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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

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Livros: Adeus, Minha Adorada – O segundo romance de Raymond Chandler


O Vilarejo de Raphael Montes

Nesta semana, li “Adeus, Minha Adorada” (L&PM Pocket), uma das obras mais famosas de Raymond Chandler. Chandler foi um dos principais romancistas policiais dos Estados Unidos. Ao lado de Dashiell Hammett, ele foi pioneiro na modernização desse gênero literário nas primeiras décadas do século XX. A dupla de escritores deu novos contornos às tramas criminais. Nascia, assim, para os olhos dos teóricos da literatura, o Romance Negro. Também chamado de Romance Noir ou Romance Brutalista, o Romance Negro é uma categoria de Romance Policial, gênero que está intimamente associado à literatura norte-americana e que é um dos grandes sucessos editoriais da literatura mundial. Para entender suas características e suas particularidades é preciso fazer uma pequena retrospectiva da história desse tipo de narrativa.

O Romance Policial nasceu com Edgar Allan Poe. “Assassinatos na Rua Morgue“ (L&PM Pocket), conto publicado em 1841, teve como protagonista o detetive particular C. Auguste Dupin. Usando-se de sua extraordinária inteligência e de uma habilidade de observação surpreendente, Dupin conseguiu desvendar um crime classificado como insolúvel pela polícia. A partir do herói de Poe, os escritores subsequentes desenvolveram um tipo de narrativa policial clássica: o detetive inteligente e excêntrico que desvenda crimes a partir de um apurado senso de observação, de raciocínio lógico e, por que não, de imaginação acima da média. Conan Doyle (e seu inesquecível Sherlock Holmes), G. K. Chesterton (Padre Brown), Agatha Christie (e o famoso Hercule Poirot), Ruth Rendell (Inspetor Wexford) e Rex Stout (Detetive Nero Wolfe) foram adeptos dessa fórmula narrativa e produziram nos quase 100 anos seguintes romances que emularam a história protagonizada pelo detetive Dupin.

Contudo, na década de 1920, Dashiell Hammett inverteu um pouco essa lógica ao criar a personagem Sam Spade. O detetive não era mais o herói inteligente, ético e isento de perigos. As personagens principais de Hammett, a partir de então, eram homens com graves defeitos de caráter e de comportamento, que ganhavam a vida de maneira quase marginal. As soluções para os casos criminais não vinham mais da inteligência do investigador e sim de sua cara-de-pau e de sua ousadia por meter o nariz onde não era chamado. Como consequência, a vida do detetive particular se transformou em um inferno, com um perigo a cada esquina. De grosso modo, essas são as principais características do Romance Negro, uma variação do Romance Policial Tradicional ou Clássico. Quem tiver interesse em conhecer mais sobre esses conceitos, a coluna Teoria Literária desta temporada apresentará com mais profundidade as particularidades dos Romances Policiais.

Raymond Chandler

Voltando ao tema do post de hoje do Bonas Histórias, Raymond Chandler foi o primeiro adepto da nova linha editorial proposta por Hammett. Entre o final da década de 1930 e o final da década de 1950, Chandler produziu sete romances noir. A maioria dessas tramas teve a atuação do detetive de Los Angeles Philip Marlowe (que em sua essência é muito parecido a Sam Spade). Ao longo de toda a segunda metade do século XX, os novos escritores policiais usaram mais as bases literárias deixadas por Hammett e Chandler do que por Poe, Doyle, Chesterton e Christie. Nos Estados Unidos, por exemplo, temos Patricia Highsmith e, mais recentemente, Andrew Vachss como autores brutalistas. No Brasil, o caso mais famoso é de Rubem Fonseca.

“Adeus, Minha Adorada” foi publicado em 1940, um ano depois de “O Sono Eterno” (Alfaguara), o romance de estreia de Raymond Chandler. O detetive Philip Marlowe já era o protagonista de “O Sono Eterno” e retorna à ação em um novo caso em “Adeus, Minha Adorada”. Essa personagem é considerada uma das mais importantes dos romances criminais norte-americanos, tendo influenciado gerações de detetives particulares da literatura.

A produção de “Adeus, Minha Adorada” foi inspirada em três contos que seu autor já havia publicado na década de 1930: "Try the Girl", "Mandarin's Jade" e "The Man Who Liked Dogs" (nenhum deles com tradução para o português). Ao unir o drama do bandido que procurava a antiga namorada (enredo de "Try the Girl"), o mistério sobre o roubo de uma valiosa joia ("Mandarin's Jade") e o desfecho em um barco-cassino na costa de Santa Mônica ("The Man Who Liked Dogs"), Raymond Chandler costurou tudo em uma narrativa nova e maior. A amarração ficou tão bem-feita que o romance se tornou um dos mais famosos da carreira do escritor norte-americano.

Com o sucesso do livro, “Adeus, Minha Adorada” foi adaptado para o cinema em duas oportunidades, em 1944 e em 1975. O primeiro longa-metragem foi dirigido por Edward Dmytryk e recebeu o mesmo nome do livro aqui no Brasil. Este filme é considerado uma das melhores adaptações cinematográficas dos romances de Raymond Chandler, sendo também apontado como um dos precursores do estilo noir no cinema. Em 1975, o diretor do remake foi Dick Richards e a produção ganhou o título, em nosso país, de “O Último dos Valentões” (Farewell, My Lovely: 1975). Além do cinema, essa história também chegou aos palcos, se tornou programas de rádio e inspirou outros enredos de filmes, como “The Falcon Takes Over” (1942).

Livro Adeus, Minha Adorada

O enredo de “Adeus, Minha Adorada” se passa na região metropolitana de Los Angeles. Philip Marlowe está na frente da Florian´s, uma boate localizada em uma região barra-pesada da capital californiana. O detetive particular procura um barbeiro grego, marido de uma cliente. Após uma séria briga conjugal, a esposa expulsou o esposo de casa. Agora arrependida, ela o quer de volta. Para achá-lo, contratou Marlowe. Enquanto procura o barbeiro, o protagonista do romance é empurrado para dentro do Florian´s por um sujeito grandalhão e um tanto atabalhoado. O desconhecido, saberíamos mais tarde, é Búfalo Malloy, um cara com quase dois metros de altura e com aproximadamente 100 quilos.

Malloy saiu recentemente da prisão, onde cumpriu pena de oito anos por um roubo a banco. Novamente livre, ele quer encontrar Velma, sua antiga namorada. A moça ruiva trabalhava no Florian´s quando ele foi preso. Ainda apaixonado por ela, o rapaz quer saber o paradeiro de Velma a qualquer custo. Armado, Búfalo Malloy briga com o proprietário da boate, que não sabe onde Velma está. O resultado da briga é o corpo inerte e cheio de sangue do dono do estabelecimento no chão e Malloy fugindo da cena do crime. Para Philip Marlowe, que teve a infelicidade de presenciar o assassinato, coube a burocracia de ir à delegacia de polícia como testemunha.

O investigador responsável pelo assassinato no Florian´s é Nutty, um policial de Los Angeles preguiçoso que não gosta de sair de sua sala e parece estar sempre dormindo. Ao descobrir que a principal testemunha do caso é um detetive particular, Nutty incentiva Marlowe a investigar por conta própria o episódio. De má vontade, ele aceita. Apesar de não lucrar nada com isso a curto prazo, Philip Marlowe recebe a promessa do investigador que receberá sua ajuda sempre que precisar. Para um detetive particular, é sempre bom ter as portas abertas de uma delegacia próxima.

A primeira pista que Marlowe encontra é o endereço da viúva de Florian, o antigo dono e fundador da boate em que o crime aconteceu. Para achar Búfalo Malloy, Philip Marlowe entende que precisará achar antes a tal Velma. Por isso, vai até a casa da Sra. Florian para saber do paradeiro da ex-namorada do assassino. Lá, ele consegue uma foto antiga da moça e alguns detalhes sobre o histórico de Malloy e Velma.

Livro Adeus, Minha Adorada

Algumas noites mais tarde, Philip Marlowe é contratado para acompanhar Lindsay Marriott, um ricaço, em uma negociação perigosa com ladrões de joias. Marriott tem que levar US$ 8 mil para a quadrilha em um local ermo na região montanhosa fora da cidade. Só assim receberá de volta um colar de jade avaliado em US$ 80 mil que sua amante teve roubado. Com medo de ir sozinho, o ricaço contratou Marlowe. Na hora do encontro com os bandidos, a dupla é atacada. O detetive fica desacordado no chão e Lindsay Marriott é assassinado. Não é preciso dizer que os bandidos levaram o dinheiro todo e não devolveram a joia.

Mais uma vez, Marlowe é levado à delegacia para prestar depoimento sobre um assassinato. Agora, o responsável pela investigação do novo crime é o detetive tenente Randall. Diferentemente de Nutty, Randall pede para Philip Marlowe ficar longe dessa investigação. Entretanto, o detetive particular não aceita a sugestão do policial e passa a investigar por conta própria mais esse crime. Para tal, ele conta com a ajuda de Anne Riordan, a moça que o encontrou desacordado nas montanhas de Los Angeles na noite do assassinato de Lindsay Marriott.

Assim, Philip Marlowe passa a averiguar os dois assassinatos (se esquecendo do caso da mulher do barbeiro grego). À medida que as investigações vão avançando, o detetive particular descobre que há uma intrínseca relação entre o caso de Búfalo Malloy e de Lindsay Marriott. Quanto mais perto Marlowe chegar da solução dos crimes, mais sua vida correrá perigo. Tanto os policiais quanto os bandidos de Los Angeles vão querer tirá-lo da jogada. Se o detetive particular não fosse tão teimoso e obstinado, na certa teria desistido logo no início da empreitada.

“Adeus, Minha Adorada” tem pouco mais de 280 páginas (na versão pocket). Concluí esta leitura em três noites. O romance é interessante principalmente para se ver o perfil do detetive Philip Marlowe, uma das grandes figuras da literatura policial norte-americana, e as características narrativas de uma das primeiras publicações noir. Só por esses dois aspectos, o livro de Raymond Chandler já valeria a pena. Trata-se de uma obra realmente muito original. Os fãs das narrativas criminais na certa vão se emocionar ao ler uma obra marcante desse gênero.

Livro Adeus, Minha Adorada

No caso do protagonista, é hilário o contraste de sua personalidade com as dos detetives das tramas policiais clássicas. Marlowe trabalhou muitos anos na Promotoria Pública de Los Angeles, antes de ser demitido. Só então decidiu virar um detetive particular suburbano. Ele é alcoólatra, divertido, durão, cara de pau, solitário e está sempre metendo o nariz onde não é chamado. Por isso, está sempre apanhando dos inimigos. Com aproximadamente 1,90 metros de altura e pesando mais de 90 quilos, ele tem uma beleza que atrai as mulheres. Obviamente, Philip Marlowe não pensa duas vezes antes de levá-las para a cama. Porém, ele está sempre sem dinheiro. Como consequência, está sempre disposto a correr riscos e entrar em casos complicados por algumas dezenas de dólares.

A ambientação dos romances de Chandler é marcada por cenários violentos, sombrios e perigosos e personagens marginalizadas, corruptas e desesperadas. Esqueça o glamour e o luxo das histórias de Ian Fleming. Nos romances noir, os crimes ocorrem em locais pobres, escuros e sujos. Esses ambientes com drogas, muito álcool, prostituição, trambiques, assaltos e violência fazem parte da rotina diária que os detetives particulares e os policiais precisam conviver. Ler “Adeus, Minha Adorada” (e Raymond Chandler de maneira geral) é adentrar no submundo da criminalidade de Los Angeles.

Gostei também do desfecho do romance, do texto bem-humorado e da intertextualidade literária presente no material. Além de ser surpreendente, as peças deixadas soltas durante toda a trama se encaixam perfeitamente em seu desenlace, produzindo um efeito interessante à narrativa. A história é contada em primeira pessoa pelo próprio Philip Marlowe. E o detetive é uma personagem divertidíssima. Seu jeito desbocado e encrenqueiro é traduzido em um texto leve e bastante descontraído. É possível dar boas risadas enquanto assistimos à personagem principal enchendo a cara (ele bebe desde que acorda), apanhando o tempo inteiro e entrando em locais em que ele não foi chamado. Por fim, temos várias referências a outras tramas literárias. Durante a narrativa de “Adeus, Minha Adorada” nos deparamos com citações a personagens e histórias de William Shakespeare, Conan Doyle e Ernest Hemingway, por exemplo. Essa intertextualidade deixa o romance ainda mais rico e divertido.

Por outro lado, se formos analisar este livro exclusivamente pela perspectiva de sua trama e de seu conflito, ele fica devendo um pouco, principalmente quando comparado às tramas atuais desse gênero. Isso é normal. Os romances noir evoluíram ao longo das décadas e é natural que seus novos exemplares tenham trazido mais dinâmica e ação às histórias. Por isso, quando lemos “Adeus, Minha Adorada” do ponto de vista atual, sua narrativa parece um tanto bobinha.

Raymond Chandler

Há também várias passagens problemáticas em sua trama. Há cenas totalmente inverossímeis (como a conversa de Marlowe com Ruivo no barco, em Bay City), tacadas certeiras de mais para uma investigação tão complexa (o protagonista chega facilmente à solução do caso), muitas coincidências (os dois casos que o detetive trabalha se cruzam) e algumas respostas não são dadas (por que a personagem principal que precisava tanto de dinheiro não se preocupou em descobrir o paradeiro do barbeiro grego, seu primeiro caso, que lhe renderia um dinheiro aparentemente fácil?).

Na verdade, “Adeus, Minha Adorada” é um livro fraquinho até mesmo se analisarmos o portfólio literário de Raymond Chandler. A impressão que se tem é que o autor remendou algumas histórias em uma trama só (e foi exatamente isso o que ele fez). “O Sono Eterno” e “O Longo Adeus” (Alfaguara) são, por exemplo, livros muito melhores do ponto de vista narrativo. Entretanto, até mesmo quando derrapa feio, Chandler e seu detetive Marlowe conseguem encantar seu público. Esse é o poder das narrativas e das personagens carismáticas.

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