Hoje, vamos falar mais sobre o Ballet na coluna Dança. Já abordei alguns pontos desse tema quando fiz uma breve retrospectiva histórica da arte dançante, no post de setembro do Bonas Histórias. Agora é a vez de mergulharmos para valer nos detalhes, na história, nas curiosidades e nas características do Ballet Clássico, uma das modalidades mais importantes e influentes da dança. As provas dessa relevância surgem quando notamos o quanto o Ballet Clássico possui um universo próprio: é um estilo altamente técnico; seus praticantes utilizam-se de um vocabulário específico; é praticado em todos os continentes seguindo a mesma linha conceitual; e suas músicas são as clássicas (normalmente de compositores como Beethoven, Mozart e Schubert). Essas características só reforçam a mística de ser uma dança tradicional e com ares de nobreza.
O Ballet Clássico surgiu, no século XV, na corte italiana, onde era chamado simplesmente de balleto, que significa bailar. A primeira apresentação do balleto que se tem registro ocorreu em 1489, na comemoração do casamento do Duque de Milão com Isabel de Árgon. Nessa época, os nobres italianos divertiam-se e entretinham seus convidados com apresentações de balleto e com sessões de poesia, música e mímica. E até mesmo nos eventos mais simples, a dança era praticada necessariamente com figurinos elegantes, com cenários pomposos e com vestimentas pesadas e volumosas. Um dos grandes artistas responsáveis pela criação dos trajes e dos cenários do balleto foi Leonardo da Vinci (outra das façanhas do mestre renascentista!).
Vale a pena destacar que para a nobreza italiana do século XVI era essencial saber dançar. Essa atividade fazia parte de sua educação e era vista como parte integrante da socialização na corte. Dessa forma, surgiram os primeiros professores de dança, que viajavam por diversas regiões ensinando essa arte para os nobres que queriam fazer bonito em eventos públicos e privados.
Das terras italianas, a dança partiu para a França no início do século XVII. Foi na corte de Henrique IV que a modalidade ganharia maior destaque e seu nome definitivo – ballet. Quem levou o balleto/ballet para a França foi a princesa florentina Maria de Médice. Ao se casar com o rei Henrique IV, em 1600, ela disseminou a prática dançante de sua região para a corte francesa. Rapidamente, os nobres franceses incorporaram aquela arte à sua rotina e aos seus eventos sociais.
Ao longo do século XVI, a corte francesa valorizou cada vez mais esta dança e a aprimorou. No território francês, o auge do ballet se deu no reinado de Luís XIV. O monarca era um amante inveterado do ballet. Ele começou a praticar a modalidade muito cedo, ainda criança. Aos doze anos, já rei da França (posto ocupado desde os cinco anos), Luís XIV fez sua primeira apresentação dançante nos salões da nobreza. Em seus espetáculos, o rei fazia questão de representar papéis de deuses ou de personagens míticos poderosos. Depois de uma apresentação que durou doze horas e de suas belas atuações no Baile de la Nuit, ele ganhou a alcunha de “Rei do Sol”. Em 1661, Luís XIV fundou a Academia Real de Ballet e, em 1669, a Escola Nacional do Ballet.
Na França, o ballet cresceu muito mais do que na Itália. Exatamente por isso, muitos dos termos que usamos até hoje são franceses (e não italianos) e são originários daquela época. O professor Charles-Louis-Pierre de Beauchamp, diretor da Academia Real de Ballet, foi o responsável pela criação das cinco posições básicas do Ballet Clássico e pela elaboração de uma codificação da dança clássica, elementos praticados pelos dançarinos atuais. Não à toa, Pierre Beauchamp é considerado o primeiro grande mestre do Ballet Clássico.
Foi só no fim do século XVII que a Escola de Dança passou a formar as primeiras bailarinas mulheres. Até então, o ballet era restrito ao universo masculino. Por mais difícil que seja imaginar algo assim aos olhos das pessoas do século XXI, não se aceitavam, nos primórdios, dançarinas do sexo feminino nas aulas e nos espetáculos desta modalidade. Nas apresentações de ballet, os homens faziam tanto os papéis masculinos quanto os femininos.
Os figurinos dessa época eram pesados, com estruturas que não ajudavam na execução dos movimentos. As sapatilhas eram pesadas, com pontas de metal para possibilitar que os bailarinos ficassem na ponta dos pés. Marie Camargo foi uma bailarina famosa e inovadora em seu tempo. Em uma ousadia ímpar, ela fez uma apresentação de ballet encurtando as saias e usando sapatilhas bem mais leves. Assim, deixou que seus movimentos, piruetas e saltos pudessem aparecer com muito mais clareza e desenvoltura para o grande público. As novidades trazidas por Marie Camargo foram incorporadas ao ballet e com o tempo se tornaram o novo padrão dessa dança.
Os tempos de glória do ballet na França duraram até 1830. Após a Revolução de Julho de 1830, esse estilo entrou em acentuado declínio. Contudo, na Itália, na Dinamarca e, principalmente, na Rússia, ele continuou sendo aprimorado. Como se desenvolveu, a partir de então, em vários países, mesmo tendo como base conceitual a escola francesa, o ballet ganhou algumas características peculiares em cada região praticada. Assim, originaram-se os estilos diferentes que conhecemos hoje.
A dança típica da nobreza europeia chegou à Rússia, um dos grandes palcos históricos do ballet, apenas no século XVIII. A iniciativa foi do Czar Pedro, o Grande. Interessado em modernizar o país, até então muito isolado e atrasado, ele promoveu uma “ocidentalização” da corte russa e incorporou práticas culturais da França, Itália, Alemanha e Inglaterra. O ballet veio a reboque de outras práticas típicas da nobreza europeia. Contudo, coube a Czarina Anna Ivanova, sucessora de Pedro, o Grande, o mérito de fundar a primeira escola de ballet na Rússia, em 1738. Inicia-se, a partir daí, uma nova fase dessa modalidade.
O francês Marius Petipa, que se instalara, em 1847, em São Petersburgo, então capital do Império russo, foi o responsável por promover importantes inovações para o ballet russo. Ele criou coreografias mais complexas e desenvolveu espetáculos mais longos. Foi, a partir de sua parceria com o compositor Piotr Ilitch Tchaikovsky, que nasceram três dos mais famosos espetáculos de ballet de todos os tempos: o “Quebra-nozes”, o “Lago dos Cisnes” e a “Bela Adormecida”. Mesmo tendo feito muito sucesso e sendo um nome histórico do Ballet Clássico, no final da sua carreira, Petipa era considerado ultrapassado e um tanto antiquado.
No século XX, o responsável por trazer novos ares ao ballet foi o russo Serge Diaghilev. Ele inaugurou um novo período do Ballet Clássico ao criar sua própria companhia de dança e por desenvolver a Escola Russa de Ballet. Foi Diaghilev quem abriu espaço para grandes nomes do ballet como Anna Pavlova, Tamara Karsaviana e Vaslav Nijinsky. Com uma técnica apurada e a busca incessante pela perfeição, essa escola iria se espalhar, mais tarde, pelos Estados Unidos e pela Inglaterra.
Nascida no século XVIII, em Moscou, a Academia de Ballet Bolshoi, considerada a principal companhia de ballet da Rússia, se tornou referência mundial no início do século XX. Com espetáculos encenados no Teatro Bolshoi, o templo internacional dessa modalidade, a escola moscovita passou a representar o que há de melhor no ballet. Não é errado afirmar que Serge Diaghilev e Academia de Ballet Bolshoi foram os responsáveis por elevar a qualidade do ballet russo e de espalhá-lo para as demais regiões do planeta, entre elas a América Latina.
No Brasil, a primeira apresentação de Ballet Clássico ocorreu, em 1813, no Rio de Janeiro. O espetáculo foi encenado para a família real portuguesa e para os nobres luso-brasileiros. Lembremos que, em 1808, a corte do príncipe regente D. João VI precisou fugir da Europa (invasões napoleônicas) e veio se abrigar em terras cariocas. Familiarizados com o ballet em sua terra natal, os nobres lusitanos já conheciam esse tipo de dança, uma novidade apenas para os brasileiros.
No século XX, o ballet brasileiro foi influenciado mais pelo ballet russo do que pelo francês. As companhias de Serge Diaghilev e Anna Pavlova, por exemplo, ajudaram no desenvolvimento da dança em nosso país. O estilo russo moldou a técnica de nossas escolas e das nossas principais dançarinas, como Dalal Achcar, Márcia Haydée e Ana Botafogo.
O Ballet Clássico é a modalidade mais tradicional do Ballet. Sua técnica é altamente acadêmica e muito metódica. Dentro desse estilo, temos a escola francesa, a italiana e a russa, por exemplo. Essa distinção regional faz com que o ballet possua algumas variações de país para país. É verdade que, na maioria das vezes, essas diferenças sejam bem sutis, tanto nas técnicas quanto na execução dos movimentos, mas elas existem e não podem ser ignoradas.
Como características principais do Ballet Clássico, temos: a técnica e a busca pela perfeição como base conceitual; postura ereta do dançarino (trabalho do corpo na posição vertical-alongada); o uso da música clássica; e movimentos executados com o pé na posição em dehors (o giro dos pés e pernas para fora).
Na segunda metade do século XX, o Ballet sofreu forte influência da Dança Moderna, uma modalidade menos acadêmica e menos formal. Como consequência dessa influência, surgiu o Ballet Moderno. Nele, há uma amplitude maior dos movimentos e do repertório musical. Não quero, por ora, me estender muito nas definições e variações do Ballet Moderno porque ainda vou fazer um post específico sobre esse tema na coluna Dança. Aguardem, por favor!
O importante é saber que o Ballet tem uma longa e rica trajetória. Seu desenvolvimento histórico foi muito importante para a evolução da dança como um todo. Ele influenciou direta e indiretamente outros estilos. Na certa, o Ballet deverá continuar existindo por muitos e muitos séculos e se adaptando aos novos tempos. Antes de terminar, gostaria de inspirá-los a dançar com uma frase de uma das nossas grandes bailarinas, Ana Botafogo. Certa vez, ela disse: “A bailarina tem que melhorar tudo sempre”.
No nosso próximo encontro no Bonas Histórias, em dezembro, a proposta é falarmos de uma das minhas grandes paixões dentro da dança: a Dança de Salão. Não percam os novos posts da coluna Dança.
Dança é a coluna de Marcela Bonacorci, dançarina, coreógrafa, professora e diretora artística da Dança & Expressão. Esta seção do Bonas Histórias apresenta mensalmente as novidades do universo dançante. Gostou deste conteúdo? Não se esqueça de deixar seu comentário aqui. Para acessar os demais posts sobre este tema, clique na coluna Dança. E aproveite também para nos acompanhar nas redes sociais – Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn.