e para a Dilminha: "Coloquei a faixa presidencial em vocês. Agora, vê se olhem para o povo pobre da Paraíba com mais carinho".
Darico Nobar: E o que eles falaram?
Vitorino Carneiro da Cunha: Concordaram comigo, né? Ninguém é maluco a ponto de desafiar as orientações do Capitão Vitorino.
Darico Nobar: Você se decepcionou com os políticos petistas?
Vitorino Carneiro da Cunha: Não! Eles foram alvos de grandes injustiças e de muitas perseguições políticas. É tudo culpa da elite econômica do eixo Rio-São Paulo, que é formada por gente rica, excludente, preconceituosa e mal-intencionada. Isso vai ficar provado quando os casos judiciais em que estou trabalhando forem concluídos.
Darico Nobar: Não sabia que você era advogado do pessoal do PT. Não vi em nenhum lugar o seu nome nas notícias políticas.
Vitorino Carneiro da Cunha: Não trabalho diretamente nesses casos, no dia a dia. Prefiro assessorar os advogados. Aí, eles vão aos juízes e fazem o que é preciso. Já imaginou a loucura que seria se eu cuidasse dos detalhes de todos os meus clientes?
Darico Nobar: É verdade! Seria uma loucura mesmo.... Capitão Vitorino, há quem diga que o senhor é muito prosa... Fica por aí falando, cantando vantagem, mas no fim das contas não é nada disso o que afirma ser ou fazer. O que você tem a dizer para essas pessoas?
Vitorino Carneiro da Cunha: Para esses caluniosos, peço que falem isso na minha frente. Que me contestem na minha cara. Vitorino Carneiro da Cunha é homem de olhos nos olhos e de falar o que pensa na frente do sujeito. Aí sim, você vai ver meu punhal trabalhar como nunca.
Darico Nobar: Realmente, homem mais destemido que você não existe.
Vitorino Carneiro da Cunha: E nem vai existir.
Outro menino: Papa-rabo! Papa-rabo! [Assim como o garoto anterior, este grita no meio da plateia. Após a ofensa, ele corre em disparada. É possível ouvir sua risada].
Vitorino Carneiro da Cunha: É a mãe.... É a mãe! [Novamente exaltado, ele gesticula impacientemente para seu adversário mirim].
Darico Nobar: Capitão, diga-me: o Seu José Amaro era ou não era um lobisomem?
Vitorino Carneiro da Cunha: Saudades do meu bom e velho compadre! [Por alguns segundos, parece se esquecer do menino que o aporrinhava]. Um homem simples e trabalhador como ele ser confundido com uma besta fera é muito triste. Isso é coisa da boca do povão que não sabe o que fala. Sei disso porque depois que o compadre morreu, o lobisomem continuou aparecendo lá pela Várzea do Paraíba.
Darico Nobar: Nossa! Eu não sabia. O lobisomem continua aparecendo até hoje?
Vitorino Carneiro da Cunha: Não mais. Depois que o encontrei perto do Engenho Santa Fé há algumas décadas, o proibi de circular por ali. Disse para ele com meu punhal enfiado em seu pescoço: "Já tenho problemas de mais por aqui para resolver. Preciso lidar diariamente com políticos corruptos, cangaceiros violentos, senhores de engenho inescrupulosos, policiais autoritários e, principalmente, com a miséria do povo simples. Lobisomem já é de mais, né? Suma daqui se não corto sua garganta!". Aí, ele nunca mais colocou os pés por aquelas bandas.
Darico Nobar: Senhoras e senhores, esse é o grande e único Capitão Vitorino! [A plateia aplaude novamente o convidado com muita empolgação]. Obrigado pela sua presença em nosso programa, capitão. E, galera, não perca o próximo Talk Show Literário. Voltamos na semana que vem no mesmo dia e no mesmo horário. Espero por todos. Boa noite e até lá!
[Os créditos do programa começam a subir na tela. Apresentador e entrevistado permanecem conversando animadamente no palco].
Terceiro menino: Papa-rabo! Papa-rabo! [A voz da criança vem do fundo do auditório].
Vitorino Carneiro da Cunha: É a mãe.... É a mãe! [Dessa vez, ele não aguenta e parte atrás do moleque, deixando o apresentador sozinho no palco. Levando junto o burrinho, o que dificulta ainda mais seu deslocamento entre as pessoas da plateia, o convidado corre obstinadamente atrás da criança. Sua raiva só aumenta com o riso dos presentes e com as novas ofensas do garoto].
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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas duas primeiras temporadas, neste terceiro ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.
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