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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Talk Show Literário: Rosinha Lituana

Na quarta entrevista de 2023, a convidada de Darico Nobar é a heroína de Parque Industrial, a ficção de estreia de Pagu e um dos primeiros romances proletários da literatura brasileira.

Talk Show Literário: Entrevista com Rosinha Lituana, personagem do livro Parque Industrial, ficção de estreia de Pagu e um dos primeiros romances proletários da literatura brasileira

Vocalista: Rodeia! Rodeia! Que este samba vai terminar na cadeia.


[No exato momento em que o apresentador gesticula para a banda, a música é interrompida. As câmeras de televisão se voltam para o âncora do programa que está sentado à mesa no centro do palco].


Darico Nobar: Boa noite, Brasil!


Plateia: Boooooa noooooite!!!


Darico Nobar: Fãs dos clássicos da ficção nacional, se liguem neste Talk Show Literário porque ele está extremamente politizado. A nossa entrevistada de hoje é uma sindicalizada que atua no Partidão. Estrangeira que chegou pequena ao nosso país, ela é uma das melhores amigas de Mara Lobo. Com vocês, Rosinha!


[Uma mulher pequena entra no auditório, em silêncio puxando a perna. Os seus cabelos loiros, lituanos, escorrem lisos pela testa suada. A plateia se levanta. Muitos agitam cartazes rubros, amassados. Dá para ler frases como: “Viva o proletário!”, “abaixo a ditadura burguesa”, “a luta continua” e “morte ao capitalismo”].


Rosinha Lituana: Boa noite, Camarada Darico.


Darico Nobar: Obrigado por vir. Imagino o quão complicado foi para a senhorita estar agora conosco.


Rosinha Lituana: O trabalhador não tem tempo para nada, nem para viver, nem para conhecer a família. Os que têm filhos não os vem. Saímos de casa às seis horas da manhã. Eles estão dormindo. Chegamos às dez da noite. Eles estão dormindo. Não temos férias! Não temos descanso dominical! E de vez em sempre precisamos fazer serão.


Darico Nobar: Nossa! E no pouco tempo que tem você ainda aceita o convite para participar do programa. Se soubesse não te chamava.


Rosinha Lituana: Não se preocupe. Esta é uma ótima oportunidade para distribuir panfletos e conseguir mais gente para as reuniões do sindicato. Quando não estamos trabalhando, estamos trabalhando contra o trabalho.


Darico Nobar: Tenho a impressão de que você nunca dorme...


Rosinha Lituana: Pobre não tem luxo de dormir, Camarada Darico. E não estaria em casa de qualquer jeito. Estou fazendo turno dobrado hoje. Estou no intervalo da fábrica. [Tira do bolso o jantar envolto em um pano e desembrulha depressa na frente de todos. Pão com ovo duro e banana. Sem cerimônia, começa a comer o sanduíche]. Só não posso me demorar.


Darico Nobar: Trabalhar em um turno já é complicado. Imagine fazer dois turnos?


Rosinha Lituana: Depois dizem que não somos escravas.


Darico Nobar: Rosinha, você pode me dizer o que a gente deve fazer para mudar essa situação caótica do trabalhador?


Rosinha Lituana: O dono da fábrica rouba de cada operário o maior pedaço do dia de trabalho. E assim enriquece à nossa custa!


Darico Nobar: Quem foi que te disse isso?


Rosinha Lituana: Você não enxerga? Não vê os automóveis dos que não trabalham e a nossa miséria?


Darico Nobar: Você quer que a gente arrebente os automóveis deles?!


Rosinha Lituana: Se fizermos isso isoladamente, iremos para a cadeia e os patrões continuarão passeando noutros automóveis. [Dá mais mordidas no sanduíche]. Mas felizmente existe um partido, o partido dos trabalhadores, que é quem dirige a luta para fazer a revolução social.


Darico Nobar: O PT?


Rosinha Lituana: Não. Os petistas já foram comprados pelo sistema.


Darico Nobar: Então quem?


Rosinha Lituana: O Partido Comunista! O verdadeiro partido dos trabalhadores.


Darico Nobar: Então a solução está no comunismo?


Rosinha Lituana: Escuta! Você sabe o que é comunismo?


Darico Nobar: É um tipo de fascismo...


Rosinha Lituana: Não! Fascismo é aquela coisa do Mussolino.


Darico Nobar: Você acha que aqui no Brasil também tem esse tal de fascismo?


Rosinha Lituana: Claro que tem. O povo d´aqui ainda acredita nos tenentes. Fazer o quê? É tudo lambe-esporas de fardado.


Darico Nobar: Você é mesmo comunista?


Rosinha Lituana: Como não hei de ser se sou moderna?


Darico Nobar: Vamos mudar um pouco de assunto, Rosinha. Chega de política. Quero saber da sua vida. Você poderia nos contar sua história?


Rosinha Lituana: Vim da Lituânia com meus pais miseráveis. A guerra nos fez imigrar como tanta gente. Fomos misturados com muitos outros no casarão de tijolos da Rua Visconde de Parnaíba. Depois, fomos endereçados como mercadorias para a fazenda feudal que nos escravizava aos pés de café. Até eu, criança, apanhava e trabalhava. Os camponeses calavam. Até o dia que quiseram levar minha mãe. O moço da casa desejava as tranças fartas e loiras dela. Papai não deixou. Ele nos colocou na estrada e fugimos, eu e mamãe, de madrugada para o Brás.


Darico Nobar: E em São Paulo as coisas foram diferentes?


Rosinha Lituana: Vida de proletário é sempre igual, pobreza e escravidão, só muda o endereço. Não dá para escapar da opressão. No Brás, nós duas sozinhas, na miséria. As idas inúteis ao Patronato Agrícola, donde um dia um velho nos expulsou. Tínhamos ficado poucas semanas no porão. Mamãe morreu. Eu entrei na fábrica de tecidos com 12 anos.


Darico Nobar: Está esse tempo todo na mesma empresa?!


Rosinha Lituana: Não. Quando desmascaramos o contramestre que queria furar a greve, me botaram na rua. Uns dias de fome... Me chamou de criança industriada! Filho da mãe! [Após a última mordida no pão, limpa as mãos na calça surrada]. Agora estou na Ítalo. Acho que o senhor conhece.


Darico Nobar: E quem não conhece a Companhia Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira?


Rosinha Lituana: Foi lá que senti na pele a exploração e os assassinatos dos trabalhadores. Anos depois, conheci o sindicato e compreendi a luta de classes.


Darico Nobar: Onde você está vivendo agora?


Rosinha Lituana: Estou morando com a Otávia no mesmo cortiço onde Matilde se alojou com a mãe há alguns anos.


Darico Nobar: E a Matilde, como está?


Rosinha Lituana: Oscila um pouco, mas vai. Nunca mais tornou a ver aquela amiga rica. A dondoca parece que se enjoou dela. Está trabalhando nas meias. Vai indo bem.


Darico Nobar: E a Otávia?


Rosinha Lituana: Começou a frequentar o sindicato. Agora ela se endireita. Ou melhor, se esquerda.


Darico Nobar: De forma geral, você acha que suas amigas trabalhadoras estão conseguindo superar as dificuldades desta crise econômica?


Rosinha Lituana: São sobreviventes, presas às algemas do regime capitalista. Aquelas que têm mais sorte são escravas nas fábricas ou nas fazendas paulistas. As menos afortunadas acabam nas cadeias e nos cortiços, ou estão nos hospitais e nos necrotérios.


Darico Nobar: E se você se casasse com um homem rico, como a Eleonora? Será que não mudava de opinião, hein?!


Rosinha Lituana: Sai azar! Eu só me caso com trabalhador.


Darico Nobar: Mas não podemos mandar em nossos corações, Rosinha. Já pensou se apaixonar por um industrial ou pelo filho de um cafeicultor?


Rosinha Lituana: Vocês pensam que os ricos namoram a gente à sério? Eles só querem debochar da gente. Veja o que fizeram com a pobre da Corina. Escacharam ela de barriga e tudo.


Darico Nobar: Você sabe se a Corina conseguiu...


Rosinha Lituana: Puxa, Camarada Darico! [Olha assustada para o pequeno relógio de pulso e se levanta do sofá]. Esse intervalo não durou nada. [Apresentador e entrevistada se cumprimentam com as mãos]. Preciso voltar para a fábrica. E para a revolução!


Darico Nobar: Mesmo que custe a vida?


Rosinha Lituana: Que importa morrer de bala em vez de morrer de fome! Tchau. Ainda tenho que passar na latrina.


[A moça passa um pente desdentado nos cabelos que esvoaçam e caminha para fora do palco. Sutilmente, dois sujeitos mal-encarados de terno e gravata se levantam da plateia e a acompanham de perto. O trio sai do auditório, opaco e iluminado, indiferente aos estômagos vazios da maioria que dorme atirada nas ruas. Diante da televisão, a aristocracia pequeno-burguesa tem raiva daqueles sem dinheiro e que se preocupam com os desassistidos].


Darico Nobar: Pessoal, esse foi o Talk Show Literário desta noite. Na semana que vem, trarei mais uma entrevista ao vivo e exclusiva para vocês. Até lá!


[As batidas de palma do público são abafadas pela volta do som da banda. A canção agora é o hino da Internacional. Durante o show musical, os créditos do programa sobem na tela].


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O Talk Show Literário é o programa de televisão fictício que entrevista as mais famosas personagens da literatura. Assim como ocorreu nas seis primeiras temporadas, neste sétimo ano da atração, os convidados de Darico Nobar, personagem criada por Ricardo Bonacorci, são os protagonistas dos clássicos brasileiros. Para acompanhar as demais entrevistas, clique em Talk Show Literário. Este é um quadro exclusivo do Blog Bonas Histórias.


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