É impossível falar de literatura infantojuvenil no Brasil sem citar a coleção Vaga-Lume. A série da Editora Ática foi lançada em 1973 e de lá para cá teve aproximadamente uma centena de títulos publicados. Não é errado afirmar que essas obras embalaram a infância de milhões de jovens leitores brasileiros nas últimas quatro décadas. E um dos livros mais famosos da Vaga-Lume foi “A Turma da Rua Quinze” (Ática), o romance policial de Marçal Aquino. Li esta publicação pela primeira vez quando era criança/adolescente e ela jamais saiu de minha memória. Ainda me recordo das aventuras do grupo de meninos que investiga o desaparecimento de um coleguinha e as movimentações suspeitas em uma casa da vizinhança. Para os mais empolgados, esta obra de Aquino é a melhor história da série Vaga-Lume. Para os mais céticos, ela é uma das melhores. Sabendo da qualidade indiscutível deste título, resolvi relê-lo mais uma vez neste final de semana. Minha curiosidade agora era para saber se “A Turma da Rua Quinze” se mantém ainda hoje tão interessante quanto era na época do seu lançamento (e/ou quando o li na minha infância/adolescência).
Publicado pela primeira vez em 1989, a “Turma da Rua Quinze” integra ao lado de “A Ilha Perdida” (Ática), de Maria José Dupré, “Açúcar Amargo” (Ática), de Luiz Puntel, “O Escaravelho do Diabo” (Ática), de Lúcia Machado de Almeida, “Deu a Louca no Tempo”, de Marcelo Duarte, e “O Mistério do Cinco Estrelas” (Ática), de Marcos Rey, a seleta lista dos livros mais vendidos da série Vaga-Lume. Cada uma dessas obras alcançou a marca de sete dígitos em exemplares comercializados ao longo dos anos. Para conferir a popularidade desses títulos, basta dar uma olhadinha rápida no portfólio de qualquer biblioteca pública ou particular do nosso país. Na certa, essas obras fazem parte do acervo bibliográfico. Eu consegui um exemplar de “A Turma da Rua Quinze” na estante da biblioteca da casa dos meus pais em São Paulo. Sem sombra de dúvida, o livro é o mesmo que li na primeira metade da década de 1990.
Curiosamente, “A Turma da Rua Quinze” representou a estreia de Marçal Aquino, escritor, jornalista e roteirista de cinema nascido em Amparo, no interior de São Paulo, na literatura infantojuvenil. Hoje, este primeiro livro de Aquino é considerado um clássico em seu gênero, estando no patamar, por exemplo, de “O Gênio do Crime” (Global), romance de João Carlos Marinho Silva. “Turma da Rua Quinze” é um thriller policial que apresenta uma ótima narrativa e tem a capacidade de atiçar a leitura dos jovens leitores. A obra tem tudo o que um bom romance policial pede: suspense, ação, perigo, reviravoltas, intrigas, investigação e paixonites. E o melhor: esses elementos são adaptados para a realidade e para o universo infantil. Não à toa, transformou-se em uma obra-prima da literatura infantojuvenil brasileira.
O sucesso de crítica e de público deste livro incentivou Marçal Aquino a prosseguir na produção de tramas para as crianças e para os adolescentes durante quase toda a década de 1990. “O Mistério da Cidade-Fantasma” (Ática), de 1994, “O Primeiro Amor e Outros Perigos” (Ática), de 1996, e “O Jogo do Camaleão” (Ática), de 1997, são outros títulos do autor que integraram a coleção Vaga-Lume. O escritor paulista também participou da Coleção Sete Faces, uma série infantojuvenil lançada na mesma época pela editora Veredas. A partir de 1998, Marçal Aquino mudou o foco do seu trabalho literário e passou a priorizar a literatura adulta. Em 2000, “Amor e Outros Objetos Pontiagudos” (Geração Editorial) conquistou o Prêmio Jabuti na categoria Contos & Crônicas. Dois anos mais tarde, “O Invasor” (Má Companhia) foi lançado quase que simultaneamente nos cinemas (como longa-metragem roteirizado por Aquino) e nas livrarias (na versão romance). Esse livro é uma das histórias mais conhecidas do autor paulista até hoje. O maior sucesso de Marçal Aquino viria em 2005 com “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios” (Companhia das Letras). Esta é sua obra-prima na literatura adulta e o meu livro favorito de Marçal Aquino (como deixei bem claro em um post do Bonas Histórias no final do ano passado).
A trama da “A Turma da Rua Quinze” se passa em julho de 1969. Enquanto o mundo acompanha com empolgação a chegada dos astronautas norte-americanos à Lua, a garotada da Rua Quinze está curiosa para saber o que aconteceu com Marcão. O irmão mais velho de Serginho desapareceu repentinamente de casa sem avisar ninguém. Os pais do garoto estão desesperados por notícias do filho. Depois de relatar o caso à delegacia mais próxima, a família de Marcão precisa esperar o desenrolar da investigação policial, algo que demorará alguns dias, semanas ou, quem sabe, meses. Os amigos da Rua Quinze resolvem, então, intervir. Pedro, Ricardo “Tigre”, André, Renato e Serginho, meninos que integram um pequeno clube local, decidem investigar por conta própria o desaparecimento do colega e vizinho. Eles terão a ajuda de Napoleão, o esperto cachorrinho de Tigre, e de Bia, uma bonita menina que se mudou recentemente para o bairro, nessa complicada missão.
Enquanto procuram por Marcão, os amigos notam uma movimentação suspeita em uma casa da região. O morador é um homem com uma enorme cicatriz no rosto. Obviamente, o rapaz recebe o apelido de Cicatriz. Ele alugou há pouco tempo o imóvel. O que intriga mais a garotada é as visitas noturnas àquela residência. Sujeitos mal-encarados e com atitudes misteriosas entram e saem da casa de Cicatriz na calada da noite. Para saber o que se passa ali, Pedro, Tigre, André, Serginho e Renato optam por invadir clandestinamente a residência do estranho morador do bairro. Sem saber, os meninos estão entrando em uma fria danada. O desfecho da investigação da garotada colocará o grupo em perigos incalculáveis.
Como é típico dos romances infantojuvenis, “A Turma da Rua Quinze” é um livro curtinho. Ele possui pouco mais de 100 páginas. Um adulto consegue ler esta obra em algumas horas. Eu, por exemplo, concluí esta leitura em aproximadamente duas horas e meia no último sábado. Obviamente, uma criança ou um adolescente deve demorar quatro ou cinco vezes mais. Entretanto, independentemente da idade do leitor, o que é consensual é a qualidade desta narrativa. Marçal Aquino está ao lado de Maria José Dupré, Monteiro Lobato, João Carlos Marinho Silva e Marcos Rey na lista de escritores nacionais que escrevem com exímia excelência para o público mirim. Afinal, não é porque uma trama é direcionada às crianças e aos adolescentes que ela precisa ser de menor qualidade ou simplista.
O primeiro mérito de “A Turma da Rua Quinze” está justamente em sua narrativa. Como romance policial, o livro de Marçal Aquino é ótimo. A história apresenta um intrincado suspense que empolga o leitor desde as primeiras páginas. Há também boas doses de ação, humor e reviravolta ao longo dos capítulos. O clímax reserva uma ótima cena em que a garotada estará diante de perigosos e sanguinários bandidos. Esses elementos todos são apresentados a partir do universo infantil. Nesta trama, temos os primeiros amores, a paquera de meninos e meninas, a importância do clubinho e dos jogos de futebol, a sensação de liberdade ao caminhar sozinho pelas ruas do bairro, a valorização da amizade e o espírito de aventura típico das crianças.
Não é errado dizer que “A Turma da Rua Quinze” não subestima a inteligência dos jovens leitores em nenhum momento. Marçal Aquino constrói uma história sólida, divertida e emocionante. Como narrativa, temos um romance impecável. Apesar de se utilizar de matérias-primas literárias simples (narrador observador colado aos meninos, clímax acontece quando a garotada consegue entrar na casa de Cicatriz, discurso indireto livre, cenas com muitas ações, ritmo veloz e desenlace surpreendente), o escritor paulista entrega uma trama extremamente bem costurada. Impossível não gostar desta história.
Em suma, duas décadas e meia depois da minha primeira leitura, “A Turma da Rua Quinze” continua tão encantador quanto antes. Apesar de lembrar de algumas passagens, a maior parte dos acontecimentos do livro eu não me recordava. Tão importante quanto a manutenção dessa experiência de leitura é a atemporalidade de sua trama. A obra de Marçal Aquino é ainda hoje uma ótima opção de leitura para as crianças contemporâneas. Se você reclama que seu filho ou sua filha não lê muito, tente incentivar algo que atice a imaginação e a curiosidade deles. Neste sentido, “A Turma da Rua Quinze” é um romance impecável. O bom é que ele é tão interessante que você mesmo poderá se pegar devorando as páginas da publicação.
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