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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

bonashistorias.com.br

Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: Cacambo

Na segunda entrevista da nova temporada do TSL, o convidado de Darico Nobar é o herói de O Uraguai, epopeia de Basílio da Gama e clássico do Arcadismo brasileiro.

Talk Show Literário: Entrevista com Cacambo, herói da epopeia O Uraguai, clássico do Arcadismo Brasileiro e obra-prima de Basílio da Gama

Emanava intento à literatura.

Em outro programa, pedia encanto

O erudito Darico achar sossego.

No perturbado interrompido sono

(Talvez fosse ilusão) se lhe apresenta

A triste dor de Cacambo destruído.

Pintado o rosto do temor da morte,

Banhado em negro sangue, que corria

Do peito aberto, e nos pisados braços

Inda os sinais da mísera caída.

Sem adorno a cabeça e aos pés calcada,

A rota alijava e as descompostas penas.

Quanto diverso Cacambo valente

Que no meio dos nossos espalhava,

De pó, de sangue e de suor coberto,

O espanto, a morte! E diz-lhe em tristes vozes:


Fumam ainda nas desertas praias,

Lagos de sangue tépidos dos puros

Em que ondeiam cadáveres de índios,

Pasto de corvos. Dura inda nos vales

O rouco som da irada assassina

Da gente que não vê o herói que

Padeceu do Uraguai e nosso sangue

Dos decretos reais lavou a afronta.

Ai tanto custas, ambição de império!

E Tu, que na televisão perdura,

Fala para milhões de embalados,

Herói e irmão de heróis, saudosa e triste

Se ao longe a vossa América vos lembra,

Protegei os meus tristes lamentos

Sentindo as dores as novas asas

Em que um dia me leve para morte.


Nobar no sofazão. Porém Cacambo

Fez, ao seu modo, cortesia estranha,

E começou: Ó âncora famoso,

Tu tens à vista quanta gente morre

Do soberbo Uraguai a esquerda margem.

Bem que os nossos avôs fossem despojo

Da perfídia de Europa, e daqui mesmo

Casos não vingados ossos dos índios

Se vejam branquejar ao longe os vales.

Eu, desarmado e só, buscar-te venho.

Tanto espero deles. E enquanto as armas

Dão lugar à razão, senhor, vejamos

Se se pode salvar a vida e o sangue

De tantos belos povos. Muito tempo

Pode ainda tardar-nos o recurso

Com o largo oceano de tormento.


Aqui não temos. Os padres faziam

Crer aos índios que os portugueses

Eram gente sem lei, que adoravam o ouro.

Rios de areias de ouro. Essa riqueza

Que cobre os templos dos fétidos padres,

Fruto da sua indústria e do comércio

Da folha e peles, é riqueza sua.

Com o arbítrio dos corpos e das almas,

O céu lhe deu em sorte. A nós somente

Nos toca arar e cultivar a terra,

Sem outra paga mais que o repartido

Por mãos escassas mísero sustento.

Podres choupanas, e algodões tecidos,

E o arco, e as setas, e as vistosas penas

São as nossas fantásticas riquezas.

Muito suor, e pouco ou nenhum vintém.


Obra de meu estimo valor! Tenho

Real esposa, a senhoril Lindoia,

De costumes suavíssimos e honestos,

Em verdes anos: com ditosos laços

Amor nos tinha unido; mas apenas

Nos tinha unido, quando ao som primeiro

Das trombetas me arrebatou dos braços

A glória enganadora. Ou foi que Balda,

Engenhoso e sutil, quis desfazer-se

Da minha presença inoportuna

E do meu posto pro filho bastardo.

Saudosa manhã, que a despedida

Presenciou de nós amantes, nunca

Consentiu que outra vez tomasse os braços

Da formosa Lindoia e descobria

Sempre novos pretextos da demora.


Tornar não esperado e vitorioso

Foi todo o meu delito. Não consente

O cauteloso Balda que Lindoia

Chegue a falar ao seu esposo; e manda

Que uma escura prisão a esconda e aparta

Da luz do sol. Nem os reais parentes,

Nem dos amigos a piedade, e o pranto

Da enternecida esposa abranda o peito

Do obstinado juiz: até que à força

De desgostos, de mágoa e de saudade,

Por meio de um licor desconhecido,

Que lhe deu compassivo o santo padre.

Cá fiquei eu, Cacambo, entre os gentios

Único que na paz e em dura guerra

De virtude e valor deu claro exemplo,

Derrotado estou em qualquer cenário.


Acabou de falar; e assim rebate

O ilustre apresentador: Ó alma

Digna de compadecer melhor causa,

Vê que te não enganam rica memória

Vãs, funestas imagens, que alimentam

Envelhecidos mal fundados ódios.

Por mim te falo o que sei: ouça-me

E verás uma vez nua a verdade

Dos pobres índios, e no chão caídos

Fumegavam os nobres edifícios,

Deliciosa habitação dos padres.

Entram no grande templo e vêm por terra

As imagens sagradas. O áureo trono,

O trono em que se adora um Deus imenso

Piedoso, muito amoroso,

Que o sofre, e não castiga os temerários.


E o índio, um pouco pensativo, manda:

Gentes de Europa, nunca vos trouxera

O mar e o vento a nós. Ah! não debalde

Estendeu entre nós a natureza

Todo esse plano espaço imenso de águas.

Prosseguia talvez; mas o interrompe

Nobar, que entra no meio, e diz: Cacambo

Fez mais do que devia; e todos sabem

Que estas terras, que pisas, o céu livre

Deu os teus avôs; eles também livres

As receberam dos antepassados.

Livres não hão de herdar teus filhos.

Dentro de pouco tempo: e o vosso Mundo,

Se nele um resto houver de humanidade,

Sentirá a injustiça do meu Deus.

Não quereis a guerra, mas a terás.


Lhe disse: Ó Darico, eu te agradeço

As dicas que me dás e te prometo

Lembrarei bem depressa uma por uma

Entre nuvens de pós no ardor da guerra.

Despediram-se índio e apresentador

Se vão dispondo em ordem a plateia

Como manda o figurino da TV.

Cobrem o público de alegria,

E estão no centro firmes as mentiras

Contadas dos índios a nossa frente.

De agudas baionetas rodeada,

Fez a trombeta o som da guerra. Ouviram

Aqueles montes pela vez primeira

O som da caixa portuguesa; e viram

Pela primeira vez aqueles ares

Desenroladas as reais bandeiras.


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas seis primeiras temporadas, neste sétimo ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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