Li, na semana passada, “O Curioso Caso de Benjamin Button” (Dracena), uma das histórias mais populares de Francis Scott Fitzgerald. O conto do escritor norte-americano sempre foi muito famoso em seu país natal e em algumas nações de língua inglesa. Com o sucesso do filme homônimo, produzido por Hollywood em 2008 e inspirado na trama de Fitzgerald, este drama se tornou conhecido nos quatro cantos do planeta. Assisti no cinema, na época do seu lançamento, o longa-metragem e o achei sensacional. Curioso para saber quem é melhor (o filme ou o conto?), resolvi degustar, desta vez, “O Curioso Caso de Benjamin Button” em sua versão original, a literária.
F. Scott Fitzgerald resolveu escrever “O Curioso Caso de Benjamin Button” após ouvir um comentário de seu colega Mark Twain sobre as fases da vida de um homem. Para o autor de “As Aventuras de Tom Sawyer” (Martin Claret), a melhor parte da vida é reservada para o início (infância e juventude), enquanto a pior está no final (velhice). “E se o ciclo natural da existência fosse invertido?”, pensou Fitzgerald. Nasciam, assim, o drama de Benjamin Button e uma das histórias mais pitorescas da literatura. Nesta trama, o protagonista já nasce idoso e vai rejuvenescendo à medida que os anos vão passando. De idoso, ele se torna um adulto maduro e depois um jovem adulto. Na sequência, ele vira jovem, adolescente, criança e termina como um bebezinho de colo.
“O Curioso Caso de Benjamin Button” foi publicado inicialmente na revista Collier's Weekly, em maio de 1922, como conto independente. Ainda naquele ano, a narrativa seria incluída na coletânea “Contos da Era do Jazz” (Sem edição integral no Brasil), o segundo livro de contos de Fitzgerald. A obra reunia, além de “O Curioso Caso de Benjamin Button”, outras dez pequenas histórias que já tinham sido publicadas anteriormente em periódicos norte-americanos. De todos os contos do livro, aquele que entraria na memória coletiva dos amantes da literatura era o episódio trágico-cômico do homem que já nasceu velho.
Francis Scott Fitzgerald é um dos escritores mais importantes dos Estados Unidos no século passado. Seu trabalho literário se concentrou nas décadas de 1920 e 1930. O autor nascido em Minnesota, em 1896, era integrante da Geração Perdida, grupo de artistas norte-americanos que vivia na França no final da Primeira Guerra Mundial. Faziam parte da Geração Perdida nomes como T. S. Eliot, Ezra Pound e Ernest Hemingway. Fitzgerald atuou essencialmente como romancista e contista. Dos seus cinco romances, o mais famoso é “O Grande Gatsby” (Tordesilhas), de 1925, apontado como um clássico da literatura universal.
Contudo, o maior volume de produções de F. Scott Fitzgerald se concentrou mesmo nos contos. Esses textos eram vendidos para os jornais e para as revistas da época e rendiam um bom dinheiro para o autor, algo que não acontecia com os romances. Foram mais de 160 pequenas narrativas desenvolvidas ao longo da carreira. Sua coletânea mais lembrada é “Contos da Era do Jazz”, livro de 1922. A relevância dessa publicação está em refletir o espírito da sociedade norte-americana no início do século XX. E também por perpetuar “O Curioso Caso de Benjamin Button” para as futuras gerações.
Se os leitores brasileiros nunca tiveram uma tradução integral de “Contos da Era do Jazz” para o português, ao menos não faltam opções disponíveis no mercado nacional para “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Foram várias as editoras que lançaram esse conto em obra independente, algumas em versões ilustradas (para crianças). Escolhi a edição da Dracena por ela ser a opção mais barata das direcionadas ao público adulto.
O enredo de “O Curioso Caso de Benjamin Button” inicia-se no Verão de 1860, em Baltimore. O Sr. Roger Button, um rico empresário local, vai ao hospital para saber como foi o nascimento do seu primogênito. Ao chegar lá, ele nota que todos os profissionais do estabelecimento, da recepcionista ao médico, estão em pânico. Sua esposa deu à luz a um homem idoso. Aparentando ter setenta anos, o recém-nascido mede 1,73 metros, tem cabelos ralos na cor branca e uma barba longa. Benjamin, como seria mais tarde batizado o “menino”, já veio ao mundo falando perfeitamente e com o cérebro desenvolvido. Apenas seu corpo parece muito fragilizado. Por isso, logo que vê o pai, o filho pede três coisas: uma cadeira de balanço (muito melhor do que o berço pequeno que tem à sua disposição), roupas (ele está com vergonha de sua nudez) e uma bengala (para caminhar com mais segurança).
O Sr. Roger Button fica assustado, logo de cara, com a aparência do filho. O empresário faz de tudo para dar um ar de criança ao velho homem que nasceu de sua esposa. A família tenta evitar um grande escândalo em Baltimore, o que poderia atrapalhar os negócios. A aflição dos familiares é tanta que ninguém nota que ano a ano, Benjamin começa a rejuvenescer. Os Roger Button (é esse mesmo o sobrenome da família – Roger não é o primeiro nome do pai de Benjamin!) tentam colocar o “menino” na escola quando ele completa cinco anos, mas rapidamente o “garoto” desiste dos estudos. A escola parece muito chata para ele. Benjamin, mesmo tendo a idade de uma “criança”, prefere ir trabalhar com pai nos negócios da família. Ninguém nota na empresa que o filho do Sr. Roger Button não é um adulto.
Aos dezoito, Benjamin não é aceito na faculdade pois o consideram muito velho (ao menos fisicamente). Nessa época, ele já tem a aparência de um cinquentão. Aos vinte anos, o rapaz se apaixona por Hildegarde Moncrief, uma linda e jovem moça da cidade. Por preferir homens mais velhos, Hildegarde gosta de Benjamin e os dois começam a namorar. Em pouco tempo, o casal já sobe no altar para selar o matrimônio.
Aí começa o maior drama de Benjamin. Enquanto ele começa a ficar mais e mais jovem, sua esposa fica pouco a pouco mais velha. Em determinado momento, ambos têm a mesma aparência. Contudo, a partir daí ele será visto cada vez mais como um marido jovem casado com uma esposa cada vez mais velha. Será que o casamento irá dar certo? A fase final da vida de Benjamin será mesmo recheada de momentos de felicidade extrema?! Quais os desafios que esperam por Benjamin Button nos últimos anos de sua existência?
Por ser um conto, “O Curioso Caso de Benjamin Button” é um livro curtinho. Ele tem apenas 76 páginas. É possível lê-lo em uma só batida (não se demora mais do que uma hora para percorrê-lo de ponta a ponta). Para quem gosta de leituras leves, rápidas e interessantes, as narrativas curtas de Francis Scott Fitzgerald são uma ótima opção. Lembro-me que, no final do ano passado, li “Berenice Corta o Cabelo” (Lote 42), outro conto famoso do escritor norte-americano que foi publicado em livro independente.
Para ser sincero, não gostei tanto da versão literária de “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Como me lembrava de boa parte do filme, confesso que não me surpreendi com quase nada do conto de Fitzgerald. E se eu não tivesse assistido ao longa-metragem, talvez a trama poderia ter sido mais impactante? A resposta para essa questão, infelizmente, jamais vou saber. O que sei precisar é que achei o filme protagonizado por Brad Pitt incrível, mas o livro é apenas razoável. O conto não é ruim, mas ficou aquém da minha expectativa, que estava lá nas alturas.
Algo que gostei na história literária de Benjamin Button é que ela caminha o tempo inteiro em uma linha tênue entre o cômico e o dramático. Sei que essa pegada trágico-cômica também aparece na produção cinematográfica, mas considerei-a mais forte no conto. A cena inicial do Sr. Roger Button no hospital é hilária. A deterioração do relacionamento do protagonista com sua esposa, por outro lado, acaba pendendo mais para o trágico. O vai e volta desses dois lados é intenso no livro. A mudança de tom muitas vezes ocorre de uma frase para outra. Apesar de arriscada, essa estratégia foi muito bem executada.
A história do conto leva o leitor a reflexão. É inegável que “O Curioso Caso de Benjamin Button” tenha um tom de parábola. Cada acontecimento, cada situação e cada conflito criados por Fitzgerald nesta trama parecem ter um sentido filosófico maior por trás dos fatos concretos (e um tanto fantasiosos). Não à toa, este livro nos faz lembrar alguns dos contos, das novelas e dos romances de Franz Kafka, contemporâneo do autor norte-americano.
Outro ponto que chama a atenção do leitor é a característica psicológica do protagonista da trama. Benjamin Button é uma personagem muito solitária. Ele precisa enfrentar muitos preconceitos sociais em cada fase de sua vida. A impressão é que ele encara um mundo hostil e implacável com quem é diferente ao padrão estipulado pela maioria das pessoas. Todos os seus relacionamentos são difíceis (com o pai, com a esposa, com o filho, com os colegas, etc.), sendo impossível estipular o quanto Benjamin é vítima ou culpado pela situação que se meteu. Adorei esse aspecto ácido da história.
Basicamente, o livro é muito parecido ao filme quando analisamos seus enredos. A grande diferença entre as duas versões está no papel da esposa de Benjamin nas tramas. No longa-metragem, o relacionamento da personagem principal com Hildegarde Moncrief Button é muito mais romântico. Quando ela fica velha e ele se torna um rapaz, os dois continuam se amando, porém com um amor diferente ao de antes. Para quem é romântico, o longa-metragem é um prato cheio. No conto, entretanto, esse lado romântico não existe. Uma vez estabelecida a diferença acentuada de idade, o sentimento que ambos sentiam desaparece de uma vez por todas. Tanto a esposa se incomoda com um marido mais jovem quanto ele repudia estar ao lado de uma mulher mais velha.
Ou seja, temos no livro a exposição nua e crua de um preconceito social que era muito forte no início do século XX: o relacionamento polêmico de um homem mais jovem com uma mulher mais velha. Nesse sentido, a versão literária da história é mais amarga do que a da versão cinematográfica. É preciso estômago forte para encarar a realidade pouco agradável exposta por F. Scott Fitzgerald nas páginas de sua obra.
Talvez eu não tenha gostado tanto do conto exatamente pelo predomínio do tom melancólico, triste, frio e amargo de sua história. Se o filme explorou mais os aspectos cômicos e românticos do caso pitoresco de Benjamin Button, o conto, por sua vez, preferiu aprofundar o drama na angustia e no vazio existencial do protagonista. Assim, acabei me emocionando muito mais com o longa-metragem do que com o livro.
Apesar de não ter gostado tanto da versão original de “O Curioso Caso de Benjamin Button”, ainda sim ele é melhor do que “Berenice Corta o Cabelo”, a outra história de Fitzgerald que conheço. Ao menos este conto analisado hoje no Bonas Histórias possui mais elementos narrativos que suscitam debates e reflexões por parte dos leitores. Gostando ou não dele, é inegável a quantidade absurda de questões interessantes e ainda hoje atuais levantadas por Francis Scott Fitzgerald nesta história. Por exemplo: qual etapa da vida do protagonista foi a mais feliz?; por que seus relacionamentos tendiam a piorar a medida que iam avançando?; qual a influência da sociedade na vida de Benjamin?; por que o casamento da personagem principal se deteriorou tanto?; e por que ele não deu muita atenção ao filho? Se formos analisar em profundidade todos esses temas em um bar, nunca mais vamos nos levantar da mesa.
A principal qualidade da literatura de F. Scott Fitzgerald está em suscitar debates inteligentes a respeito de aspectos sociais. Curiosamente, a maioria dos assuntos explorados por ele no início do século XX ainda continua válida e relevante hoje em dia. Não há prova maior da força literária de um autor do que a perpetuação da importância de um tema de sua obra ao longo das gerações. Daqui a cem anos, “O Curioso Caso de Benjamin Button” continuará sendo discutido e seguirá impressionando seus leitores.
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