Lançado nos cinemas brasileiros em setembro de 2024, o 50º longa-metragem do cineasta norte-americano é, segundo o próprio, seu último trabalho na direção. A nova produção é também a primeira de Allen na língua francesa e com o protagonismo da belíssima de Laâge.
Preciso ser sincero com os leitores da coluna Cinema. Eu não ia fazer um post de “Golpe de Sorte em Paris” (Coup de chance: 2023), o filme de Woody Allen que estreou nas telonas brasileiras em 19 de setembro. Nananinanão! Para ser ainda mais franco com quem me lê (tem alguém aí?!), sequer estava com vontade de conferir o longa-metragem que entrou em cartaz em 14 de novembro na Argentina, país em que vivo há um ano e meio. Só não me pergunte, por favor, qual o motivo do hiato de quase dois meses entre o lançamento da nova película nos dois maiores países sul-americanos. Não faço ideia. Talvez a culpa seja do radicalismo retrógrado de Milei ou do progressismo ilusório dos peronistas. Vai saber! Nas margens mais turbulentas do Rio da Prata, tudo é justificado por essas duas opções.
O que posso garantir com alguma segurança é a razão da minha falta de vontade para assistir a “Golpe de Sorte em Paris”. Juro que pensava se tratar de mais do mesmo. Isso é tão verdade que, inclusive, tinha preparado um post para hoje sobre um assunto totalmente diferente: a experiência de visitar o Malba, o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. Afinal, faz um tempinho que não alimento a coluna Exposições. E o passeio pelo Malba é realmente incrível. Portanto, sequer tinha cogitado analisar uma produção cinematográfica no Bonas Histórias nesta semana pós-feriados.
Apesar de Woody Allen continuar sendo um dos meus diretores favoritos (se não for “o” favorito), temia que ele estivesse caindo numa perigosa e entediante repetição. Alguém aí ouviu a palavra “ocaso” ecoando no ar?! Eu escutei – ou são coisas da minha perturbada mente. O que garanto com isenção é que “O Festival do Amor” (Rifkin's Festival: 2022) e “Um Dia de Chuva em Nova York” (A Rainy Day in New York: 2018), os últimos trabalhos woodyanos, foram engraçados e inteligentes, mas não entregaram nenhuma novidade aos antigos fãs do cineasta norte-americano. A sensação é que eram cópias fraquíssimas de títulos anteriores de Allen, conhecido justamente pela criatividade absurda e pela enorme capacidade de nos surpreender filme atrás de filme.
Por isso, admito sem vergonha que risquei “Golpe de Sorte em Paris” da minha lista de programas do final de semana. Se não tivesse um bom terror ou um suspense mediano em cartaz nos cinemas portenhos, iria de animação infantil mesmo. A única certeza é que não perderia meu tempo vendo o novo filme de Woody Allen em hipótese nenhuma! Deu para entender o quanto “O Festival do Amor” me frustrou no ano retrasado, né? Até que “Um Dia de Chuva em Nova York” não me pareceu tão ruim, gerando até mesmo uma análise morninha na coluna Cinema em dezembro de 2019 – já se vão cinco anos disso, meu Deus!!!!
Convenhamos que é muito pouco para quem viu obras-primas como “Ponto Final – Match Point” (Match Point: 2005), “O Sonho de Cassandra” (Cassandra's Dream: 2007), “Vicky Cristina Barcelona” (2008), “Tudo Pode Dar Certo” (Whatever Works: 2009), “Meia-noite em Paris” (Midnight in Paris: 2011) e “O Homem Irracional” (Irrational Man: 2015). Entendeu agora o porquê Allen é meu cineasta favorito?! E olha que peguei como recorte a parte mais recente de seu longo portfólio cinematográfico. Sequer citei clássicos do cinema norte-americano como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (Annie Hall: 1977), “Hannah e Suas Irmãs” (Hannah And Her Sisters: 1986) e “Poderosa Afrodite” (Mighty Aphrodite: 1995), provavelmente seu auge artístico.
Para quem ainda não sacou o quanto sou fã de Woody Allen, cheguei a cogitar fazer uma espécie de Desafio Literário da Sétima Arte. Isso foi há seis ou sete anos. Acho que nunca comentei essa proposta amalucada (e divertida) no Bonas Histórias. Ao invés de ler vários livros de um autor ficcional e produzir seu perfil literário (dinâmica da coluna Desafio Literário), faria a mesma coisa só que com um cineasta. Assistiria às suas principais produções audiovisuais e apresentaria um panorama completo de seu trabalho.
E, adivinha, quem era o primeiro diretor da minha lista? Sim, senhoras e senhores, era justamente Woodyinho – Woodyinho é para os íntimos. No meu plano muito bem concebido (todos os meus planos são ótimos, o problema é só a execução), veria todos os seus longas-metragens e postaria análises individuais de cada um na coluna Cinema. Aí quando completasse a filmografia, montaria a avaliação completa no Desafio Cinematográfico. Na época em que tive essa brilhante ideia, o norte-americano tinha pouco mais de 40 filmes na bagagem.
O problema do meu esboço para conquistar o mundo (ou melhor, para viabilizar o Desafio da Sétima Arte) foi arranjar tempo. Aí a coisa melou e a nova coluna do blog nunca saiu do papel. Para minha frustração, dos pouco mais de quinze filmes do diretor que assisti, só uma parcela mínima ganhou críticas no Bonas Histórias.
Mas por que raios estou falando sobre isso agora? Ah, lembrei. Para dizer que mesmo sendo fã incondicional de Woody Allen, me recusei a ver seu mais recente trabalho. Acho que já falei isso um milhão de vezes. Com essa certeza em mente, entrei no site do Multiplex, rede de cinemas de Buenos Aires que frequento com mais assiduidade, na última segunda-feira. O feriado da semana passada na Argentina foi na segunda e não na quarta como no Brasil. Aí me deparei com o poster do filme.
Para meu espanto cardíaco (meu coraçãozinho é muito sensível), quem estava nele? Nele, no caso, é o cartaz do longa-metragem e não o meu coração, tá? Quem? Quem? Quem? Ela, a minha, a sua, a nossa Lou de Laâge. Se você (ainda) não a conhece (não sabe o que está perdendo!), informo emocionado que de Laâge é a minha atriz francesa favorita. Desculpe-me, Isabelle Huppert. Como a personagem de Demi Moore em “A Substância” (The Substance: 2024) descobriu da pior maneira, a fila da preferência do público cinematográfico anda. Sou apaixonado por Lou de Laâge desde quando conferia as primeiras edições do Festival Varilux de Cinema Francês em São Paulo. Posso assegurar que foi paixão à primeira vista.
Para quem acha que estou blefando (nunca acredite em escritores metidos a falar sobre filmes – Ruy Castro é a exceção que só comprova a regra), tenho provas documentais para apresentar. A linda e competentíssima loirinha é figura carimbada na coluna Cinema. Entre os filmes de Lou de Laâge que assisti, posso destacar “Branca como a Neve” (Blanche Comme Neige: 2019), “Agnus Dei” (Les Innocentes: 2016) e “Respire” (2014). Suas atuações beiraram a perfeição nessa trinca. Para quem prefere testemunhas às evidências objetivas, posso dar voz ao Paulo, meu melhor amigo (ao lado do Eduardo). Diz aí, Pablito, El Canibal, El Regreso! Fala tudo (ou quase tudo) o que você sabe sobre meu fascínio pela pequena francesinha! Virava e mexia, o coitado do Paulinho era arrastado para o cinema só porque eu queria ver a nova produção da atriz que dominava meu combalido e cada vez mais roto coraçãozinho.
Por falar em ver, lembra que eu disse que não iria conferir “Golpe de Sorte em Paris”, né? Tá bom, vou parar de falar isso. Prometo. O fato é que, inclusive, usei o meu nananinanão, recurso máximo da minha negação, para expressar o quão resoluto era meu posicionamento. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante... soube que de Laâge estrelava o novo filme de Woody Allen. Aí não podia decepcioná-la.
Depois de descobrir essa importantíssima informação, corri para a sala de cinema em Belgrano no feriadão para ver a inusitada (e perfeita) união do meu cineasta norte-americano preferido com minha musa do cinema francês. Se isso não é graça do destino, não sei mais o que é sorte do acaso. Só quem já assistiu ao filme entenderá minha frase pretensamente filosófica. Juro que não me importei nem mesmo de levar um fora da gatinha arisca que convidei para me acompanhar à salinha escura. Fui sozinho ao cinemão. Feliz da vida!
“Golpe de Sorte em Paris” é o 50º filme de Woody Allen. Você leu corretamente. Ele tem em sua filmografia meia centena de títulos. Vamos às contas. Se o diretor tem 88 anos – completará 89 na semana que vem – e começou no ofício aos 30 anos de idade – com a comédia “O que é que Há, Gatinha” (What's New Pussycat?: 1965) –, são 58 anos de carreira. Se ele possui 50 longas-metragens no currículo em 58 anos de atividade profissional, então dá quase uma produção por ano. É uma marca espetacular. Além de quantidade, é bom destacar a qualidade deste portfólio cinematográfico.
Orçado em US$ 7,8 milhões e produzido numa parceria entre França e Inglaterra, “Golpe de Sorte em Paris” foi dirigido e roteirizado por, obviamente, Woody Allen. Além de Lou de Laâge, o filme é estrelado por Melvil Poupaud, Niels Schneider e Valérie Lemercier. Aí surge a primeira grande curiosidade: o elenco é inteiramente francês. A ideia foi justamente filmar a trama que se passa na capital francesa no idioma local. Acho legal mencionar que essa foi a primeira vez que um longa-metragem de Allen não foi gravado em inglês. Confesso que adorei essa opção. Além de dar mais verossimilhança à história, ainda fomos brindados com um grupo de atores que, por mais experiente que seja no cinema europeu, ainda não tinha trabalhado com o cineasta norte-americano.
Outra curiosidade: “Golpe de Sorte em Paris” foi filmado entre outubro de 2022 e o início de 2023. O cronograma inicial indicava que as gravações aconteceriam em 2020, mas a famosa pandemia não deixou. Mesmo estando pronto desde o primeiro semestre do ano passado, esse longa-metragem teve sérias dificuldades para ser lançado no circuito comercial de cinema. Tudo por causa das polêmicas envolvendo antigas acusações de abuso sexual da ex-mulher de Woody Allen, que o fizeram se tornar figura tóxica em Hollywood nos últimos dez anos. É importante dizer que nunca houve qualquer comprovação dessas denúncias. Há inclusive o cheirinho de injustiça no ar e a impressão de uma mulher amargurada trocada por uma rival mais jovem (e de dentro da própria casa/família). Mesmo assim, o falatório geral foi capaz de cancelar o veterano diretor.
“Golpe de Sorte em Paris” entrou em cartaz na França em 27 de setembro de 2023. Três semanas antes, ele fora apresentado no Festival Internacional de Cinema de Veneza com uma tímida receptividade do público e dos críticos. Nos Estados Unidos, o novo longa-metragem de Allen só foi lançado em abril de 2024. No restante do mundo, a data de lançamento foi mesmo o segundo semestre desse ano, conforme a plateia sul-americana descobriu.
Um dos efeitos da falta de apelo da nova produção foi o desabafo do diretor norte-americano de que este seria seu último trabalho. Admito que fiquei dividido entre acreditar ou não em suas palavras. Por um lado, me parece lógico e natural que Woody Allen tenha se cansado de “remar em doce de leite”, para usar uma expressão argentina que adoro – algo como “remar contra os ventos”. Se o mercado não o aceita mais, para que insistir em lançar novos filmes?!
Por outro lado, será que alguém que apresenta anualmente novidades há quase 60 anos conseguirá parar de trabalhar em um estalar de dedos? Acho difícil. Por isso, achei que seus desabafos nas coletivas de imprensa foram mais para promover o novo título que estava recebendo pouca visibilidade do público e da mídia do que uma vontade genuína de encerrar a carreira. Certamente muitos fãs correriam às salas de cinema para ver a despedida do grande cineasta. Mal imaginava ele que muita gente (coloca o dedo aqui que já vai fechar!) seria na verdade seduzido pelos encantos de Lou de Laâge.
Falei, falei e falei e ainda não apresentei o enredo de “Golpe de Sorte em Paris”. Bem-vindos ao Bonas Histórias, senhoras e senhores. A parada aqui é assim mesma – damos voltas e mais voltas como os cachorros que correm atrás do próprio rabo. Como diria o narrador de Rá-Tim-Bum: senta que lá vem a história!
O novo filme de Woody Allen começa com o caminhar matinal de Fanny Moreau (interpretada por Lou de Laâge) para o trabalho. A moça é funcionária em uma galeria de arte na capital francesa. Quando está se aproximando do destino, ela é abordada na calçada por Alain Aubert (Niels Schneider). O acaso é o responsável pelo reencontro da dupla depois de muitos e muitos anos. Ele, agora um escritor de volta à Paris para produzir um romance, se lembra imediatamente da antiga colega de escola. Afinal, ela era extremamente popular e linda desde a infância/adolescência. Não por acaso, Alain era apaixonado secretamente por Fanny no remoto passado, conforme faz questão de revelar naquela rápida conversa na calçada. Por mais que ela se esforce para se recordar dele, então um tímido e simples estudante, não consegue ter êxito.
O reencontro mexe com as duas personagens. Eles trocam telefones e passam a se encontrar amistosamente na hora do almoço de Fanny. A curiosidade pelo outro e a grande afinidade intelectual da dupla os atraem mutuamente, apesar da jovem ser casada. Na cabeça da protagonista de “Golpe de Sorte em Paris”, seu casamento com Jean Fournier (Melvil Poupaud) é perfeito e não há nenhuma chance de seu coração ficar balançado por Alain. Em suma, Fanny é agora a Senhora Fournier e não mais a Senhorita Moreau.
É bom que se diga que Jean faz o tipo de marido ideal: é milionário, carinhoso, elegante, organizado, trabalhador e sensato. E, o que é melhor, não se cansa de mimar a esposa com muito luxo. Fanny é tão paparicada que adquire uma rotina entediante. Na estrutura doméstica de muitos serviçais, armários com o que se pode comprar de melhor e eventos sociais classudos da elite francesa, a moça se sente quase como um bibelô para ser apreciado. Ela só tem um respiro quando vai ao trabalho – mais por necessidade psicológica do que por carência financeira.
Contudo, tal dia a dia extravagante e monótono não incomoda Fanny. Pelo contrário: ele a agrada bastante. Depois de passar por maus momentos no primeiro casamento, o surgimento de Jean em sua vida é encarado como um lance de sorte do destino. Quando ela iria imaginar ter um marido tão perfeito como aquele, hein? Por mais que Jean seja, às vezes, ciumento (tem a impressão de que alguns amigos olham com segundas intenções para a esposa), infantil (ele brinca com trenzinhos elétricos num cômodo da casa) e fútil (é complicado manter uma conversa profunda com ele sobre qualquer assunto), ele é no fundo um cara legal.
O problema é que no meio do caminho (ao trabalho) tinha um escritor (jovem e inteligente), tinha um escritor (apaixonante e sensível) no meio do caminho (do matrimônio de Fanny). Alain é a antítese de Jean: simples, informal, compreensível, independente, espontâneo e intelectualmente desenvolvido. Com ele, Fanny compartilha impressões de filmes e livros, numa rara afinidade artística. Não é preciso dizer que a antiga amizade de Fanny e Alain e a compatibilidade de almas entre eles se transformam rapidamente em uma tórrida paixão extraconjugal. Assim, os encontros amistosos da hora do almoço nas praças parisiense são trocados pelas tardes de sexo na cama do apartamento do rapaz.
Novamente, a protagonista do filme se questiona se um novo lance do acaso é o responsável por trazer mais uma lufada de sorte para sua vida. E se ela não tivesse trombado naquela manhã com o antigo colega de escola? E se não tivesse se dado a possibilidade de o conhecer mais e melhor depois do reencontro inusitado? Será que teria conseguido ver que sua vida ao lado de Jean era na verdade sem graça e uma completa perda de tempo? Uma vez ciente da realidade, Fanny começa a questionar seus passos. Será que deve permanecer ao lado do marido zeloso na tranquilidade da rotina abastada ou pode abraçar a paixão improvável e inconsequente com o escritor humilde?
Não é preciso ser um gênio para supor que uma mulher nessa posição e com tantas dúvidas estará em maus lençóis. Como Jean Fournier não é bobo, ele saca rapidamente que há algo de muito errado com seu matrimônio e com a postura da esposa. Quando a coisa aperta, quem socorre a heroína é sua mãe, Camille Moreau (Valérie Lemercier). No alto de sua experiência, a Sra. Moreau consegue ver o que a jovem filha não enxerga, por mais óbvio que pareça. O problema é saber se Fanny ouvirá as preciosas dicas maternas.
Com pouco mais de uma hora e meia de duração, “Golpe de Sorte em Paris” pode ser classificado tanto como uma comédia romântica como uma tragicomédia. Quem preferir, pode vê-lo também como um drama satírico sobre relacionamentos conjugais, como uma reflexão filosófica sobre as incongruências do amor ou até mesmo como um suspense policial. Um suspense policial, Ricardinho? Exatamente, desconfiado(a) leitor(a) da coluna Cinema. Depois da metade do filme, desaparecem os componentes românticos e cômicos (ou, para ser mais exato em meu comentário, eles perdem bastante força, mas não somem totalmente) e surge uma trama investigativa ao melhor estilo dos thrillers noir de Alfred Hitchcock. Aí o drama e o mistério potencializam-se.
Confesso que achei essa história uma mistura de “Madame Bovary” (Penguin-Companhia), clássico da literatura francesa criado por Gustave Flaubert, com “Crime e Castigo” (Editora 34), obra-prima da literatura russa concebida por Fiódor Dostoiévski. Quem é chegadinho em Teatro, talvez a associação mais pertinente seja com uma união entre “Macbeth”, de William Shakespeare, e “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues. Para os fãs da Sétima Arte, a comparação mais adequada é com “Pacto Sinistro” (Strangers on a Train: 1951), longa-metragem de Hitchcock baseado no romance homônimo de Patricia Highsmith.
Para um bom entendedor poucas palavras bastam. Como não posso apresentar o spoiler do filme, essas referências intertextuais da literatura, do teatro e do cinema são capazes de mostrar para onde a história de “Golpe de Sorte em Paris” deságua. Convenhamos que se agora falta um pouco de criatividade para Woody Allen, não lhe faltam bagagens culturais.
Para quem prefere olhar para dentro do portfólio do cineasta para fazer as devidas associações, posso dizer que o novo longa-metragem do norte-americano mescla a temática de “Ponto Final – Match Point” (lances de sorte pautando os destinos) com a atmosfera e as personagens de “Meia-noite em Paris” (devidamente encenado na charmosa capital francesa e com figuras redondas) e com o enredo de “O Homem Irracional” (personagem tirada da depressão e envolvida em uma série de assassinatos).
Exatamente aí reside o grande problema da mais recente produção woodyaliana. Como suspeitava, temos mais do mesmo. Para entender o que estou dizendo, proponho uma experiência empírica. Pegue um grupo de pessoas com bom gosto que jamais assistiu aos filmes de Woody Allen e o coloque na sessão de cinema para conferir “Golpe de Sorte em Paris”. Certamente a avaliação será muito positiva. Por quê? Porque temos um longa-metragem redondo, redondinho.
Seu enredo é instigante, os diálogos são extremamente inteligentes (marca dos roteiros de Allen), a história mistura humor, drama e romance em doses certeiras, a fotografia é espetacular (e algo filmado em Paris ficaria ruim?!), a trilha sonora é cativante, o ritmo narrativo é impecável e a atuação do elenco está muito acima da média. Até o design gráfico merece elogios, seguindo a identidade visual dos últimos filmes do diretor. Aos quase 90 anos de idade, precisamos reconhecer que Woody Allen sabe fazer um bom cinema e não perdeu a mão do ofício.
Diante da empolgação do primeiro grupo de avaliadores, passamos para o segundo grupo de nossa experiência hipotética: aqueles que já conhecem boa parte do trabalho do norte-americano. Aí a sensação será de ligeira frustração. “Golpe de Sorte em Paris” tem, por exemplo, vários elementos das narrativas anteriores de Allen: “Vicky Cristina Barcelona” – mulher casada que não crê que pode ser infiel até ser; “Blue Jasmine” (2013) – busca pelo conforto e pela tranquilidade financeira de um marido rico; e “Magia ao Luar” (Magic in the Moonlight) – atração pelos opostos e ambientação francesa. Para completar, como já disse, a aproximação mais forte é com os dramas de “Ponto Final – Match Point”, “Meia-noite em Paris” e “O Homem Irracional”.
Sabe quando a Rede Globo passa pela terceira ou quarta vez a mesma novela no “Vale a Pena Ver de Novo” – alguém aí se lembrou de “Chocolate com Pimenta”?! Ou quando os roteiristas tentam extrair mais uma história de uma saga por vezes requentada – impossível não relembrarmos dos títulos de “Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida” (Raiders of the Lost Ark: 1981) e “Um Tira da Pesada” (Beverly Hills Cop: 1984) que ganharam recentemente novos e desnecessários episódios, né? Por melhores que sejam essas sagas, chega uma hora que elas cansam nossa beleza.
Diante dessa enorme contradição, é difícil dizer se “Golpe de Sorte em Paris” terá a capacidade de agradar ou desagradar a plateia nos quatro cantos do planeta. Na minha visão, depende do referencial do público. Eu gostei da experiência na sala de cinema. Porém, o filme esteve muito, muito distante de me empolgar. Porque faço parte justamente do segundo grupo de espectadores que citei. Se estivesse no primeiro, talvez tivesse curtido um pouco mais.
Do ponto de vista da estética do cinema woodyano, os dois elementos novos de “Golpe de Sorte em Paris” são o idioma francês e a atuação dos atores europeus. Em relação ao idioma, como já falei, acho que ele caiu muitíssimo bem nesta produção. A experiência é outra de você acompanhar a história na língua do país da encenação. Juro que não sei o porquê Woody Allen (e boa parte dos grandes cineastas) não utiliza corriqueiramente esse expediente. A experiência para o público é muito mais charmosa e fidedigna.
Quanto ao elenco, não preciso dizer que Lou de Laâge está, como sempre, exuberante. Além de linda e com um carisma impressionante, ela dá conta do recado de ser protagonista de uma obra de Woody Allen, algo que poderia intimidar qualquer um. A sensação é que a atriz francesa brilha com naturalidade, sem se esforçar para se destacar.
Contudo, o grande destaque em “Golpe de Sorte em Paris”, na minha visão, foi o desempenho de Melvil Poupaud. Ele está sensacional no papel do vilão da trama tragicômica. Como eu não o conhecia (pelo menos não me recordo de ter acompanhado nenhum de seus trabalhos anteriores), o achei talentosíssimo. Sempre que surge na tela, ele rouba a cena. Niels Schneider e Valérie Lemercier também estão ótimos, o que potencializa a qualidade do longa-metragem.
Assista, a seguir, ao trailer de “Golpe de Sorte em Paris” (Coup de chance: 2023):
Acho que por hoje é só, pessoal. Sei que essa foi uma análise diferentona da coluna Cinema. Afinal, falei muita coisa, mas pouco do filme em si – juro que isso não acontece normalmente. O que apresentar de novo para os leitores do Bonas Histórias se não há qualquer novidade para o que conhecemos do trabalho de Allen em “Golpe de Sorte em Paris”?! Difícil. Juro que quando identificar uma produção realmente inovadora que entre em cartaz, retornarei para o blog para esmiuçá-la. Aí ficarei menos de papinho paro o ar, como aqui, e vou mergulhar de fato no trabalho analítico.
E para quem ficou interessado no post sobre o Malba, saiba que ele foi reprogramado para janeiro de 2025. Ou seja, ele sairá sim na coluna Exposições. Só precisamos esperar mais algumas semaninhas para conferi-lo. Até lá, continue acompanhando o conteúdo das demais seções do Bonas Histórias. Tenho certeza de que há muita coisa interessante sobre as mais diferentes manifestações artístico-culturais do Brasil e do mundo para debatermos.
Até a próxima!
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