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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Teoria Literária: Elementos da Narrativa - 6 - Realidade Ficcional


Elementos da Narrativa: Realidade Ficcional

Hoje, na coluna Teoria Literária, vamos discutir o conceito de Realidade Ficcional, o sexto elemento da narrativa (BONACORCI, 2018). Vale lembrar que o Bonas Histórias já apresentou os cincos primeiros componentes que um analista literário deve estudar em uma prosa ficcional: Enredo, Personagem, Espaço Narrativo, Tempo Narrativo e Ambientação. Ao longo do segundo semestre de 2019, os demais elementos, Narrador, Linguagem, Discurso, Textualidade e Tipologia, serão expostos em detalhes aqui no blog.

A identificação do tipo de realidade construída pelo autor em sua obra é uma das tarefas do analista literário quando este investiga em profundidade determinada narrativa. Afinal de contas, a Realidade Ficcional é o universo próprio da literatura, chamada de mimese (ou mimèsis) por Aristóteles em Poética e por Platão em A República. A realidade na ficção pode ser parecida ou diferente da que encontramos no mundo físico, entretanto jamais será igual (MOISÉS, 2014, p. 42). Antoine Compagnon compartilha dessa ideia:

A mimèsis não tem, pois, nada mais de uma cópia (do mundo real). [...] Os leitores são colocados dentro do mundo da ficção e, enquanto dura o jogo, consideram esse mundo verdadeiro, até o momento em que o herói começa a desenhar círculos quadrados, o que rompe o contrato de leitura, a famosa 'suspensão voluntária da incredubilidade' (2014, p. 130-133).

Teoria Literária: Elementos da Narrativa - Enredo

Há três tipos de Realidades Ficcionais possíveis para uma narrativa literária: a Realista, a Geofictícia e a Fantástica. Na Realidade Realista, o universo da prosa é idêntico ao do mundo físico do leitor. Todas as leis naturais do plano externo à literatura (a física, a química, a biologia, a geografia, por exemplo) são respeitadas no interior da prosa ficcional. A proposta do autor é imitar fielmente a realidade fora da ficção, inserindo, portanto, sua trama no contexto do mundo real do leitor (MOISÉS, 2014, p. 118).

Vida e Morte Severina, narrativa poética de João Cabral de Melo Neto, é do tipo Realista, pois sua trama se passa no Nordeste brasileiro, um lugar real e que existe de fato. Gabriela, Cravo e Canela, romance de Jorge Amado, se passa na cidade de Ilhéus durante a década de 1920. Nessas duas obras, seus autores esforçaram-se para emular fielmente a vida real, recriando a realidade dos lugares e dos períodos de tempo narrados.

Ao trabalhar com um enredo ancorado na Realidade Realista, o autor ficcional deve procurar construir em sua narrativa algo que os teóricos da literatura chamam de verossimilhança. Verossimilhança é a capacidade de uma história parecer real aos olhos dos leitores. Não basta uma trama ter sido desenvolvida sob os pilares das leis naturais do mundo externo à literatura, ela precisa parecer real aos olhos de quem a lê. Luigi Pirandello, escritor italiano do século XIX, disse certa vez:

(...) A vida, por todos os seus descarados absurdos, grandes e pequenos, dos quais está tranquilamente repleta, tem o inestimável privilégio de poder prescindir daquela estúpida verossimilhança, à qual a arte se crê obrigada a obedecer.

Os absurdos da vida não precisam parecer verossímeis porque são verdadeiros. Ao contrário dos da arte que, para parecerem verdadeiros, precisam ser verossímeis. E sendo verossímeis, deixam de ser absurdos.

Um acontecimento da vida pode ser absurdo; uma obra de arte, se é obra de arte, não.

De onde se deduz que tachar uma obra de arte de absurda e inverossímil, em nome da vida, é tolice.

Em nome da arte, sim; em nome da vida, não (2010, 292).

Já na Realidade Geofictícia, o autor cria um lugar particular onde sua história acontecerá. Essa localidade é totalmente desvinculada da realidade física do leitor. A invenção pode ser de um bairro, de uma cidade, de um país ou até mesmo de um planeta inteiro. Essa criação também pode incluir mapas, geografia, história, fauna, flora e personagens típicos desse local.

Assim como ocorre na Realidade Realista, a Realidade Geofictícia respeita integralmente ou quase totalmente às leis naturais. Assim, o que diferencia este tipo de realidade do anterior é a inexistência de um local exato no mundo real que faça paralelo ao lugar da ficção.

Sob a Redoma, romance de Stephen King, se passa na cidade de Chester's Mill, no estado do Maine. Essa cidade não existe na realidade. Porém, isso não é desculpa para ela não ter um mapa e uma geografia própria, apresentadas no início do livro pelo autor norte-americano. O mesmo expediente foi utilizado por Juan Carlos Onetti. Considerado um dos principais escritores da língua espanhola do século XX, Onetti criou uma cidade fictícia chamada de Santa María, onde ambientou boa parte de suas novelas, romances e contos. Se o leitor for procurar no mapa do Uruguai e da Argentina a cidade de Santa María não a encontrará. Mesmo assim, o povoado fictício do escritor uruguaio interage com Montevidéu, Buenos Aires, Rosário e outras cidades reais.

E, por fim, temos a Realidade Fantástica. Esse tipo é aquele em que não há qualquer vínculo entre o universo ficcional e o universo real. O mundo literário (dentro da ficção) é tão particular que vai contra as principais regras e leis naturais do mundo vivido pelo leitor. Assim, o mundo fictício e o mundo real tornam-se coisas completamente diferentes. O universo da literatura adquire componentes mágicos. O autor, nesse caso, recebe um "cheque em branco" do leitor para criar, desfigurar e alterar perspectivas do universo em sua narrativa.

Cem Anos de Solidão, romance célebre de Gabriel García Márquez, se passa em Macondo, fictícia cidade localizada em uma região remota da América Latina (provavelmente na Colômbia). O que faz a narrativa de García Márquez ser classificada como uma Realidade Fantástica e não como uma Realidade Geofictícia (como a cidade de Santa María, de Juan Carlos Onetti, por exemplo) é o conjunto de características absurdas que seu município possui. Em Macondo, é possível chover por anos ininterruptamente; pessoas se transformam em árvores; ocorre uma peste de insônia e ninguém consegue dormir por um longo período de tempo; mortos podem retornar à vida porque não suportam mais a solidão da morte; tapetes voadores são frequentes na paisagem local; entre outros episódios inverossímeis no mundo real (mas não na da ficção mágica ou fantástica de Gabriel García Márquez). São os elementos desvinculados das leis naturais do mundo real que transformam Cem Anos de Solidão em um romance do tipo Fantástico.

Outros exemplos de obras classificadas como Realidades Fantásticas são: Macunaíma, romance de Mário de Andrade, O Senhor dos Anéis, série literária do britânico J. R. R. Tolkien, e Harry Potter, saga infantojuvenil de J. K. Rowling.

Algo que precisa ficar claro para o analista literário é que a Realidade Fantástica não é imune a incoerências narrativas. Massaud Moisés aborda o conceito de Verossimilhança a partir dessa perspectiva:

Suponhamos que o nosso leitor aceitou as regras do jogo literário, e se pôs a degustar a história que através dele se engendra. Será suficiente para que o diálogo se realize? Para que o leitor continue preso à literatura? Creio que não: uma das condições básicas para que o leitor se mantenha atento aos acontecimentos que seus olhos vão desvendando é que a ação contenha "verdade" e necessidade. Por "verdade", ou verossimilhança, não se entenda que a ação reproduza literalmente ocorrências da vida real, pois nesse caso não seria ficção, mas que a ação se organize como se se desenrolasse na realidade, isto é, segundo uma coerência relativa, semelhante à que se preside os eventos da vida diária. Portanto, verossimilhança interna à própria obra, não enquanto relação com o mundo real (MOISÉS, 2014, p. 119).

Dessa maneira, saber diferenciar conceitualmente o Espaço Narrativo, o Tempo Narrativo, a Ambientação e a Realidade Ficcional (respectivamente, o terceiro, quarto, quinto e sexto elementos da Narrativa) e conseguir identificá-los nos romances estudados é uma das funções centrais do trabalho do analista literário.

Bibliografia:

ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Editora 34, 2015.

BONACORCI, Ricardo. Análise Literária dos Romances de Rubem Fonseca - Investigando a Nova Literatura Brasileira. Projeto de Iniciação Científica. Varginha: Centro Universitário do Sul de Minas (UNIS-MG), 2019.

COMPAGNON, Antoine. O Demônio da Teoria - Literatura e Senso Comum. 2a ed. Belo Horizonte: UFMF, 2014.

MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. 19a ed. São Paulo: Cultrix, 2014.

PIRANDELLO, Luigi. O Falecido Mattia Pascal. Apêndice: Advertência sobre os escrúpulos da fantasia. São Paulo: Abril, 2010.

PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Editora, 2014.

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