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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

  • Foto do escritorRicardo Bonacorci

Livros: A Arte do Romance - O ensaio literário de Milan Kundera


A Arte do Romance de Milan Kundera

Milan Kundera faz parte do grupo de artistas que não gosta da imprensa. Ele faz qualquer coisa para não precisar falar sobre seu trabalho de escritor. Essa postura introspectiva e avessa aos holofotes prosseguiu até mesmo durante as décadas de 1980 e 1990, quando o romancista tcheco se tornou um best-seller mundial. Ao longo da carreira, Kundera concedeu raras entrevistas e publicou pouquíssimos artigos literários. Certa vez, ele chegou a escrever:


“Maldito seja o escritor que permitiu pela primeira vez que um jornalista reproduzisse livremente suas opiniões. Ele começou o processo que só poderá levar o escritor ao desaparecimento: aquele que é responsável por cada uma de suas palavras. No entanto, gosto muito do diálogo (forma literária maior) e fiquei feliz com muitos colóquios refletidos, compostos, redigidos em concordância comigo. Ora, a entrevista tal como é praticada em geral não tem nada a ver com um diálogo (...). Em junho de 1985, decidi firmemente: entrevistas nunca mais”.


Infelizmente, quem mais perde com a ausência de comunicação de Kundera é o público que o admira. Por isso, os fãs do autor de “A Insustentável Leveza do Ser” (Companhia das Letras) ficaram extremamente empolgados quando, em 1986, foi publicado “A Arte do Romance” (Companhia das Letras). Neste ensaio literário, o escritor tcheco reúne sete textos independentes em que o assunto principal é o desenvolvimento da literatura europeia e os aspectos de sua própria criação ficcional.

 Milan Kundera

Aproveitando-se de entrevistas, artigos, palestras e discursos realizados no passado, Milan Kundera produziu uma reflexão profunda, abrangente e extremamente atual sobre vários aspectos da produção romanesca: por que um romancista escreve?; qual o papel do romance?; quais os perigos da tradução?; como é a estrutura e a estética (estilo literário) de sua literatura?; quem foram os autores que o influenciaram?; e quais as mensagens fundamentais de suas obras? São temas que muito possivelmente os leitores mais apaixonados de Kundera iriam questionar o autor em algum momento.


O resultado de “A Arte do Romance” é incrível, além de ser um texto muito original! Eu já havia lido esta obra há dois anos, quando a encontrei na estante da Livraria Cultura da Avenida Paulista. Agora, reli este ensaio com mais atenção e minha percepção sobre sua excelência foi mantida integralmente. O leitor acompanha estupefato as análises profundas e inteligentes de um escritor maduro e senhor de seu ofício. Milan Kundera prova que por trás de um escritor genial, há uma mente que não apenas conhece cada aspecto da história da literatura e dos clássicos que o influenciaram como refletiu bastante sobre cada detalhe de seu estilo narrativo. É uma delícia percorrer as páginas de “A Arte do Romance” e descobrir os porquês das características dos protagonistas de Kundera, de suas tramas e dos assuntos abordados em seus romances.


Quando este livro foi publicado, Milan Kundera já era um best-seller mundial e havia conquistado os principais prêmios literários de sua carreira. Ele ganhou, por exemplo, o Commonwealth Award de Literatura de 1981 e o Prêmio Jerusalém de 1985, ambos pelo conjunto da obra. Seu principal sucesso também já havia sido lançado. “A Insustentável Leveza do Ser”, romance icônico de sua década, é de 1983. Por isso, o autor tinha muita coisa para falar e já havia angariado uma plateia ávida por suas palavras. Evidentemente, o público-alvo deste ensaio é constituído por quem se interessa pelos aspectos conceituais, estruturais e práticos da produção da literatura (estudantes de Letras, jovens escritores, críticos literários...) e não pelos simples leitores recreativos das histórias ficcionais.

Livro A Arte do Romance de Milan Kundera

“A Arte do Romance” possui 168 páginas. Seus sete ensaios (chamados de partes pelo autor) receberam os seguintes títulos: “A Herança Depreciada de Cervantes”, “Diálogo sobre a Arte do Romance”, “Anotações Inspiradas por Os Sonâmbulos”, “Diálogo sobre a Arte da Composição”, “Em Algum Lugar do Passado”, “Sessenta e Três Palavras” e “Discurso de Jerusalém: o Romance e a Europa”.


Na primeira parte/ensaio, “A Herança Depreciada de Cervantes”, Kundera exalta o pioneirismo de “Don Quixote”, considerado por muitos como o primeiro romance. O tcheco faz uma retrospectiva da história da literatura europeia, de Miguel de Cervantes até a atualidade, período intitulado de “crise da humanidade europeia” e que levaria ao fim dos romances. Em “Diálogo sobre a Arte do Romance”, acompanhamos a entrevista concedida por Kundera a Christian Salmon, então crítico da Paris Review. A dupla debate de maneira profunda as particularidades da literatura de Milan Kundera (obras, personagens, estrutura e estilo) e a essência das tramas ficcionais europeias.


O terceiro ensaio do livro, “Anotações Inspiradas por Os Sonâmbulos”, apresenta uma análise profunda do autor sobre a trilogia de Hermann Broch, escritor alemão do início do século XX. Nessas páginas, Kundera comenta os aspectos formais das personagens e das ações da série “Os Sonâmbulos”, comparando-os às obras de outros escritores clássicos. Em “Diálogo sobre a Arte da Composição”, voltamos a acompanhar a segunda parte da entrevista concedida a Christian Salmon. Agora, o escritor tcheco volta seu olhar para os detalhes da composição de seus livros.

Livro A Arte do Romance de Milan Kundera

“Em Algum Lugar do Passado”, o quinto ensaio da obra, é a análise sobre o legado das obras de Franz Kafka, o mais famoso autor tcheco da história. “Sessenta e Três Palavras”, por sua vez, começa com Kundera relatando suas frustrações com os trabalhos de vários dos tradutores de suas obras. Assim, ele decidiu produzir um pequeno dicionário pessoal com alguns termos. Com isso, o autor acredita conseguir externar parte da sua concepção de mundo e de literatura para os leitores que não conhecem a língua tcheca. E o último ensaio, “Discurso de Jerusalém: o Romance e a Europa”, é a transcrição do discurso do autor durante a entrega do Prêmio Jerusalém. Naquela oportunidade, Milan Kundera falou sobre a trajetória histórica do romance e o seu papel para a formação da identidade cultural europeia.


Além de muito agradável, “A Arte do Romance” é uma leitura extremamente rápida. Não devo ter demorado mais do que três horas para percorrer este livro de ponta a aponta na última segunda-feira à noite. Quem gosta de Teoria Literária, quem aprecia a análise dos clássicos literários e quem se amarra na compreensão dos estilos narrativos, não pode deixar de conhecer “A Arte do Romance”.


Se Milan Kundera é normalmente tímido e retraído no contato pessoal, quando ele escreve acaba se agigantando. Além de ter muita coisa interessante para externar, ele também possui grande ciência da sua arte e das suas escolhas literárias. Nota-se que nada foi por acaso na estruturação de seus romances e na construção de suas personagens. Chega a ser admirável a explanação racional e objetiva sobre sua literatura. Ele explica os motivos, por exemplo, das personagens de “A Brincadeira” (Companhia de Bolso), “Risíveis Amores” (Companhia de Bolso) e de “A Insustentável Leveza do Ser”, obras analisadas neste mês no Desafio Literário, terem poucas descrições físicas e bibliográficas. Há também a explicação sobre a opção do autor em dividir seus trabalhos em sete partes (no início foi coincidência, para depois se transformar em uma busca obstinada por um padrão estético) e na aproximação da literatura com aspectos musicais e matemáticos. É simplesmente incrível!

 Milan Kundera

Outra parte impressionante de “A Arte do Romance” é quando Milan Kundera discorre sobre a história da literatura europeia, sobre o papel dos autores clássicos no desenvolvimento da cultura e da ficção em seu continente, sobre os caminhos do romance e sobre a mistura da filosofia com a narrativa em prosa. Nesta parte do livro, ele mostra toda a sua erudição e seu conhecimento analítico. Antes de ser um grande escritor, o tcheco demonstra ser um grande especialista em literatura e em filosofia (bagagem esta que o levou a ser bem-sucedido em seu ofício).


“A Arte do Romance” é leitura obrigatória para quem deseja conhecer os detalhes da literatura de Milan Kundera e para quem é fã do estudo da produção ficcional (portanto, da Teoria Literária, da Crítica Literária, da Historiografia Literária e da análise dos romances clássicos). Contudo, o leitor precisa realizar um trabalho prévio. Se você não tiver lido nenhum livro do autor nem for íntimo dos clássicos da ficção europeia, na certa não vai achar muita graça nas explanações apresentadas por Kundera. Aí a chance de você ficar boiando é grande. Não cometa esse equívoco, por favor!


No próximo domingo, dia 22, daremos sequência às análises dos livros de Milan Kundera com um novo post no Bonas Histórias. Será a vez de falarmos de “A Imortalidade” (Companhia das Letras), a quinta obra do escritor tcheco que estamos estudando no Desafio Literário de setembro. Publicado em 1990, “A Imortalidade” é o romance que inaugura uma nova fase da literatura de Kundera. Vale a pena conhecer este livro. Até lá!


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