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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

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Filmes: Trinity é o Meu Nome - O clássico de Terence Hill e Bud Spencer


O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick: 2019) de Rémi Bezançon

Há cinquenta anos, estreava nos cinemas italianos “Trinity é o Meu Nome” (Lo Chiamavano Trinità: 1970), um Western Spaghetti que misturava bang bang com doses generosas de comédia. O resultado é um clássico da sétima arte e do humor audiovisual. Contudo, aos olhos dos cinéfilos de hoje, este filme tem uma particularidade especial: “Trinity é o Meu Nome” marcou o início da trajetória internacional de uma das duplas de atores de maior sucesso do cinema italiano. Estou falando, obviamente, da parceria de Terence Hill com Bud Spencer. Os dois atores protagonizaram juntos mais de duas dezenas de filmes entre a década de 1960 e a década de 1990. Assim, tornaram-se figuras populares no universo cinematográfico europeu e, por que não, mundial.


Para quem ainda não identificou Terence Hill e Bud Spencer pelos seus nomes, basta dizer que eles eram “aquela dupla do magro loirinho (e falante) e do gordo barbudo (e caladão) que vivia se metendo em confusões que acabavam invariavelmente em brigas de bar homéricas”. Impossível alguém ter acompanhado o cinema comercial naquela época e não se lembrar destas figuras. Com a fama adquirida, Hill e Spencer deixaram as comédias de Western Spaghetti para trás e embarcaram em outras produções cômicas (sempre com muita ação e pancadaria, suas marcas). Eles interpretaram incontáveis papéis nas telas: policiais rodoviários, caminhoneiros, músicos, dublês, ex-presidiários, trabalhadores braçais, oficiais da Marinha, pistoleiros e criminosos comuns. Independentemente do roteiro (que seguia a moldura narrativa do grandão calado e sério e do pequenino extrovertido e arruaceiro, que juntos eram imbatíveis na briga), os dois italianos sempre estavam lado a lado em cena para a alegria dos fãs espalhados pelos quatro cantos do planeta.


Terence Hill, que para mim sempre pareceu a versão italiana de Paul Newman, teve uma carreira mais longa, variada e bem-sucedida na televisão e no cinema italiano. Além de ator, ele foi diretor, roteirista e produtor. Suas atuações mais famosas foram obviamente ao lado de Bud Spencer em comédias do tipo pastelão. Porém, Hill participou de produções sérias e renomadas. Os melhores exemplos são “O Leopardo” (Il Gattopardo: 1963), quando interpretou o papel do Conde Cavriaghi, e “Viva Django!” (Preparati la Bara!: 1968), quando protagonizou Django. Sem dúvida nenhuma, como ator, ele foi muito mais completo e versátil do que seu grande parceiro. Prova disso, é que em determinado momento da carreira, Terence Hill se tornou um dos artistas italianos mais bem pagos do cinema e da TV.


Já Bud Spencer ficou mais preso ao estereótipo de sua personagem cômica (o do tipo gordão, forte, bom de briga, calado e mal humorado). Dez anos mais velho do que Hill e falecido em junho de 2016, Spencer foi atleta de destaque em sua juventude. Além de ter participado de duas edições dos Jogos Olímpicos (em 1952 e 1956), foi campeão italiano de natação sete vezes consecutiva (de 1949 a 1956) e campeão europeu de polo aquático (em 1955). Ele estreou no cinema fazendo uma ponta na comédia “Quel Fantasma Di Mio Marito” (1950), quando ainda se apresentava com o nome verdadeiro (Carlo Pedersoli). Somente na segunda metade da década de 1960 e já com o nome artístico que ficaria internacionalmente conhecido, Bud Spencer passou a acumular mais e melhores papéis no cinema. A fama viria no instante em que achou o parceiro ideal de cena. Foi ao lado de Terence Hill que Spencer alcançaria o auge como ator.

Filme Trinity é o Meu Nome

A criação desta dupla inesquecível do cinema é obra do diretor Giuseppe Colizzi. Na segunda metade dos anos 1960, ele juntou o já experiente Terence Hill e o novato Bud Spencer para protagonizarem três filmes na sequência: “Deus Perdoa... Eu Não” (Dio Perdona... Io No!: 1967), “Os Quatro da Ave Maria” (I Quattro Dell'Ave Maria: 1968) e “A Colina dos Homens Maus” (La Collina Degli Stivali: 1969). Repare, portanto, que os dois atores já se conheciam e já tinham atuado juntos antes de “Trinity é o Meu Nome”. Todavia, foi a partir do longa-metragem de 1970 que a dupla se tornaria internacionalmente conhecida.


Dirigido e roteirizado por Enzo Barboni, que naquele momento ainda era um novato na direção e usava o pseudônimo de E. B. Clucher, e produzido por Italo Zingarelli, “Trinity é o Meu Nome” foi lançado na Itália entre dezembro de 1970 e janeiro de 1971. Sucesso imediato nas salas de cinema do país, o longa-metragem alcançou a vice-liderança em faturamento daquela temporada. Foram quase nove milhões de espectadores (uma marca considerável já que estamos falando dos anos 1970, quando a Itália tinha pouco mais de 50 milhões de habitantes). A ótima bilheteria se repetiu no exterior. Exibido a partir da segunda metade de 1971 em vários países europeus e nos Estados Unidos, esta comédia figurou na lista das produções mais populares na Espanha, na Alemanha e no Reino Unido.


De certa forma, “Trinity é o Meu Nome” revitalizou o gênero do Western Spaghetti, que viveu seu apogeu nas duas décadas anteriores. A explicação para esse fenômeno está no carisma absurdo de seus protagonistas e no tipo de humor praticado, que lembra muito o do cinema mudo. Não é errado pensarmos em Terence Hill e Bud Spencer como a versão moderna e italiana de Laurel & Hardy - Stan Laurel e Oliver Hardy, a famosa dupla “O Gordo e o Magro”.


Além dos icônicos Terence Hill e Bud Spencer, participaram de “Trinity é o Meu Nome” os experientes Steffen Zacharias (figura constante nos filmes da dupla de protagonistas), Dan Sturkie e Farley Granger e os então novatos Ezio Marano, Gisela Hahn e Elena Pedemonte. A trilha sonora do filme, um dos componentes centrais de qualquer bom faroeste, ficou a cargo de Franco Micalizzi (este foi justamente seu primeiro grande sucesso). Para quem se pergunta quem foi Franco Micalizzi, basta dizer que ele foi autor das músicas de “Italia a Mano Armata” (1976), reverenciada em “Django Livre” (Django Unchained: 2012) por Quentin Tarantino.


O êxito de “Trinity é o Meu Nome” incentivou Enzo Barboni a lançar, já no ano seguinte, a continuação de sua trama. “Trinity Ainda é o Meu Nome” (Continuavano a Chiamarlo Trinità: 1971) contou com a mesma dupla de protagonistas. O êxito da nova empreitada foi ainda maior. Na Itália, a segunda parte da série cinematográfica alcançou 14,5 milhões de espectadores. Nos Estados Unidos, Canadá e Europa, a nova comédia também arrecadou mais do que a versão original.

Filme Trinity é o Meu Nome

Apesar do sucesso de sua continuação, voltemos a tratar de “Trinity é o Meu Nome” (também conhecido no Brasil pelo título “Chamam-me Trinity”), o assunto do post de hoje da coluna Cinema do Bonas Histórias. O enredo deste longa-metragem se passa no Velho Oeste norte-americano. Trinity (interpretado por Terence Hill) é um pistoleiro extremamente folgado (do tipo vagabundo profissional) que fica perambulando como um pé-rapado por aí. Como resultado de seu estilo de vida livre e descompromissado, ele sempre se mete em grandes confusões. Depois de atravessar o deserto, Trinity chega a um pacato povoado perto da divisa com o México. Para sua surpresa, seu irmão mais velho, Bambino (Bud Spencer), é o xerife do lugar.


Bambino explica ao recém-chegado como se transformou de líder de um grupo de ladrões perigosos a responsável pela segurança pública. Após matar, ainda na costa leste, o verdadeiro xerife que seria enviado para aquele povoado isolado e longínquo, Bambino roubou a identidade da vítima e apareceu como a nova autoridade do lugar. Agora, ele quer manter o disfarce até seus companheiros de crime conseguirem fugir da prisão e atravessarem o deserto. Uma vez reconstituído seu bando, Bambino pretende roubar os cavalos puro-sangue do Major Harriman (Farley Granger), um dos mais ricos proprietários da redondeza.


Justamente quando Trinity chega ali, os habitantes daquele povoado vivem um clima bélico crescente. A instalação de um grupo de mórmons, liderado pelo pacífico e bondoso Tobias (Dan Sturkie), contraria os interesses do ambicioso Major Harriman, que quer todas as terras para si. Para piorar, um grupo de vândalos mexicanos insiste em barbarizar e em praticar frequentes roubos na região. Por mais que Bambino tente contemporizar a situação, Trinity, que não suporta injustiças e está encantado com a beleza das mórmons Sarah (Gisela Hahn) e Giuditta (Elena Pedemonte), decide intervir. Ele passa a peitar tanto o Major quanto o bando de bandidos mexicanos em favor dos religiosos.


Bambino, que só tem um auxiliar na delegacia, o velho e covarde Jonathan (Steffen Zacharias), se vê acuado por inimigos mais perigosos e mais numerosos. Sem opção, o xerife irá ficar ao lado do irmão mais novo e dos mórmons nesta disputa por terras e pelas riquezas do Velho Oeste norte-americano. Por consequência, muitas brigas, duelos, intrigas e tiroteios esperam pela dupla Trinity e Bambino. Os irmãos, que não se suportam, não podem se separar se quiserem sobreviver em um ambiente tão hostil.


Com quase duas horas de duração, “Trinity é o Meu Nome” é um filme delicioso. Não é errado enxergá-lo como uma sátira aos faroestes clássicos e ao Western Spaghetti. O mais interessante está no humor praticado. Ora o longa-metragem de Enzo Barboni apela para a comicidade do tipo pastelão, ora aborda o humor mais sutil e inteligente. O roteiro da trama caminha o tempo inteiro nessa linha tênue entre o lado popular/escrachado e o refinado. A graça da história está em diferentes aspectos: nas roupas, nos diálogos, nos movimentos de luta, no jeito de cavalgar, nos olhares, nos tipos retratados e nas situações vivenciadas pelos protagonistas.

Terence Hill

Outro elemento que precisa ser elogiado é a construção das personagens. Os protagonistas de “Trinity é o Meu Nome” são figuras redondas. Trinity e Bambino estão mais para anti-heróis do que para heróis tradicionais do cinema. Vale lembrar que Bambino matou o xerife e que está naquele povoado como autoridade policial porque almeja praticar novos crimes (enquanto seus velhos companheiros de gangue não chegam). E ele não parece nem um pouco preocupado com as injustiças cometidas contra os desfavorecidos da região. Já Trinity é o típico vagabundo encrenqueiro que gosta de uma boa briga. E ele só aceita defender os mórmons quando fica interessado em duas jovens beldades da comunidade religiosa. Curiosamente, nem mesmo o fato de serem mais bandidos do que policiais tira o carisma dos protagonistas do filme.


Por falar nas personalidades de Trinity e Bambino, repare que parte da graça desta produção está justamente no contraste das características físicas e psicológicas dos irmãos. Um parece ser o contraponto do outro: gordo-magro, bonito-feio, alto-baixo, extrovertido-introvertido, sério-brincalhão, responsável-irresponsável, inteligente-burro, impulsivo-contido, ambicioso-abnegado e forte-fraco. Essa dicotomia é fascinante em “Trinity é o Meu Nome”. A única coisa que os dois protagonistas parecem ter em comum é a rapidez em sacar a arma, a precisão no disparo e o gosto por encarar uma boa briga, além da habilidade de não dispensarem as confusões. Esse aspecto foi tão marcante que as características principais de Trinity e Bambino se estenderam mais tarde para quase todos os personagens da dupla.


Outra questão que precisa ser mencionada é a trilha sonora belíssima de Franco Micalizzi. Minha sensação é que este filme é daqueles que são feitos para serem vistos e ouvidos. E a força da trilha não fica restrita à canção principal, por melhor que ela seja. Gostei também dos efeitos sonoros. Note a riqueza de elementos auditivos de “Trinity é o Meu Nome”.


De maneira geral, o enredo desta comédia foi muitíssimo bem construído por Barboni. A impressão que tive é que não há nenhuma ponta solta ao longo de toda a narrativa. Além disso, a mescla de cenas de ação, de cenas cômicas e de cenas dramáticas beira a perfeição. Isso fica evidente no ritmo ágil do filme, que voa diante dos nossos olhos. Quando reparamos, ele já terminou. Vale lembrar que há cinquenta anos, era difícil encontrarmos produções de ação com esse tipo de pegada e velocidade (que lembra os filmes atuais).

Bud Spencer

Juntamente com o roteiro impecável, temos uma ótima fotografia e uma excelente direção. Em outras palavras, “Trinity é o Meu Nome” não é apenas uma bela história, mas foi muito bem filmado. Não há toa, a sensação é de estarmos acompanhando uma produção hollywoodiana da década de 1970 (confusão que muitos espectadores fazem até hoje). A qualidade visual do filme italiano fica mais evidente nas cenas de brigas, geralmente protagonizadas por várias personagens ao mesmo tempo e em pequenos ambientes. Nunca foi fácil rodar esse tipo de situação, ainda mais há 50 anos. E o longa de Enzo Barboni dá um show de verossimilhança. O carisma imitado e a atuação impecável da dupla Bud Spencer e Terence Hill também ajudam a tornar tudo mais fácil e divertido.


O principal ponto negativo quanto ao enredo está no desfecho da trama (cuidado, aí vai o spoiler!). Trinity e Bambino conseguem vencer os inimigos usando a inteligência e a esperteza. Sem dar um tiro nem dar um soco, a dupla consegue prender os vários inimigos na batalha final. Contudo, como eles são Bud Spencer e Terence Hill, eles soltam os adversários e promovem uma grande briga. Só mesmo os fãs de pancadaria sem limites da dupla engolem algo assim. Hilário!


Outro elemento questionável é o da estereotipação de alguns tipos sociais: mulheres, indígenas, mexicanos e religiosos, por exemplo. Como um tradicional filme de humor dos anos 1970, não há qualquer preocupação com o politicamente correto. Assim, várias personagens são pintadas com tintas preconceituosas, o que pode desagradar parte do público contemporâneo. Por isso, não podemos perder o contexto no qual esta produção foi desenhada.


Veja o trailer original (em italiano) de “Trinity é o Meu Nome”:

E ouça agora na íntegra a canção principal do filme:

Incrível! Cinco décadas depois, “Trinity é o Meu Nome” continua engraçado, emocionante e cativante. Se aos olhos dos espectadores atuais este filme não é perfeito, ao menos ele mantém grande parte dos méritos que maravilhou as plateias de cinema de outrora. Neste período em que as salas de cinema ainda não apresentam lançamentos empolgantes, vale a pena mergulhar nos clássicos da comédia internacional. Bud Spencer e Terence Hill são inesquecíveis e atemporais. A vontade que tenho é de assistir a todos as suas produções.


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