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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural – literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura, gastronomia, turismo etc. –, o Blog Bonas Histórias analisa de maneira profunda e completa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 44 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Crônicas: Tempos Portenhos – Episódio 6 – La Verdadera Cancha del Fútbol

  • Foto do escritor: Ricardo Bonacorci
    Ricardo Bonacorci
  • há 1 dia
  • 24 min de leitura

Na sexta narrativa sobre como é viver em Buenos Aires, o tema em destaque é a paixão dos argentinos pelo futebol. Afinal, a maneira como eles torcem e vivem o esporte mais popular do planeta é igual ou é diferente da dos brasileiros? Confira mais um passeio cultural pelo país de Diego Armando Maradona e Lionel Messi.

La Verdadera Cancha del Fútbol é o sexto episódio de Tempos Portenhos, a coletânea de crônicas de Ricardo Bonacorci sobre como é para um brasileiro morar na capital da Argentina – neste novo texto da série não ficcional, descobrimos os detalhes da paixão dos argentinos pelo futebol e como é o cenário esportivo de Buenos Aires

Quando falamos em Argentina e em Buenos Aires, alguns aspectos saltam automaticamente à cabeça dos brasileiros. Impossível não pensarmos em carne, vinho, Tango, arquitetura europeia, parques deslumbrantes, caos econômico, Peronismo e, claro, futebol, muuuito futebol! Se não me esqueci de algo, esse é o mapa mental feito pelos meus conterrâneos. Até mesmo aqueles que jamais visitaram a nação albiceleste e sua fascinante capital têm esse raciocínio previamente configurado. Ou vai me dizer que você não cai muitas vezes nesses clichês culturais, hein?!


Falo envergonhado por mim: antes de viver em terras portenhas, era exatamente essa a imagem um tanto estereotipada que tinha del país hermano e y su ciudad más grande. Será que agora que estou vivendo por quase dois anos em Mi Buenos Aires Querido mudei de pensamento? Hummmm. Essa é uma boa pergunta, que confesso que ainda não tenho uma resposta de bate-pronto. De qualquer maneira, à medida que vou tendo insights e definições a esse respeito, não vacilo em compartilhá-los com os leitores do Bonas Histórias. Minhas descobertas e impressões recentes são justamente o foco dos relatos de “Tempos Portenhos”, a atual série narrativa da coluna Contos & Crônicas.


Se você chegou agora a este pequeno e por vezes incompreensível blog de literatura, cultura e entretenimento, informo que estamos no sexto capítulo dos meus depoimentos de como é para um brasileiro viver na capital da Argentina. Em cada episódio de “Tempos Portenhos”, apresento alguma particularidade da realidade de BsAs, CABA ou Baires (siglas e diminutivo da metrópole argentina mais comumente usados pelos moradores locais). Se esse assunto é do seu interesse (seja para viver também por aqui, seja só para visitar a cidade por uma perspectiva menos turística ou para simplesmente aumentar seus conhecimentos culturais), o(a) convido a se juntar comigo a esse delicioso passeio internacional pela margem mais caótica do Rio da Prata.


O tema de hoje de “Tempos Portenhos”, como você viu no título, subtítulo e imagem principal do post, é a paixão dos argentinos pelo futebol. Numa retrospectiva rápida, tratei no relato de estreia desta coletânea de crônicas, Episódio 1 – Distopia Paulistana (ou Carioca), da sensação de segurança ao se percorrer as ruas e avenidas de CABA (Ciudad Autónoma de Buenos Aires). Em Episódio 2 – Vida ao Ar Livre e Episódio 3 – Dogland: Cães Felizes, falei, respectivamente, do hábito dos argentinos da capital de amarem os passeios fora de casa e de suas devoções pelos animais de estimação. Por fim, em Episódio 4 – O Espanhol Argentino e Episódio 5 – Sentando-se à Mesa com os Argentinos, discorri, respectivamente, sobre as nuances idiomáticas e a riqueza culinária da nação que agora chamo de minha. É ou não é um passeio fascinante, hein?!


Deixando de lado o conteúdo antigo e entrando efetivamente no assunto da nova crônica de “Tempos Portenhos”, tenho algumas interrogações para distribuir de antemão. Afinal, os argentinos são mesmo mais apaixonados pelo futebol? Sua relação com o esporte e com seus times é diferente daquela tida pelos brasileiros? O que há de exagero na visão que temos deles e o que é real nesta passionalidade albiceleste que beira muitas vezes o absurdo aos olhos do estrangeiro desavisado? E, por supuesto, seria mesmo uma enorme maluquice crer que Diego Armando Maradona e, quiçá, Lionel Messi foram melhores do que Pelé? Vamos combinar que esses são questionamentos relevantes que atiçam a curiosidade até mesmo daqueles que não são chegadinhos ao universo esportivo ou que não se apegam à rivalidade futebolística entre os dois maiores países sul-americanos.


Seja bem-vindo(a) à terra que respira futebol, senhoras e senhores!

Na crônica La Verdadera Cancha del Fútbol, o sexto texto da série não ficcional Tempos Portenhos, Ricardo Bonacorci descreve a paixão dos argentinos pelo futebol e a dinâmica da cena esportiva em Buenos Aires

1) Muito além do futebol: um país poliesportivo


Tá bom, eu sei que esse é um post para tratar do amor dos argentinos pelo futebol. Mesmo ciente disso, quero começar falando de algo que me encanta em Buenos Aires e que, na verdade, apenas tangencia o assunto de hoje da coluna Contos & Crônicas. O primeiro tópico dessa crônica é sobre o quão plural é o paladar esportivo dos portenhos. Por mais que sejam loucos por futebol, eles não ficam presos à monocultura desportiva, um problema grave no Brasil. Para entendermos o que quero dizer, vou usar uma comparação simples e didática.


O brasileiro médio só entende de futebol. Com raras exceções, ele só acompanha os times nacionais e internacionais e as seleções dessa modalidade. Prova maior dessa fidelidade esportiva aparece nas programações das emissoras de televisão e na cobertura jornalística. A mídia dedica 90%, 95% ou, em alguns casos, 99% do espaço e do tempo ao velho esporte bretão. O ápice dessa adoração acontece na Copa do Mundo de Futebol, quando o país literalmente para. Acompanhamos os lances dos jogadores canarinhos como se o destino da nação estivesse ligado ao resultado das quatro linhas. E os outros esportes? Ninguém dá a mínima atenção! Vôlei, basquete, automobilismo, tênis, atletismo, natação, ciclismo, handebol, artes marciais, futsal, ginástica e rugby, entre outros, são ignorados pela massa de torcedores, jornalistas, patrocinadores e políticos.


No Brasil, os atletas de fora do futebol e as demais modalidades só têm seus quinze minutos de fama quando conquistam alguma façanha internacional. Aí o patriotismo fala mais alto e os brasileiros olham com admiração seus conterrâneos bem-sucedidos nas disputas com os gringos. Contudo, passado o momento efêmero de êxtase verde-amarelo, os olhos da população voltam-se outra vez apenas para o futebol. São raríssimas as pessoas que têm o paladar mais plural para o esporte. Posso contar nos dedos quantos familiares, amigos e conhecidos entendem para valer de outros gêneros. Esportivamente falando, o brasileiro é um Homer Simpson. Ao invés de ficarmos repetindo “rosquinha, rosquinha, rosquinha” vinte e quatro horas por dia (inclusive enquanto dorme) como a personagem de Matt Groening, nosso mantra é “futebol, futebol, futebol”.


Na Argentina não é igual, Ricardo?! Nananinanão. Sinto que na capital do país, a galera possui gostos esportivos mais versáteis. Você conversa com os portenhos e eles falam naturalmente de tênis, automobilismo, rugby e basquete. É muito legal notar que acompanham os esportes independentemente de ter ou não ter um conterrâneo na disputa. É claro que quando há argentinos na parada, o interesse aumenta. Eles são tão, ou até mesmo mais, patriotas do que nós. Contudo, a ausência de atletas e equipes nacionais na disputa não arrefece o apelo da modalidade em si e o destaque aos desportistas internacionais.


Os portenhos são apaixonados por vários esportes. Eles não apenas assistem como os praticam. Buenos Aires tem, por exemplo, incontáveis clubes esportivos privados e públicos e academias poliesportivas. Os vários parques da cidade disponibilizam espaços para partidas de vôlei de areia, basquete 3x3, tênis de mesa, hóquei sobre grama, futevôlei (sim, ele também chegou por aqui), skate, ciclismo etc. As quadras de tênis e os campos de rugby, por exemplo, fazem parte da paisagem local. Há locais, como Palermo e Belgrano, que é comum avistarmos campos e até estádios de polo. No Rio da Prata, é possível constatarmos a prática de esportes aquáticos.  


Você nota essa pluralidade no dia a dia. Caminhando pelas ruas de BsAs ou tomando o transporte público (metrô, trem ou ônibus), é corriqueiro nos depararmos com mulheres com tacos de hóquei sobre grama e patins à tira colo. E com homens com skate e bolas de basquete. Raquetes de tênis, quimonos e bicicletas estão por todas as partes e são itens cotidianos.


Por maior que seja a paixão dos hermanos pelo futebol, notamos que esse relacionamento não é monogâmico. Há espaço para todos os tipos de amores e práticas. Nesse caso especificamente, confesso que aprecio mais essa postura liberal e versátil deles do que a mania pela monocultura de minha terra natal.

Em La Verdadera Cancha del Fútbol, a nova crônica da coletânea Tempos Portenhos, ficamos sabendo que Buenos Aires vai além dos encantos do futebol e é uma cidade multiesportiva

2) Buenos Aires é a capital do futebol mundial ao lado de Londres


Qual é a capital do futebol mundial? Na minha humilde (e míope) visão, as duas cidades que podem ostentar esse título são Buenos Aires e Londres. O motivo? Elas reúnem a maior quantidade de clubes e estádios do que qualquer outro lugar do planeta. Chegam a ser impressionantes seus números. Para quem tem a mania de dizer que vive na terra do futebol e que seus torcedores são os mais apaixonados (sabe-se lá de onde tiraram essa ideia), vale a pena analisar de forma racional o que acontece nos verdadeiros centros futebolísticos.


Enquanto a região metropolitana de BsAs abriga cerca de 70 equipes, a Capital Federal da Argentina é a sede de 31 agremiações. Dá para citar como times legitimamente portenhos o Boca Juniors, River Plate, San Lorenzo, Vélez Sarsfield, Argentinos Juniors, Huracán, Platense, Nueva Chicago, Ferro Carril Oeste, Defensores de Belgrano, San Telmo, Club Almagro, Deportivo Español, Chacarita, Chacarita Juniors, Atlanta, All Boys, Barracas Central, Sportivo Barracas, Comunicaciones, Deportivo Riestra, Excursionistas, Sacachispas, Atlético Lugano, General Lamadrid, Yupanqui, Deportivo Armênio, Estudiantes de Buenos Aires, Fênix, Liniers e, ufa, Deportivo Paraguayo.


É importante dizer que esses são os que conheço ou já ouvi falar. Pode ser que tenha mais. De qualquer maneira, é ou não é um número incrível, hein?! A impressão é que cada bairro tem o seu clube. Em alguns casos, existe mais do que um clube por bairro, o que alimenta a rivalidade. Você vira uma esquina, dá de cara com um estádio. Caminha algumas ruas, vira para outro lado e dá de cara com uma nova cancha. Para os amantes do futebol é um deleite.


Buenos Aires disputa com Londres a primazia mundial no futebol porque a capital inglesa possui em torno de 60 equipes. Ou seja, quando considerada apenas a área da cidade, os europeus são o número 1. Quando englobada a região metropolitana, aí os sul-americanos tornam-se imbatíveis. Por isso, não há uma definição clara de quem é a capital do futebol. O correto é dizer, como fiz no início desse tópico, que tanto Londres quanto Buenos Aires são referências globais nesse assunto.


Em relação aos estádios, a região metropolitana de Buenos Aires tem 36 palcos futebolísticos com capacidade igual ou superior a 10 mil lugares. Trata-se de um recorde difícil de igualar. A minha São Paulo, a segunda colocada nesse ranking, tem 15. Ou seja, é menos da metade. Londres possui 12. Talvez o mais correto fosse considerar apenas las canchas de CABA, a Capital Federal da Argentina. Ainda assim, os portenhos seguem imbatíveis. Baires tem 19 estádios, o que a deixa ainda na primeiríssima posição.


Não dá para ficarmos indiferentes a uma cidade com essa característica e com tal efervescência futebolística!

Na nova narrativa de Tempos Portenhos, coletânea textual da coluna Contos & Crônicas, Ricardo Bonacorci apresenta La Verdadera Cancha del Fútbol, um relato sincero e profundo de como Buenos Aires se tornou uma das capitais mundiais do futebol

3) Os encantos dos times de bairro de Buenos Aires


Independentemente de quem tem mais agremiações, o mais legal é notar o quanto os bairros de Buenos Aires respiram seus clubes. Eles fazem parte da identidade local e da cultura dos moradores. Aí temos uma grande diferença para as grandes cidades brasileiras. Enquanto as principais capitais nacionais têm dois (Porto Alegre, Florianópolis, Salvador, Fortaleza, Maceió, Natal, Aracajú, Vitória, Teresina e Manaus, por exemplo), três (São Paulo, Recife, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Belém do Pará e São Luís) ou no máximo quatro (Rio de Janeiro) times que monopolizam as atenções do público, em CABA as torcidas vivem com mais afinco o dia a dia das pequenas agremiações.


Na metrópole argentina, não tem aquele lance do cara torcer para um time grande e ter um pequeno como segundo time, algo corriqueiro no Brasil. Isso seria um sacrilégio na terra de Maradona e Messi. Por aqui, a galera torce pra valer pelas cores do clube do bairro. Eles chegam a perder a cabeça e ficar indignados, mesmo com partidas da segunda, terceira, quarta e quinta divisões. Confesso que demorei para entender o nível de passionalidade desses fãs. Depois que compreendi suas relações com os times distritais, mudei completamente de opinião e visão sobre a paixão dos argentinos pelo futebol. Agora acho que el amor de los hinchas de equipos del barrio é mais puro, romântico e intenso do que el amor de los hinchas de equipos más grandes.


Esse é o verdadeiro espírito do torcedor de futebol. A pessoa até pode se mudar de bairro, mas continua regressando aos finais de semana para o local de nascimento só para acompanhar o time do coração ao lado dos velhos companheiros. Além disso, é muito fácil estar ao lado do clube nos momentos de alegria, nas grandes conquistas e nas disputas dos campeonatos de primeiro nível. Quero ver manter a chama acesa quando as derrotas se avolumam, quando a briga é para não ser rebaixado outra vez e quando ano a ano as competições passam a ser realizadas em divisões menores. Aí tem que ter muito amor para não abandonar o barco.


Como já disse algumas vezes na série “Tempos Portenhos”, vivo em Saavedra, um bairro da Zona Norte de Buenos Aires. O time local é o Platense. Andar pelas ruas e avenidas desse distrito é se deparar o tempo inteiro com as cores e o distintivo do Calamar, como a equipe marrom é carinhosamente chamada. Núñez, o bairro vizinho, abriga o River Plate, o Defensores de Belgrano e o Deportivo Armênio (que acaba jogando em Escobar). Belgrano, outro distrito que faz fronteira com Saavedra, é a casa do Excursionistas.


Dessa lista, talvez o caso mais impressionante seja o Excursionistas. Fundada em 1910, a equipe verde e branca está na terceira divisão do Campeonato Argentino. Contudo, sua torcida segue animada e fanática. Caminhando por Belgrano, sabemos quando há jogo do time do bairro pelo fluxo constante e vibrante de seus torcedores. Mesmo não sendo hincha do Excursionistas, admito que vire e mexe fico com vontade de ir à bilheteria para comprar um ingresso. Só a visita ao pequeno e charmoso estádio já vale a entrada. El Coliseo del Bajo Belgrano foi construído em 1911 e faz o tipo estádio raiz. Atualmente, tem capacidade para pouco mais do que 7 mil torcedores. Obviamente, essa estimativa segue o padrão argentino. Num país minimamente racional, organizado e com bom senso, a casa do Excursionistas não poderia comportar nem a metade desse número.


Isso é a Argentina, pessoal!

Na crônica La Verdadera Cancha del Fútbol, narrativa não ficcional de Tempos Portenhos, conhecemos a efervescência dos times de bairro de Buenos Aires, uma das facetas mais interessantes do futebol argentino

4) Quem é o melhor jogador de futebol de todos os tempos?


Qual é o melhor jogador da história? Tenho a impressão de que os únicos países que têm essa preocupação são Brasil e Argentina. Prova disso é que você pode interagir com qualquer pessoa no planeta por anos, décadas ou, quiçá, séculos e esse assunto nunca entrará em debate. Por mais apaixonados que sejam os torcedores internacionais, esse tema acaba relegado ao segundo (ou terceiro) plano. Entretanto, quando um argentino e um brasileiro se encontram, basta alguns minutos (em alguns casos, poucos segundos) para a discussão enveredar por essa seara. Pelé ou Maradona? Pelé ou Messi? Maradona ou Messi? Messi ou Neymar?


Não vou entrar (pelo menos não agora) no mérito de quem foi maior. Afinal, o que menos encontramos nessa controvérsia é embasamento racional e objetivo. Muita gente (inclusive eu) argumenta sem nem ter visto em campo a maioria dos envolvidos. Aí fica difícil opinar com propriedade. E quase todos os debatedores colocam o patriotismo como fiel da balança. Ou você conhece um argentino que diga que Pelé foi o número 1? Ou um brasileiro que aponte Maradona ou Messi como o maioral? Eu não conheço.


Ao invés de ficarmos discutindo quem foi melhor, porque não unimos forças e propagamos juntos que os mais incríveis jogadores da história do futebol foram/são argentinos e brasileiros, hein? Aí a discussão terminaria e poderíamos disseminar o debate para fora da América do Sul. Até porque, com exceção dos italianos (que pregam historicamente que os melhores atacantes do planeta são brasileiros, enquanto os melhores meio-campistas são argentinos), não vejo os europeus de modo geral, os asiáticos e os africanos batendo continência para os futebolistas sul-americanos. Isso não deveria nos incomodar?! Acho que sim. Ficar com a rivalidade fronteiriça mina o alcance dos feitos tanto de brasileiros quanto de argentinos.


Repito: a pergunta não deveria ser quem foi melhor, Pelé ou Maradona? Nem quem é mais talentoso, Messi ou Neymar? E sim quem de fora desse pedacinho da América do Sul se aproxima deles, de Garrincha, Di Stéfano, Ronaldo, Kempes, Romário, Batistuta, Zico, Fillol, Ronaldinho Gaúcho e Passarella?

Ricardo Bonacorci debate em La Verdadera Cancha del Fútbol, o sexto episódio de Tempos Portenhos, um dos temas mais polêmicos da relação Brasil e Argentina quando o assunto é futebol: quem foi o melhor jogador de todos os tempos?

5) O argentino não torce; ele vive doente pelo futebol!


É estranho comparar paixões. Pergunte para os pais quais dos filhos eles preferem e você sentirá o quão complicado é estabelecer critérios para o amor. Sabendo dessa dificuldade natural para se medir aspectos imensuráveis, não vou cometer a indelicadeza de apontar quem ama mais o futebol: se argentinos ou brasileiros. O que posso fazer, sem cometer injustiças, é discorrer rapidamente sobre as diferenças de cultura futebolística entre os dois maiores países da América do Sul.


No Brasil, sinto que os heróis esportivos (salvo raras exceções, como Ayrton Senna) não são colocados eternamente no panteão das divindades infalíveis. Uma vez que cumpriram seu papel esportivo, são humanos e possuem vários defeitos. Pelé, nosso maior jogador, nunca foi uma unanimidade nacional. É claro que o racismo estrutural contribuiu para esse olhar enviesado. Tenho a sensação de que os gringos o respeitavam/respeitam mais e o valorizava/valorizam mais do que seus próprios conterrâneos. No meu ponto de vista, por maior que tenha sido Pelé como jogador, o que sempre me encantou foi a humildade e a grandeza humana de Edson Arantes do Nascimento. Você consegue, por exemplo, imaginar se outros atletas nacionais estivessem na posição do Rei? O que fariam e como agiriam? Tenho até medo de pensar...


Noto que os brasileiros têm a mania de encarar de um jeito bem pejorativo seus ídolos. Garrincha é lembrado mais como bêbado, sujeito de cognição fraca e Don Juan dos anos 1960. Atualmente, poucos se recordam dele como exímio driblador e como líder da seleção canarinha na Copa de 1962. Ronaldo é o gordo preguiçoso que saiu certa vez com um travesti. Ronaldinho Gaúcho é o dentuço feio que abdicou da carreira e de mais títulos para cair na noitada com a mulherada. Romário é o malandro carioca que possui uma arrogância e uma marra que não cabem em seu 1,67 metro de altura. Já Neymar... Talvez não seja nem mesmo adequado falar o que penso sobre ele, né?


Na Argentina é diferente. Muuuuuito diferente. Eles nutrem uma adoração cega e patológica por seus ídolos. Isso se aplica tanto aos esportes quanto à política (lembremos de Juan Domingo Perón e Evita) e ao cenário cultural (Carlos Gardel e Charly García). Diego Armando Maradona é talvez a melhor exemplificação do quão obsessiva e lunática pode ser a adoração dos argentinos. Por mais trôpegos que tenham sido os passos do camisa 10 dentro e, principalmente, fora do gramado, muita gente só enxerga suas qualidades. É assustador perceber o quanto a visão do povo é limitante e até mesmo burra. Messi está vivenciando algo parecido. Até conquistar a Copa de 2022 pela Seleção da Argentina, ele era ridicularizado e subvalorizado por seus conterrâneos. Agora que entrou no panteão de figuras irretocáveis, ganhou ar de santidade. Tudo por causa de um jogo ou do resultado de uma disputa de pênaltis.


Não estou aqui para falar quem está certo ou quem está errado nesse relacionamento com as personalidades históricas. Até porque não acho saudável a maneira como brasileiros e argentinos encaram seus ídolos. Não devemos ser nem 8 nem 80. Me parece equivocado tratar com desdém, de um jeito pejorativo ou mesmo esquecimento os heróis de qualquer seara. E me parece perigoso colocar seres humanos no lugar de deuses acima do bem e do mal.


Ao caminhar por Buenos Aires, você sente a onipresença de Maradona e de Messi, algo que definitivamente não acontece nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Rio Grande do Sul, Brasília, Goiânia, Salvador, Fortaleza, Manaus ou Pará em relação a Pelé e Neymar. Para os argentinos, as imagens do camisa 10 de ontem e do camisa 10 de hoje merecem ser grafadas em muros, fachadas, camisetas, brindes etc. Em alguns casos, eles viram temas de estabelecimentos comerciais, pratos de restaurantes e, acredite se quiser, fio condutor para a fundação de novas religiões. Parece maluquice? Pois os hermanos são mesmo loucos pelo futebol. A impressão que tenho é que os argentinos não torcem e sim padecem por este esporte viciante.


Em dia de jogos importantes, CABA pulsa descontroladamente. Sei disso porque não dá para ficar indiferente à paixão deles. Se você estiver andando distraído pela cidade, ouvirá gritarias e buzinaços de torcedores. Se estiver de boa em seu apartamento, a vizinhança berrará e o prédio balançará à medida que os lances forem acontecendo. Chega a ser divertidíssimo.  


Uma vez entendida essa diferença cultural de encarar os jogadores do presente e do passado, me parece evidente a resposta para a grande pergunta formulada no tópico anterior: quem é o melhor jogador de futebol de todos os tempos? Diante do desprezo dos meus conterrâneos por seus principais jogadores e constatando a idolatria desmedida dos hermanos por seus maiores atletas, a solução do enigma parece pipocar facilmente na minha mente. Só não deixo registradas em pormenores as minhas crenças para não ferir as emoções dos brasileiros mais sensíveis. Sabe como é quando falamos de assuntos tabus, né? Os intolerantes atiram pedras e bombas sem pestanejar. Tô fora de polêmicas e brigas inúteis.  

As diferenças e as semelhanças do futebol de Brasil e Argentina e a riqueza do cenário futebolístico de Buenos Aires são os temas de La Verdadera Cancha del Fútbol, a sexta crônica de Tempos Portenhos, a nova série narrativa da coluna Contos & Crônicas

6) Como virei hincha do Racing


Todo lugar em que moro, adoto um time. Foi assim em Porto Alegre (até a pé nós iremos!) e no Sul de Minas (Eu sou de Boa e de Boa eu vou ficar!). Quando vivi pela primeira vez em Buenos Aires entre 2004 e 2005, não tinha pensado nessa possibilidade. Afinal, como corintiano, tinha aversão a todas as equipes hermanas. Elas sempre foram implacáveis conosco na Libertadores e não dava para ter afinidade com nenhuma delas. Contudo, isso mudou ao visitar o estádio do Racing Club em outubro de 2004.


É bom dizer que já tinha estado nas maiores canchas da região metropolitana: Monumental de Núñez, La Bombonera, El Fortín de Liniers (para mim o mais bonito) e Estádio Libertadores de América. Conhecer os principais palcos do futebol argentino era um programão para o Ricardo com então vinte e poucos aninhos. Por isso, a visita ao El Cilindro, cujo nome oficial é Estádio Presidente Perón, num fim de tarde de sábado parecia excitante, ao mesmo tempo que só seria mais um passeio na minha lista de novidades turísticas. Porém, aquele dia não foi nada convencional.


Por não conhecer Avellaneda, uma cidade vizinha à Buenos Aires, cheguei cedo ao El Cilindro. O jogo era às 18h e já estava lá às 13h. Ao não encontrar a boletería, perguntei para um homem que andava apressado onde eu poderia comprar o ingresso. Ao ver meu espanhol terrível, na hora ele perguntou: “Turista?”. Expliquei que não estava de passagem. Morava há alguns meses em Buenos Aires, pois trabalhava na Coca Cola. E um colega da empresa disse que “la verdadera cancha del fútbol es la cancha de Racing”. Curioso para saber se aquilo era exagero de um torcedor da Academia, fui lá para conferir.


O rapaz me olhou abismado e quis saber exatamente em qual planta eu trabalhava e qual era minha função. Detalhei que era trainee de vendas no Brasil e estava em desenvolvimento na Argentina. Ficava geralmente em Alcorta, mas visitava várias unidades de vendas da região metropolitana. Sua fisionomia de espanto foi maior ainda. Aí ele disse: “Meu irmão trabalha na fábrica de Alcorta da Coca-Cola. Vou ligar para ele agora e você fala com ele”. Dito e feito. O cara sacou o celular do bolso e tive que prosear com seu irmão.


Vendo que eu falava a verdade, o homem que até então eu pensava ser um torcedor fanático do Racing (que também chegara várias horas antes do jogo) quis saber o que eu faria até a noite, hora do jogo. Disse que não faria nada. Iria provavelmente me sentar em um bar e esperar as 18h. Então, ele perguntou se eu gostaria de conhecer El Cilindo. Disse que sim, imaginando que daríamos simplesmente uma volta na parte externa do estádio. Foi nesse momento que ele se apresentou: “Meu nome é Argentino. Sim, esse é o meu nome. Ninguém esquece. Sou o responsável pela administração da cancha. Vou te levar para conhecer a casa do Racing”.


Confesso que não acreditei até que ele, enquanto caminhava ao meu lado, começar a cumprimentar os funcionários e adentrar na parte interna do estádio. Meu Deus, ele era mesmo da administração. Argentino me levou para conhecer todo o lugar. Ou quase todo. Envergonhado, disse que não poderia me levar aos vestiários porque seriam usados em breve pelos times, que estavam para chegar. “Mas é claro. Não se preocupe. Não pensei em ir lá”, respondi com sinceridade.


Argentino me levou para as cabines de rádio e televisão, subimos onde ficam os refletores, caminhamos por dentro das bilheterias, percorremos os principais setores das arquibancadas e espiamos os trabalhos das lanchonetes. Aonde íamos, ele me apresentava aos funcionários, informando que eu era o colega brasileiro de seu irmão na Coca-Cola. Pior é que não o conhecia pessoalmente e, naquele instante, nem mesmo me lembrava o nome do funcionário da fábrica de Alcorta. O clímax do passeio foi quando entramos no campo de jogo. Sim, ele me levou para o gramado e me apresentou ao jardineiro do palco das partidas do Racing. Incrível. Dali, fomos para um setor ao lado do campo onde ficavam as personalidades de honra do clube. Pelo que entendi, algumas pessoas eram convidadas pelo time para ver o jogo na beirada do gramado, à la quadra da NBA. Incrível! Fiquei batendo papo com vários hinchas, que se admiraram de ver um brasileiro em Avellaneda.


Uma hora antes da partida, Argentino recebeu uma ligação no celular e, ao desligar, disse que o estavam chamando e que precisava trabalhar. E falou: “O Racing perdeu os últimos oito jogos do campeonato. Estamos na rabeira da tabela de classificação. Se ganharmos hoje, os méritos são seus, Ricardo. Você é nosso pé de coelho (não me lembro a expressão exata que ele utilizou, mas era no sentido de pé de coelho, algo que dá sorte). Saiba que se vencermos hoje, você será convidado para acompanhar todas as nossas partidas em casa até o final do campeonato”. Imaginando essa possiblidade, fui empolgado para o meu lugar na arquibancada. Antes, me despedi de Argentino, agradeci o tour e trocamos e-mails (estávamos em 2004, pessoal! Eu não tinha celular).


E como torci naquela noite! O adversário era o Rosário Central, equipe que estava no meio da tabela e provavelmente não representaria grandes complicações. Pelo menos era essa a ideia de quase todos os torcedores da Academia presentes ao estádio naquela noite. O problema é que a equipe de Avellaneda era mesmo ruim, muito ruim. Perdemos de 2 a 0. Nona derrota seguida no campeonato. O Racing seguia atolado na zona de descenso. Ai, ai, ai.


Diferentemente do que imaginei, não voltei triste para Buenos Aires. Retornei empolgadíssimo com a melhor experiência futebolística que tive na vida até então. Realmente, la cancha de Racing era la verdadera cancha del fútbol argentino. Na segunda-feira seguinte, contei para todo mundo no escritório o que tinha acontecido comigo. Alguns não acreditaram. Isso até o diretor do RH da Coca vir saber quem era o brasileiro que esteve em Avellaneda no sábado à noite. Pelo visto, o irmão do Argentino contara para ele. No fim daquele expediente, fui para o Retiro comprar uma camisa da Academia, que tenho até hoje.


A partir dessa data, virei más un hincha de Racing. Nunca mais voltei ao El Cilindro, mas acompanhei atentamente o final daquela temporada do Campeonato Argentino. Das seis partidas finais, o Racing venceu cinco e empatou uma. Dessa forma, se salvou do rebaixamento. Festa azul e branca em Avellaneda.     

Ricardo Bonacorci relata em La Verdadera Cancha del Fútbol como se tornou um torcedor do Racing Club, uma das tradicionais equipes do futebol argentino

7) Como me tornei hincha do Platense


Se na primeira vez que vivi em Buenos Aires eu era torcedor do Racing Club, agora sou hincha do Platense. Essa mudança foi muito natural (ou não planejada). Inclusive, trouxe para Buenos Aires minhas velhas camisas da Academia para usar na nova temporada na Argentina. A ideia era voltar a visitar com regularidade El Cilindro, la cancha azul y blanca de Avellaneda. Segundo minha concepção de vida, se estou num lugar, preciso respirar sua atmosfera futebolística. Contudo, fui arrebatado pela fase dourada do Calamar e pela paixão genuína dos fãs do Marrón. Assim, me esqueci completamente do Racing (não usei nenhuma vez suas camisas nesta nova temporada em CABA) e agora só penso no Platense (desfilo orgulhoso com seu fardamento pela cidade inteira).


Desde meados de 2023, moro no bairro de Saavedra, que está situado na Zona Norte da Capital Federal. Como essa localidade é pouco conhecida, sempre sinto a necessidade de contextualizá-la geograficamente para os brasileiros. Saavedra é vizinho de Núñez, Belgrano e Villa Urquiza, distritos da cidade de Buenos Aires, e está grudado ao município de Vicente López, que pertence à Província de Buenos Aires. Como é o último bairro de CABA no extremo Norte, muita gente acha equivocadamente que ele já não pertence à Capital e sim à Província. Mas não, Saavedra fica em BsAs.


Estou falando sobre isso porque, desde que cheguei, mergulhei na cultura do bairro. Sou fascinado pela sua pegada carnavalesca (o melhor Carnaval de Buenos Aires, o que não quer dizer muita coisa, acontece nas murgas de Saavedra), pelas constantes referências a Roberto “El Polaco” Goyeneche (famoso cantor de Tango e principal personalidade desse pedaço da cidade), pela identidade visual dos grafites (andar pelas ruas de Saavedra é interagir com os desenhos urbanos) e pelos intermináveis parques e praças (de 25% a 30% do bairro é constituído de espaços verdes). É claro que também virei um grande admirador de bodegones, parrillas y cafeterías locales. No estabelecimento que vou com mais assiduidade, sou visto como o brasileiro de Saavedra. Conforme notei, não há outro conterrâneo ou outra conterrânea por essas paradas de Buenos Aires.


Neste processo de imersão cultural, foi natural começar a visitar o Estádio Ciudad de Vicente López, a casa do Platense. O Platense é o pequeno time de Saavedra. Fundado em 1905, ele passou quase toda a sua história nas divisões inferiores do Campeonato Argentino. Aí com o expressivo aumento do número de equipes da primeira divisão (uma das bizarrices recentes do futebol argentino), El Calamar conseguiu em 2020 o acesso à elite nacional. Portanto, desde 2021, joga com os grandes o Apertura e o Clausura, competições também chamadas de Superliga Argentina e de Copa da Liga Argentina – para o seu bem, não queira entender as diferentes denominações!


No primeiro jogo que assisti, em outubro de 2023, vitória por 2 a 1 sobre o Estudiantes. Gostei do estádio e, principalmente, da animação e da atmosfera da torcida. Só achei horríveis a coloração da equipe (quem teve a ideia de usar o marrom e o branco não entende nada de estética), o uniforme (um dos mais feios que já conheci), o distintivo (extremamente simples) e o futebol praticado (pense num time ruim!). Juro que saí de la cancha pensando: “Coitado desse pessoal que acompanha o Platense e precisa vestir esse uniforme horripilante”.


Minha ideia era não voltar ao Estádio Ciudad de Vicente López. Uma vez que conheci o Platense, queria me aventurar por novas experiências futebolísticas, mas ou menos como fizera na primeira passagem pela cidade em 2004 e 2005. Só que agora tinha o desejo de vivenciar a atmosfera dos times de bairro de Buenos Aires e não mais os grandes clubes. Que legal seria ir aos estádios do Chacarita, do Argentino Juniors, do Barracas Central e do Huracán.


Contudo, algumas semanas mais tarde da primeira visita ao campo do Calamar, ouvi uma conversa no Parque Saavedra entre dois torcedores do Marrón. Se a equipe local vencesse o próximo jogo em casa contra o Sarmiento, teria chance de classificação para a fase de mata a mata da principal competição daquele semestre. Achei interessante a proposta de ver in loco uma partida decisiva. Ainda assim, estava mais empolgado em sair com a Policial de Belgrano, meu primeiro crush en tierras hermanas. A questão foi que no sábado de manhã, a moça que usava o uniforme da Policía de la Ciudad me deu um belíssimo de um bolo. Sem nada para fazer naquele dia, decidi ver o jogo do Platense que até então tinha desprezado.


E foi nessa tarde que me apaixonei pelo Calamar. A qualidade do jogo manteve-se horrível. Eita time ruim esse, Santo Deus! Porém, a empolgação da torcida esteve em patamares inimagináveis. Como já sabia cantar algumas canções, entrei no clima. O 1 a 0 chorado (ao melhor estilo corintiano, que estou acostumado desde criança) levou a arquibancada à loucura. Para um time que viveu um século nas divisões inferiores almejar a classificação para as quartas de finais já era uma realização. Entretanto, não dependíamos apenas dos nossos próprios passos.  


Entusiasmado com a perspectiva de classificação inédita para os playoffs, passei a acompanhar com mais afinco o clube. Resumidamente, o Platense conseguiu ir para a próxima fase do Argentinão a trancos e barrancos. Na segunda-feira seguinte, o San Lorenzo ganhou em casa do Central Cordoba, que disputava com o time de Saavedra a oitava colocação da primeira fase. Festa em Saavedra! Platense terminou em oitavo, posição limite para a classificação.


Daí em diante, foi um conto de fadas (quase) perfeito. Vencendo as quartas e as semifinais nos pênaltis (jogando muuuuuuuuuuito mal e feio), o Calamar chegou à final do Campeonato Argentino. Você consegue imaginar o clima no bairro? Depois de aproximadamente 120 anos, os sofridos torcedores da pequena agremiação do esquecido e ignorado bairro da Zona Norte de Buenos Aires poderia entrar para a história e colocar seu nome no panteão dos grandes campeões.


É claro que na decisão contra o Rosário Central, em 16 de dezembro de 2023, eu estava vestido com a camisa marrom e branca (que um dia achei feia). Fui ao bar mais futebolístico da cidade, o Locos X Futebol, na Recoleta, para ver a partida realizada em Santiago del Estero. Só não viajei para o Noroeste do país com as caravanas do Calamar porque minha irmã chegara alguns dias antes para me visitar em Buenos Aires. Não dava para deixá-la sozinha por causa de um jogo, né?


Infelizmente, o Platense perdeu por 1 a 0 e ficou com o vice-campeonato. Para quem acha que a torcida ficou triste, não conhece a alma marrom. A alegria por ter se tornado um protagonista do futebol nacional contagiou os velhos e novos torcedores do clube. Depois disso, virei figurinha carimbada na arquibancada do Estádio de Vicente López. Ciente dos encantos do meu novo time, meus amigos no Brasil passaram a me acompanhar a la cancha de Vicente López sempre que vinham me visitar em CABA. Em pouco tempo, a legião de hinchas de Calamar tinha se propagado no meu círculo.


Para meu espanto, o raio caiu no mesmíssimo lugar pouco tempo depois. No Apertura de 2025 que ainda está rolando, novamente o Platense se classificou para o mata a mata na bacia das almas. Dessa vez, iam para os playoffs os 16 mais bem pontuados. Nas oitavas de finais, jogando na casa do Racing (lembra dele?!), vitória não sei como por 1 a 0. Nas quartas de finais, na casa do poderoso River Plate, empate por 1 a 1 no tempo normal e vaga para semifinais conquistada nos pênaltis. Ontem rolou o confronto com o San Lorenzo fora de casa. E nova conquista épica. Vitória por 1 a 0. Festa indescritível em Saavedra. Acreditem se quiser, o Calamar está na final outra vez. Será que agora a pequena e simpática equipe marrom conseguirá erguer o inédito título nacional da primeira divisão? A resposta será dada no próximo domingo em Santiago del Estero.


Só sei que o Platense está me dando mais alegrias nos últimos anos do que meu time brasileiro, o Timão. Ai, ai, ai. Será que agora sou um torcedor do Calamar que tem admiração pela equipe do Parque São Jorge ou sou um integrante do Bando de Loucos com fixação pelo Platense? Juro que não sei.


Durmamos com essa bomba, senhoras e senhores.

Neste relato de suas experiências como morador de Buenos Aires, Ricardo Bonacorci comenta como é a paixão dos argentinos pelo futebol e como se tornou um torcedor do Platense, pequena equipe do bairro de Saavedra

Para quem está curtindo os textos desta coletânea da coluna Contos & Crônicas, aviso que em agosto retornarei com mais um post. O próximo tema de “Tempos Portenhos” será a pluralidade cultural da capital hermana. Portanto, prepare-se para ler em breve o Episódio 7 – A Programação Artístico-cultural de BsAs. Até lá!


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Nona série narrativa da coluna Contos & Crônicas, “Tempos Portenhos” é a coletânea de textos pessoais de um brasileiro que escolheu viver em Buenos Aires. Neste conjunto de memórias, Ricardo Bonacorci revela os detalhes da capital argentina, o dia a dia dos moradores locais e estrangeiros, a cultura da cidade, a história do país e os hábitos portenhos. Cada narrativa abordará um tema específico: o passeio habitual pelos parques; o amor incondicional aos cachorros; a paixão pela carne; a devoção pelo futebol; as particularidades da língua espanhola dos habitantes das margens do Rio da Prata; a segurança e a qualidade de vida na capital argentina se comparadas às das cidades brasileiras; a contradição da crise econômica e da metrópole fervilhante; o custo de vida mais baixo etc. O objetivo aqui é fazer, de 2024 a 2026, um raio-X da alma portenha.


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