Na semana passada, li algo que atiçava minha curiosidade há pelo menos cinco anos. “Sábado à Noite” (Generale) é o primeiro romance da trilogia homônima de Babi Dewet, escritora carioca especializada em literatura jovem (a nova nomenclatura para as velhas tramas infantojuvenis). Minha curiosidade tinha uma explicação lógica. Em 2015, eu trabalhava como ghost writer para a Editora Évora, dona do selo Generale (por falar nisso: Henrique Farinha, estou aguardando meu pagamento até hoje!!!). Naquele momento, os livros da série “Sábado à Noite” estavam no auge. O lançamento do terceiro título da coletânea de Dewet, no ano anterior, havia recebido grande investimento da editora e tinha mobilizado os fãs da autora. Todos pareciam ávidos por conhecer o desfecho da história.
Sem tempo para ler a obra de Babi Dewet naquela época (na verdade, acabei priorizando outros títulos, como os posts da coluna Livros – Crítica Literária podem comprovar), acabei postergando esta leitura. E como adiei, né? Confesso que fui deixando para depois e depois e depois e nada de lê-lo. Aí já viu: cinco anos passam como um piscar de olhos. E quando puxei o romance de Dewet da prateleira de casa, no final de semana retrasado, ele acumulava alguma poeira. O importante é que, enfim, consegui mergulhar na narrativa dos garotos de uma banda de rock misteriosa que se apresentavam mascarados para os colegas da escola. Quem disse que o Bonas Histórias não é eclético, hein?
Curiosamente, “Sábado à Noite” nasceu da experiência de Babi Dewet, cujo verdadeiro nome é Bárbara Dewet, como escritora de fanfictions. Fã da banda britânica de rock McFly, a carioca começou a escrever, em 2006, uma fanfic inspirada no universo musical dos seus ídolos estrangeiros. A trama era compartilhada em um site com os demais fãs do grupo, que podiam opinar e dar feedbacks sobre o que estavam lendo. Pouco a pouco, “Sábado à Noite” tornou-se um sucesso na Internet, atraindo um público diferente do original.
Empolgada com a receptividade positiva dos leitores, Babi decidiu lançar esta história em um livro independente. Dessa forma, em 2010, a primeira parte de sua narrativa ganhou uma versão impressa. A partir da coragem e do empreendedorismo da jovem escritora, foram vendidas aproximadamente mil unidades deste título. A repercussão da iniciativa de Dewet atraiu a atenção da Editora Évora. E, assim, “Sábado à Noite” foi publicado, em 2012, pelo selo Generale.
As sequências da trilogia não demoraram para sair. Já em 2013, chegava às livrarias do país “Sábado à Noite: Dos Bailes para a Fama” (Generale), a segunda parte da série de Babi Dewet. E em 2014, o público conheceu o desfecho desta história com a publicação de “Sábado à Noite: Com Amor e Música” (Generale), a terceira e última parte da saga.
Formada em Cinema e apaixonada por música, Babi mora atualmente em São Paulo e continua escrevendo romances infantojuvenis com a temática musical. Sua série narrativa seguinte foi “Cidade da Música”. O primeiro título dessa coletânea se chama “Sonata em Punk Rock” (Gutenberg). Ele foi lançado em 2016. De certa forma, esse novo romance da autora pode ser visto como a versão feminina e mais velha de sua primeira coleção. Depois de “Sonata em Punk Rock”, Babi Dewet publicou outras tramas musicais: "K-pop – Manual de Sobrevivência" (Gutemberg), em 2017; "Allegro em Hip-Hop" (Gutemberg), em 2018; e "K-pop – Além da Sobrevivência" (Gutemberg), em 2019.
“Sábado à Noite” se passa em um colégio particular de Alta Granada, uma cidade fictícia com ares de município pequeno do interior do país. Neste ambiente escolar, temos dois grupos antagônicos de jovens do segundo ano do ensino médio. O primeiro grupinho é formado por Amanda Mandy e suas amigas, Guida, Anna, Carol e Maya. As garotas são lindas e extremamente populares. Elas despertam a atenção e a admiração de todos os colegas. Na ponta oposta da hierarquia estudantil, temos Daniel Marques e seus amigos, Bruno, Rafael, Caio e Fred. Chamados de “Perdedores” pelos demais alunos da escola, esses meninos apresentam características ora de nerd ora de encrenqueiros. De qualquer maneira, a maioria dos estudantes evita falar e interagir com eles, principalmente as integrantes do grupo das belas e populares.
Apesar do grande “abismo social” (ao menos do ponto de vista da hierarquia estudantil), Amanda e Daniel acabam se tornando namorados. Os dois adolescentes de dezesseis anos são apaixonados um pelo outro há muito tempo. O relacionamento do jovem casal é atrapalhado por um detalhe nada insignificante. Guida, a melhor amiga de Amanda, também é maluca por Daniel. Para não estragar sua amizade com Guida, Amanda sempre tentou abafar seus sentimentos pelo garoto que ama. Contudo, ela não conseguiu.
Para não ser vista como a amiga traidora, Amanda Mandy pede para Daniel Marques manter o relacionamento amoroso deles oculto. Ninguém na escola pode saber que os dois estão juntos. Porém, ela não explica o motivo desse segredo para o namorado. Assim, o rapaz entende que a razão para a clandestinidade do relacionamento seja a vaidade da moça. Do ponto de vista de Daniel, Amanda não quer ser vista ao lado de um integrante da ralé, um dos Perdedores do colégio.
Nesse meio tempo, a banda de rock de Daniel, Bruno, Rafael e Caio, chamada de Scotty, passa a se apresentar aos sábados à noite (daí o título da obra de Babi Dewet) nos bailes da escola. Para não ser reconhecido pelos colegas, o quarteto musical aparece sempre mascarado. O sucesso é imediato. Os rapazes se tornam admirados pelas garotas, que anseiam vê-los em cima do palco em todos os finais de semana. Assim, Daniel e seus amigos passam a ter uma “vida dupla”. Durante a semana são os Perdedores. E aos finais de semana, eles são os ídolos misteriosos dos colegas. Trata-se de um conto de fadas com uma pegada masculina, infantojuvenil e moderna.
À medida em que o abismo das realidades de Daniel e Amanda vai se acentuando, o casal de adolescentes terá cada vez mais dificuldade para manter seu namoro escondido. Amanda ama incondicionalmente Daniel, mas ela também valoriza a longa e sincera amizade com Guida. A jovem protagonista do romance precisará fazer sua escolha: a amizade pela colega mais próxima ou a paixão pelo garoto encrenqueiro da escola?
“Sábado à Noite” possui aproximadamente 330 páginas. Elas estão divididas em 45 capítulos. Demorei cerca de quatro noites para concluir esta obra. Iniciei a leitura no domingo retrasado e a finalizei apenas na quarta-feira passada. Para ser sincero, fiquei muitíssimo frustrado com o conteúdo deste livro. Essa avaliação talvez explique o ritmo tão lento da minha leitura. Uma obra desse tamanho, eu consigo devorar tranquilamente em dois dias/noites. Obviamente isso só acontece quando o título me seduz ou intriga, né? Definitivamente, não foi o caso dessa vez...
“Sábado à Noite” deve ter sido a pior publicação que li neste ano. E tal fato não é pouca coisa. Como estamos no finalzinho de dezembro, devo estar próximo de atingir a marca de 150 livros lidos em 2020! Desculpe-me pela franqueza, Babi, mas fiquei profundamente decepcionado com seu romance de estreia. Tenho certeza de que de lá para cá sua literatura tenha se desenvolvido exponencialmente. Entretanto, seu primeiro livro beira o amadorismo.
Não é porque um título seja direcionado ao público infantojuvenil que ele possa ter tantas inconsistências narrativas e tantas inverossimilhanças (os pecados mortais para qualquer obra literária). Recordo-me agora de excelentes livros para crianças e adolescentes, como “O Gênio do Crime” (Global), de João Carlos Marinho da Silva, “A Ilha Perdida” (Ática), de Maria José Dupré, “A Turma da Rua Quinze” (Ática), de Marçal Aquino, e “O Mistério do Cinco Estrelas” (Ática) de Marcos Rey. E em nenhum momento, essas tramas duvidaram da inteligência dos leitores mirins. Pelo contrário, elas exploraram a imaginação e a capacidade analítica da molecada. Por isso mesmo, são lidas até hoje e se tornaram clássicos de seu gênero.
Entre os vários problemas deste romance de Babi Dewet, temos muitas passagens inverossímeis. Esse talvez seja o principal defeito de “Sábado à Noite”. Em primeiro lugar, garotos e garotas de dezesseis e dezessete anos não têm o hábito de dirigir carros no Brasil. Pelo amor de Deus, menores de idade NÃO DIRIGEM!!! Um ou outro pode até pegar de vez em quando o veículo dos pais para dar uma voltinha por aí. Porém, dizer que a maioria dos alunos do colégio vai e volta da escola e passeia aos finais de semana guiando seus carros é um grande absurdo. Ou a autora transfere sua narrativa para os Estados Unidos (onde isso realmente acontece) ou aumenta a idade dos seus protagonistas.
E o que dizer, então, de duas grandes amigas que falam tudo uma para outra, menos o nome do(s) rapaz(es) em que estão apaixonadas?! Esse segredinho entre as melhores amigas não me parece nem um pouco factual. Amanda acreditar que Guida está apaixonada por Daniel é um absurdo gritante. Grandes amigas contam tudo uma para outra, INCLUSIVE o nome do amado. Por isso, a atitude de Guida, algo fundamental para a construção do conflito do livro, de esconder de Amanda a identidade do garoto por quem é apaixonada vai por água à baixo quando o leitor analisa minimamente esta trama. Para piorar ainda mais o cenário, fica evidente desde as primeiras páginas quem é o rapaz que Guida gosta (e ele não é Daniel!). Não apenas o leitor consegue perceber como as amigas mais próximas da moça também notam. Menos Amanda, é claro! Ai, ai, ai. Não gosto quando o autor acha que seu leitor é burro.
Além das inverossimilhanças, este romance tem várias passagens que são uma afronta ao bom senso. Como ninguém ao redor de Daniel, Bruno, Rafael e Caio percebeu que eles praticam música?! E o que dizer da incrível coincidência da professora de Artes em reunir todos os casaizinhos da trama em duplas para um trabalho romântico (em um Dia dos Namorados fora de época)?! Por que quase todo mundo entra na casa alheia sem bater na porta ou tocar a campainha? Alguém acha real o fato de vários adolescentes morarem sozinhos, sem a presença frequente dos pais?! E por que Amanda e Daniel esperam a chuva passar para irem embora da praia se eles estão dentro do carro?! Pelo amor de Deus, “Sábado à Noite” é uma afronta à inteligência de qualquer leitor.
Outra questão que não gostei foi da americanização (ou seria anglonização?) da trama. Além de dirigirem aos dezesseis anos (algo tipicamente dos Estados Unidos), os adolescentes do livro comem ovo e hambúrguer no café da manhã (ou seria no breakfast?), só ouvem bandas britânicas e se chamam pelo sobrenome (no Brasil de Babi Dewet, o sobrenome é mais usado pelas pessoas do que os apelidos!). Ou a autora leva sua narrativa para outro país ou ambienta corretamente suas personagens no lugar onde a história se passa (Brasil!). Sei que “Sábado à Noite” nasceu de uma fanfic de McFly (talvez a explicação para sua anglonização resida justamente daí), mas isso não o torna imune aos vários tropeços, principalmente em relação à ambientação.
Também achei excessivos os erros de digitação e de pontuação para um romance publicado por uma editora tão renomada. Esse tipo de falha é até aceitável em fanfics, mas não em obras impressas. Nesse ponto, isento a autora de responsabilidade. A culpa é de quem fez a revisão ou de quem publicou o livro sem um olhar atento nesse sentido.
Por fim, achei confusa a intertextualidade desta história. Dewet utiliza um amplo repertório pop para ambientar o dia a dia das suas personagens. Isso é muito legal. Além de um mergulho no universo musical (algo muitíssimo bem-feito), “Sábado à Noite” pode ser visto como uma imersão saborosa ao cinema das décadas de 1980 e 1990 e à literatura do finalzinho do século XX. Porém, Dewet derrapou ao misturar filmes, livros e músicas de diferentes épocas à realidade e aos gostos dos adolescentes de hoje em dia (mais uma grave inconsistência narrativa). Temos, por exemplo, jovens fãs de “E.T. – O Extraterrestre” (E.T. – The Extra-terrestrial: 1982) e de “De Volta Para O Futuro” (Back to the Future: 1985), filmes do início da década de 1980, de “Tartaruga Ninja” (Teenage Mutant Ninja Turtles: 1990), sucesso dos anos 1990, e “American Pie”, franquia cinematográfica popular nos anos 2000. Acredito que a autora seja fã desses clássicos, mas não me parece lógico acreditar que os adolescentes dos anos 2000 vão correr para uma locadora para assistir a “E.T.” em um final de semana ao lado de seus amigos. Talvez Babi fizesse isso na sua infância e adolescência, mas os jovens de hoje na certa não fazem.
Minhas frustrações quanto à narrativa de “Sábado à Noite” são maiores porque em alguns aspectos a história do livro é interessante. Gostei muito do final aberto do romance, que dá margem para a sequência da trama. A pegada romântica é muito bem construída por Babi Dewet, assim como o ambiente musical e o universo dos estudantes na escola. Há boas cenas e personagens surpreendentes (Kevin e Fred são ótimos!). Admito que da metade para o final, “Sábado à Noite” se tornou uma leitura mais interessante. O drama do jovem casalzinho chega a empolgar os corações mais românticos. Por isso, achei uma pena as várias falhas do enredo e da narrativa. Babi Dewet é uma escritora que merecia um bom editor ao seu lado (e um revisor que arrumasse a versão final do texto).
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