Nesse final de semana estou no sul de Minas Gerais e aproveitei a viagem de pouco mais de cinco horas de São Paulo para cá para ler este clássico da literatura portuguesa. “A Confissão de Lúcio” (Nova Fronteira) é a principal obra de um dos fundadores do movimento modernista de Portugal, Mário de Sá-Carneiro.
Para quem não conhece esse escritor, Sá-Carneiro foi contista, poeta, romancista, tradutor e dramaturgo de grande destaque nas duas primeiras décadas do século XX. Vivendo entre Paris e Lisboa, o rapaz nascido na capital portuguesa em 1890 participou do lançamento da revista Orpheu, na qual publicou o polêmico poema “Manucure”, de estilo futurista. Suas obras mais importantes foram: “Princípio” (1912), “Dispersão” (1914) e “A Confissão de Lúcio” (1914). As cartas trocadas com o seu melhor amigo, o poeta Fernando Pessoa, também se transformaram, após a morte precoce de Sá-Carneiro, em um livro de cunho biográfico.
Em “A Confissão de Lúcio”, temos quatro dos principais temas da literatura e da poesia do escritor modernista: o suicídio, o amor proibido, a inadequação do “eu” na sociedade e a loucura. Essa obra é uma novela policial em que se narra o assassinato do poeta Ricardo de Lourenço e a condenação/prisão do escritor Lúcio Vaz, o narrador-protagonista da trama (o melhor amigo do homem assassinado).
O livro começa com a carta de confissão de Lúcio. A mensagem é produzida depois que o escritor cumpre os dez anos de reclusão nos quais fora condenado pela morte do amigo. Agora posto em liberdade, ele se sente preparado para narrar o que realmente aconteceu. E aí ele se declarada inocente do crime.
Para explicar os acontecimentos que precipitaram no assassinato de Ricardo, o narrador-personagem percorre aos principais lances da vida de ambos: quando se conheceram em Paris, a consolidação da amizade na capital francesa e o retorno da dupla para Lisboa. Quando Lúcio volta para a sua cidade, ele reencontra o melhor amigo casado com a misteriosa Marta. A esposa de Ricardo é um grande mistério para Lúcio, desencadeando uma obsessão/loucura para saber a origem daquela mulher. De repente, Lúcio se vê atraído por Marta e os dois iniciam um relacionamento clandestino. Em baixo dos olhos do marido traído, os amantes levam a diante uma tórrida paixão.
O livro demora um pouco para engrenar. Somente na segunda metade, ele se torna interessante (esse é o momento no qual inicia-se o triângulo amoroso). Até então, o foco da narrativa são os diálogos filosóficos-psicanalíticos dos dois amigos. Cada um dos personagens aborda questões relevantes e secretas da sua personalidade. Apesar de um pouco enfadonho, compreender exatamente o que se passa na cabeça dos amigos Ricardo e Lúcio, nesse momento, é fundamental para compreender o desfecho da história.
Para quem leu “Madame Bovary” e “Primo Basílio, por exemplo, perceberá que a traição de Lúcio e Marta possui elementos completamente singulares em relação àqueles, o que enriquece a obra de Sá-Carneiro. Ás vezes, acreditamos que a novela possui elementos autobiográficos, pois a narrativa da relação entre o escritor (Lúcio – possivelmente Mário) e o poeta (Ricardo – possivelmente Fernando Pessoa) é riquíssima em detalhes e em aspectos psicológicos.
O que mais gostei desse livro foi seu final. Sabe aqueles finais que o fazem pensar por uma semana?! Pois acabei a obra ontem e ainda estou refletindo sobre ela... Quem ainda não leu o livro sugiro pular diretamente para o último parágrafo dessa crítica, pois no próximo parágrafo vou contar o spoiler dessa história.
A minha interpretação do final é que o caso romântico não era entre Lúcio e Marta e sim entre Lúcio e o próprio Ricardo (isso explica o misterioso aparecimento da mulher do amigo e a falta de “passado” dela). Marta seria a personalidade afeminada (feminina) de Ricardo, aflorada nos encontros românticos com seu amigo. Ou seja, essa história é mais parecida com “O Retrato de Dorian Gray” (pela questão do homossexualismo) do que com “Madame Bovary” (pela questão da traição conjugal). Isso, porém, iremos perceber apenas no final, nas últimas linhas.
“A Confissão de Lúcio” é um livro curto (novela com 100 páginas), porém intenso. Sua leitura requer concentração e certo interesse para desvendar as mensagens subliminares contidas em toda a sua extensão. Ele pode parecer um pouco chato no início, mas vale a pena o leitor prosseguir na leitura. É uma grande obra!
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