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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: Castelo

O segundo entrevistado de 2021 é o narrador-protagonista de O Homem que Sabia Javanês, conto de Lima Barreto publicado em 1911.

Talk Show Literário: Castelo - O Homem que Sabia Javanês - Lima Barreto

Darico Nobar: Boa noite, Brasil!


Plateia: Boooooa noooooite!


Darico Nobar: No programa de hoje, vou conversar com uma das mais importantes figuras da história da diplomacia nacional. Ele já foi adido, cônsul, embaixador, ministro das Relações Exteriores e Senador da República, além de professor das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia. Atualmente, nosso convidado é acadêmico, tradutor, escritor e influenciador digital. É com muita alegria que anuncio, no palco do Talk Show Literário, um dos indivíduos mais versáteis e cultos do nosso país. Vem para cá, Castelo!!! [O público no auditório aplaude a entrada de um senhor mestiço. Ele tem os cabelos corridos, duros e grossos na cor branca e veste terno e gravata de fina estirpe]. Seja bem-vindo, meu amigo. [Entrevistador e entrevistado cumprimentam-se antes de se acomodarem nos sofás no centro do palco].


Castelo: Como estás, Darico? É um prazer imenso estar em seu programa de TV. Sempre que não estou lendo, escrevendo, estudando ou trabalhando, eu aproveito para assistir ao Talk Show Literário. Parabéns pelo seu trabalho de promoção à literatura brasileira clássica. Sou muito fã de vocês.


Darico Nobar: Obrigado pelas suas palavras, Castelo. Fico feliz de saber que temos um telespectador tão renomado nos acompanhando. Para começarmos esse bate-papo, diga-me: tens levado uma vida bem agitada, certo?


Castelo: Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece-me. Ainda bem que não tem me faltado trabalhos lá no consulado, lá na universidade. Por sinal, não fico parado um dia sequer. É um tal de viajar para Brasília, Macau, São Paulo, Londres, Kuala Lumpur, Paris, Jacarta, Nova York, Timor Leste. Quando passo uma semana inteira no Rio, levanto as mãos para o céu e agradeço.


Darico Nobar: E como você ingressou no Itamaraty? Foi por causa do seu conhecimento de javanês, né?


Castelo: Quando eu era novinho, li um anúncio no Jornal do Commercio que dizia: “Precisa-se de um professor de língua javanesa”. Como conheço esse idioma desde pequeno, apresentei-me na Rua Conde de Bonfim. Lá falei com o doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, o Barão de Jacuecanga, e me tornei seu professor particular de javanês.


Darico Nobar: E a partir daí sua ascensão na diplomacia foi meteórica.


Castelo: Antes de ingressar na diplomacia, traduzi um livro com histórias do nosso Príncipe Kulanga, um clássico da literatura malaia, isto é, da literatura javanesa.


Darico Nobar: Príncipe Kulanga?


Castelo: Foi um escritor de muito mérito e um soberano de rara cultura, bondade e honestidade. Para os brasileiros entenderem, costumo dizer que Príncipe Kulanga foi uma espécie de José Sarney para o povo javanês.


Darico Nobar: Comparação mais inusitada! [Faz uma careta involuntária]. E onde se fala javanês, Castelo?


Castelo: É uma língua lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?


Darico Nobar: Mais ou menos. Nunca fui para aqueles lados. E como você aprendeu esse idioma?


Castelo: Meu pai era javanês da gema. Tripulante de um navio mercante, ele veio ter na Bahia, estabeleceu-se nas proximidades de Canaviera como pescador, casou-se, prosperou e foi com ele que aprendi javanês. Pouca gente sabe, mas sou natural de Canaviera, na Bahia. Não nasci na Ilha de Java, não.


Darico Nobar: Nota-se pela sua constituição física os traços típicos dos povos do sudeste asiático.


Castelo: Tu sabes bem que, entre nós javaneses, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, até godos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro. Soube que Gilberto Freyre disse que se não fosse brasileiro, ele queria ter nascido em Java.


Darico Nobar: Deve ser muito difícil falar essa língua, né?


Castelo: Não quando se aprende de pequeno, como foi o meu caso. Uma vez adulto, admito que é mais difícil. Os linguistas dizem que esse é um dos idiomas mais complexos. Por isso, desisti de ensiná-lo. O brasileiro é um povo pouco diligente. Não consegue aprender a distinguir e a escrever bem sequer quatro letras. É um tal de aprende e desaprende. Às vezes acho que é parvoíce mesmo. Para não passar nervoso, há anos não leciono javanês; ao menos para os brasileiros eu não ensino mais!


Darico Nobar: E como você saiu de professor de javanês e chegou aos principais postos da diplomacia brasileira? Estou muito curioso para conhecer sua trajetória profissional.


Castelo: A filha e o genro do Barão de Jacuecanga vieram a ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram a coisa boa para distraí-lo. Mas para meu assombro, meu caro Darico, o genro do barão ficou admirado com minha habilidade poliglota. Ele não se cansava de repetir: “É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava!”. Ele era desembargador, homem bem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo mundo a sua admiração pelo meu javanês. Naquela época, não era comum os jovens brasileiros falarem uma língua estrangeira, muito menos um idioma de origem asiática.


Darico Nobar: Entendo...


Castelo: Não sei se foi o genro ou o próprio barão que enviou uma carta ao Visconde de Caruru para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo – “Qual! Retrucava ele. Vá, menino; você sabe javanês!”. Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Foi um sucesso! Por onde passava, os chefes de seção, os oficiais, os diretores, as altas autoridades diplomáticas, os cônsules, os embaixadores, os políticos comentavam: “Vejam só, um homem que sabe javanês – que portento!”.


Darico Nobar: Castelo, você nunca foi alvo da inveja de seus colegas brasileiros por seus conhecimentos?


Castelo: Um ou outro me olhava mais com ódio do que com inveja ou admiração. Eu percebia quando o sujeito se aproximava e comentava: “Falas javanês, né? Mas eu sei canaque. O senhor sabe?”. Na diplomacia tem de tudo: quem fale canaque, turmelano, kiputense, indquisto, melonênse... Eles queriam que eu soubesse de seus conhecimentos idiomáticos.


Darico Nobar: Mas nada se compara ao javanês!


Castelo: Ah! [Solta uma risada com satisfação e orgulho]. Eu costumo dizer para os calouros do Instituto Rio Branco que, nos dias de globalização intensa, eles precisam dominar o inglês, o espanhol, o mandarim, o javanês e o francês. Com esses cinco idiomas [mostra a mão ostentando os cinco dedos esticados], eles conseguem trabalhar tranquilamente em qualquer parte do mundo.


Darico Nobar: E como o senhor se tornou um dos principais linguistas brasileiros, com obras traduzidas para vários idiomas?


Castelo: Uma coisa puxou a outra. Como eu participava de congressos nos quatro cantos do planeta divulgando a cultura brasileira e javanesa, fui me aproximando da Linguística. Estudei Abel Hovelacque, Ferdinand de Saussure, Max Müller, Noam Chomsky, Roman Jakobson, entre outros.


Darico Nobar: Quando você começou a trabalhar com a Linguística, você já era famoso no Brasil?


Castelo: Minha fama só crescia por aqui. Na rua os informados apontavam aos outros: “Lá vai o sujeito que sabe javanês”. Nas livrarias, nos corredores das universidades, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Antes de eu virar Ministro das Relações Exteriores, o Presidente da República me convidou para acompanhá-lo a uma viagem de negócios pela Europa. Mas quando eu lancei um livro sobre as influências das línguas malaio-polinésicas nas gírias modernas dos jovens sul-coreanos, aí meu nome se tornou conhecido internacionalmente.


Darico Nobar: Isso aconteceu quando a cultura K-Pop se tornou uma febre mundial, não foi?


Castelo: Foi o meu estudo que propiciou a explosão músico-cultural do Leste Asiático.


Darico Nobar: Interessante... Não tinha parado para analisar as coisas por essa perspectiva. [Fica alguns segundos refletindo com a mão no queixo. Pela sua fisionomia, não sabemos se está acreditando ou não nas palavras do entrevistado]. Castelo, olhando para sua carreira diplomática e acadêmica, o que te deixa mais orgulhoso?


Castelo: Sem dúvida foi ter participado do programa do Sílvio Santos.


Darico Nobar: Qual programa?!


Castelo: O Maior Brasileiro de Todos os Tempos.


Darico Nobar: Você foi mencionado?


Castelo: Sim. Meu nome chegou à final. A decisão ficou entre mim, Chico Xavier, Santos Dumont e Princesa Isabel.


Darico Nobar: Sério!? O pessoal da produção não me reportou isso. [Procura tal informação em suas fichas. Ao não encontrar nada a respeito, desiste de olhar os papéis sob a mesa e volta-se novamente para o convidado]. Para ser sincero, não me recordo deste programa de televisão. Mas me diga, Castelo, quem venceu O Maior Brasileiro de Todos os Tempos?


Castelo: Ora, caro Darico, foi este que vos fala. Recebi 71,4% dos votos do público. Chico Xavier ficou em segundo, Santos Dumont em terceiro e Princesa Isabel em quarto. Pelo que soube, nenhum deles falava javanês.


Darico Nobar: Foi uma escolha justa. [As palavras vêm acompanhadas de uma risadinha].


Castelo: Assim que se fala, meu amigo.


Darico Nobar: Com essa informação surpreendente, eu encerro o Talk Show Literário de hoje. Castelo, obrigado por nos conceder essa entrevista. [O convidado assente com uma leve mexida de cabeça]. Pessoal de casa e no auditório, agradeço o carinho de vocês. Até semana que vem. Boa noite!


[O entrevistado deixa o palco em direção aos camarins do teatro. O público, tendo a companhia do apresentador, aplaude de pé a caminhada final do convidado].


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas quatro primeiras temporadas, neste quinto ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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