Não é de hoje que a unidade paulistana do Japan House, centro cultural mantido pelo governo japonês em diversas metrópoles globais, apresenta as exposições mais criativas da cidade de São Paulo. Invariavelmente, o público sai surpreendido de suas instalações. Os motivos são variados: alta tecnologia empregada (como a utilizada na sensacional “A Light un Light” de 2018), pelas experiências sinestésicas oferecidas (melhor exemplo foi “Aromas e Sabores” em 2018) e pelas propostas inusitadas (“Architecture for Dogs: Arquitetura para Cães” de 2019 foi divertidíssima). O resultado mais prático da excelência artístico-cultural da Japan House é que o local se transformou em passeio obrigatório para quem gosta de boas e diferenciadas mostras. Comigo não foi diferente. Confesso que não passo três meses sem dar uma conferida no que está rolando por lá.
Nesta semana, aproveitei que estava na Avenida Paulista e visitei mais uma vez o centro cultural. Das duas exposições em cartaz atualmente na Japan House, a que achei mais interessante foi “Japão em Sonhos”. Apresentada no andar térreo do edifício, esta mostra permite aos visitantes uma imersão audiovisual por elementos tradicionais da cultura japonesa. Através de projeções em grande escala em mapeamento de vídeo (técnica conhecida como Video Mapping) nas quatro paredes do espaço e de trilhas sonoras ao mesmo tempo delicadas e impactantes, somos expostos a ícones orientais: os samurais, os templos com sua arquitetura típica, as gueixas, as artes marciais, a religiosidade, as crenças sobrenaturais, as montanhas, os festivais tradicionais, as personalidades históricas, a fauna, a flora, os hábitos alimentares, os objetos e os utensílios. Isso tudo é apresentado por uma perspectiva extremamente onírica.
Achei a proposta desta instalação simplesmente sensacional. Utilizando-se de elementos aparentemente simples (vídeo e som), “Japão em Sonhos” consegue encantar o público, principalmente os visitantes que se identificam diretamente com a cultura retratada. O público em geral compreenderá a maioria das referências pois muitas são amplamente conhecidas. Porém, somente os visitantes de ascendência oriental ou familiarizados com a realidade japonesa entenderão as especificidades apresentadas.
Criada pela empresa Danny Rose Studio, “Japão em Sonhos” foi apresentado no ano passado em Paris. Suas imagens são inspiradas nas gravuras do ukijo-e, movimento artístico japonês do século XVII que se tornou popular no Ocidente no século XIX. Já a trilha sonora foi extraída do trabalho de Ryuichi Sakamoto, músico japonês contemporâneo. Em conjunto com as faixas orquestrais de Sakamoto, há ainda sons extras como tambores japoneses e ruídos da fauna e da flora local. O conjunto audiovisual é o que mais impressiona. Porque separados, eles (som e vídeo) não têm tanta graça. Porém, integrados, eles adquirem força e contundência capazes de emocionar as almas mais sensíveis.
Parte do impacto de “Japão em Sonhos” está atrelado ao fato de a exposição não ser 100% uniforme (refiro-me ao conteúdo exposto nas quatro paredes da sala). Cada uma das quatro faces da projeção possui alguma sutil diferença. Assim, o público não fixa seu olhar apenas em uma parede. Muitas vezes, a vontade é de espiar o que está acontecendo em todos os lados do ambiente (algo que, além de ser humanamente impossível, é atrapalhado pela característica do espaço, que tem vigas no centro e não é totalmente quadrado). Além disso, repare que as projeções também incidem sobre o chão da sala (muitas vezes, acabamos nos atentando apenas às paredes).
Nem tente procurar uma narrativa linear ao longo de “Japão em Sonhos”. Como toda boa experiência onírica, não há uma linha mestre pautando as encenações. Personagens históricos, acidentes geográficos, objetos de uso cotidiano, festivais religiosos, manifestações culturais, fenômenos da natureza, animais e plantas se revezam aleatoriamente nos vídeos. No começo, estamos em uma floresta habitada por espíritos. Depois, a tela é tomada por A Grande Onda de Kanagawa, de Katsushika Hokusai. Dessa maneira, somos atirados ao fundo do mar. Lá, podemos ver a riqueza marinha da ilha oriental. Daí em diante somos levados a diferentes cenários: cerejeiras em flor surgem em leques ornamentados; visitamos as casas medievais japonesas; assistimos aos duelos de artes marciais; presenciamos o festival realizado com velas sagradas; etc. Quase sempre o tom fantástico sobressai sobre a realidade concreta. Dessa forma, acabamos levados para o mundo mágico do Japão dos sonhos, fantasias e/ou memórias.
As escolhas dos elementos visuais desta exposição foram excelentes. A impressão que temos em “Japão em Sonhos” é de estarmos em um mangá eletrônico. A beleza da mostra é passada aos poucos para os visitantes. No início, confesso ter achado a proposta um tanto inocente e tola. Contudo, à medida em que a apresentação foi evoluindo, acabei encantado com sua ideia e, principalmente, com sua execução. Saí maravilhado do centro cultural. O casamento perfeito entre imagens e sons torna única e encantadora a experiência dessa viagem virtual.
Outro aspecto que precisa ser elogiado é que o público se senta no chão para assistir as projeções (não tem nada mais oriental do que se sentar no chão, né?). Além de conferir um ar japonês à sala, isso aproxima um pouco mais os participantes. A única coisa que pode suscitar alguma polêmica é o número de pessoas colocado na sala em cada sessão. À princípio, considerei excessiva a quantidade de participantes alocadas ali. Afinal, quanto mais indivíduos no recinto, mais difícil é para ver as projeções. Porém, depois entendi que até mesmo essa dificuldade faz parte da própria experiência visual da exposição (as cabecinhas dos participantes juntam-se perfeitamente às imagens projetadas). Como há muitos orientais na sala, a sensação de estarmos no Japão se potencializa ainda mais. Além disso, como algumas pessoas ficam de pé atrapalhando um pouco o alcance de nossa visão do que está acontecendo em algumas paredes, a impressão é de estarmos nas ruas entupidas de Tóquio. Até nisso, consciente ou inconscientemente, “Japão em Sonhos” acertou.
Na minha sessão, notei que havia um público saudosista de sua terra natal. Eram senhores e senhoras de descendência japonesa que puderam recordar-se de sua infância e de seus ancestrais. Muitos eram bem velhinhos mesmo. Foram eles os que ficaram mais emocionados (enquanto isso, muitos adolescentes não desgrudaram os olhos de seus celulares, não acompanhando nada ou quase nada das projeções nas paredes...).
“Japão em Sonhos” tem duração de mais ou menos 15 minutos. Assim que acaba uma sessão, outra já começa. Mal o público sai, um novo grupo entra. Tudo é muito bem organizado no Japan House. Como fui em uma quarta-feira à tarde ao centro cultural, peguei uma fila pequena e rápida. Tive muita sorte. Uma nova sessão iniciou assim que entrei em sua fila. Não devo ter esperado nem 2 minutos. Quem for em um final de semana, não espere encontrar a mesma sorte.
“Japão em Sonhos” entrou em cartaz em 18 de fevereiro, na época do Pré-Carnaval paulistano, e ficará em exposição até 26 de abril. Ou seja, ainda há quase um mês e meio para você conferi-lo. A entrada é gratuita e o centro cultural japonês abre de terça a domingo (só fecha às segundas-feiras). A exposição é recomendada para todas as faixas etárias (há inclusive um pequeno espaço destinado para quem precisa ficar sentado em bancos). Dependendo do dia em que você for, prepare-se para pegar uma fila considerável. Aos finais de semana, você ficará mais tempo na fila (de meia hora a uma hora) do que na sessão propriamente dita (de 15 minutos de duração).
Aproveitando que você estará lá, veja também a outra exposição em cartaz no segundo andar do Japan House. Até 12 de abril, “Construção”, instalação sobre o “escultor de espaços” Tadashi Kawamata, está sendo apresentada gratuitamente aos visitantes. Dessa mostra falarei em um próximo post da coluna Exposições. Não perca as novidades desta seção do Bonas Histórias!
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