De manhã, que medo, que me achasses cafona. Acordei, tremendo, deitado na lona. Mas logo os meus ouvidos disseram que não. E o som penetrou no meu coração. A voz forte e saudosa de Amália Rodrigues ecoou na minha recordação. E não se engane, caro leitor do Bonas Histórias, com certas aparências italianas. Entre o primeiro nome e o último sobrenome, tenho marcas lusitanas.
Amália sempre foi presença constante em minha tenra infância. De festança aqui e de festança acolá, ela nunca abandonou as famílias portuguesas. As canções da Rainha do Fado embalaram os momentos alegres e as grandes celebrações dos Teixeira do lado de cá. Podes sorrir, podes mentir, podes chorar também. De quem eu ouvia na meninice, até as paredes confesso: Amália Rodrigues, Amália Rodrigues e Amália Rodrigues.
Lisboa, sei que não és francesa, mas é sim um pouco brasileira. Com toda a certeza vai ser feliz ao abraçar seus parentes do além-mar. Lisboa, não sejas francesa. Tu és portuguesa, tu és brasileira.
Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa. E se à patuscada alegremente um parente chega, ouve-se a música da senhora Rodrigues. Fica bem essa cantoria, fica até bem tarde. Que o povo nunca a esqueça, principalmente agora em que se completa cem anos de seu nascimento.
Comadre, ai minha comadre, eu gosto mesmo é dessa cantora. Comadre, ai minha comadre, eu gosto mesmo é dessa cantora. É talentosa, apresenta-se bem e parece que tem a voz perfeita. É talentosa, apresenta-se bem e parece que tem a voz perfeita.
Nem quando ela denunciava que a Rosa arredondava a saia... quando revelava que se juntavam os dois na esquina a tocar a concertina, a dançar o solidó... quando informava que Lisboa cheirava a rosa de florir na tapada... quando tinha medo de que eu a achasse tão feia de manhã... quando fofocava que a cigana mais linda da caravana não tinha coração... ou quando contava a todos o que encontrava na casa da Mariquinha... nem assim deixei de admirá-la.
Que Deus me perdoe, se é crime ou pecado, mas meu coração é assim, de Amália Rodrigues. E fugindo ao fado, fugiria de mim, das minhas raízes. Cantando dou brado e nada me dói. Se é, pois, pecado ter amor ao fado e obsessão à maior fadista, que Deus me perdoe.
Se tem o som de Amália Rodrigues, é porque é uma casa portuguesa com certeza, é com certeza uma casa portuguesa. Hoje, para aplacar um pouco das saudades dos velhos tempos de festanças animadas e dançantes (quando reunir a parentada não era um ato contra a civilidade e um perigo iminente à saúde pública), carrego em minha playlist alguns dos principais sucessos da querida fadista portuguesa. Enquanto ouço a versão moderna da vitrola chorar, tenho a companhia de uma francesinha, de umas fatias do bolo do caco e de apetitosos pastéis de nata. E, claro, de uma taça do velho Porto à mão.
Para quem me pergunta quais são as minhas dez músicas preferidas de Amália Rodrigues, minha resposta está na ponta da língua. A minha lista respeita a seguinte ordem: “Tiro Liro Liro”, “Ó Rosa Arredonda a Saia”, “Lisboa Não Sejas Francesa”, “Uma Casa Portuguesa”, “Cheira a Lisboa”, “Barco Negro”, “Nem As Paredes Confesso”, “Lisboa Antiga”, “Casa da Mariquinhas” e “Que Deus Me Perdoe”. Confira, a seguir, algumas dessas canções inesquecíveis.
Falecida em outubro de 1999, em Lisboa, sua cidade natal, Amália Rodrigues completaria em 2020 seu (primeiro) centenário. Este post da coluna Músicas é uma singela homenagem a cantora que se tornou ícone nacional e que tem sua voz ouvida até hoje em cada cantinho lusófono do planeta. Ao menos nos lares da minha família, principalmente nas festas, a principal fadista portuguesa de todos os tempos não se calou.
Há até quem duvide que ela tenha morrido. Amália Rodrigues morreu?! Impossível!!! Isso é uma daquelas lendas musicais que costumam ser contadas por aí (e que o povão ingênuo acredita). Ela deve estar vivinha da Silva, cantando ao lado do Elvis Presley e do Raul Seixas em algum grande show. Cheia de encanto e beleza, sempre a sorrir tão formosa. E no cantar sempre redentora, o veludo da voz da saudade cobre o meu ouvido, magnânima cantora. A música portuguesa agradece.
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