Livros: Uma Curva na Estrada – O quinto romance de Nicholas Sparks
- Ricardo Bonacorci

- 14 de jul.
- 17 min de leitura
Atualizado: 13 de ago.
Publicado originalmente em setembro de 2001 nos Estados Unidos e lançado no Brasil na versão em português em fevereiro de 2013, esse drama histórico foi inspirado na história real do cunhado do best-seller norte-americano.

Em Buenos Aires, onde moro há quase dois anos, 9 de julho foi feriado. Curiosamente, esse é um dos poucos recessos argentinos que coincidem com o calendário de folgas de São Paulo, minha cidade natal e local da editora em que trabalho. Por falar nisso, aqui vão meus abraços para a galerinha da EV Publicações. Enquanto em tierras hermanas a última quarta-feira teve a celebração do Dia da Independência (com direito a locro criollo por todos os lados!), no território paulista foi comemorada a Revolução Constitucionalista de 1932 (mas, se eu não estiver tão enganado, sem bauru, sem sanduíche de mortadela e sem lanche de pernil na mesa da maioria das famílias).
Por isso, não havia desculpa dessa vez: podia descansar sem o peso na consciência. Confesso que a incompatibilidade de agendas acaba fazendo com que eu trabalhe em quase todos os feriados argentinos/portenhos e em quase todos os feriados brasileiros/paulistanos. Ai, ai, ai. São coisas de quem atua remotamente e algo comum na rotina dos nômades digitais. Fazer o quê? O fato é que tinha que aproveitar a sincronização dos astros (ou a compatibilidade de calendários, né?) e curtir a rara oportunidade para descansar bem no meio da semana. Uhu! ¡Viva el nueve de julio en Buenos Aires! E viva o nove de julho em São Paulo!
E o que fiz nessa data tão especial, senhoras e senhores? Como os leitores mais antigos do Bonas Histórias já estão cansados de saber, uma das minhas diversões favoritas é mergulhar nas páginas da ficção literária. Não por acaso, foi exatamente o que fiz na última quarta-feira de moleza cívica. Na manhãzinha calma de Saavedra, bairro da Zona Norte da capital da Argentina, tomei café bem cedo e me atirei no sofá embaixo das cobertas. A ideia era passar o feriado invernal com um bom livro em mãos. Nada de sair pelas ruas com essa friaca polar (e sem dinheiro no bolso, mesmo no início do mês). Muitas vezes, tudo o que precisamos para relaxar e espairecer é permanecer quietinho (e quentinho) dentro do lar.
Ao procurar um romance na biblioteca do meu Kindle, encontrei “Uma Curva na Estrada” (Arqueiro), uma das primeiras publicações de Nicholas Sparks. O pobrezinho estava atirado em um canto empoeirado e obscuro das estantes do meu leitor de livros digitais. Antes que alguém reclame do paradoxo das duas últimas construções frasais, eu explico: gosto de usar figuras de linguagem em meus textos. Entre no espírito da brincadeira, por favor. Voltando ao que estava falando... Ao avistar este romance, não titubeei. Na hora, o pensamento que brotou em mim quase como um balãozinho de história em quadrinhos foi: “Achei! É essa a obra de hoje, Ricardinho. Vou de Sparks com certeza!”.

Qual o motivo da minha escolha? Sinceramente, não sei justificar racionalmente minhas decisões. Geralmente, terceirizo esse serviço para a Doutora Riolinda, minha psicóloga imaginária. Porém, em um exercício reflexivo rápido e superficial, encontrei algumas respostas possíveis. Vamos a elas!
Talvez o cenário atual da minha cidade tenha pedido uma história de amor. Você vai concordar comigo que o inverno em Mi Buenos Aires Querido combina com os romances românticos. Inclusive, já falei sobre esse assunto em dois posts recentes: Lançamentos de livros de ficção e poesia em maio e junho de 2025, conteúdo da coluna Mercado Editorial, e Músicas românticas em espanhol para o inverno, material da coluna Recomendações. Para não me tornar repetitivo (um dos meus defeitos), vou pular essa parte, tá? Obrigado pela compreensão.
Outra possibilidade foi a minha necessidade de conhecer um novo drama sentimental. Admito que brincar de "Laços de Família" (2001), telenovela global em que Edu padecia para ficar com Helena, já está me angustiando. Quem manda ficar pobre justamente na época em que o Peluca de León supervalorizou sua moeda, né? Aí não há encanto nem amabilidade de la chica venezolana más hermosa de Baires que sobreviva à versão hétero, falida, corintiana, literata e feia do Edu do Manoel Carlos. Cada um tem o Reynaldo Gianecchini que merece, não é mesmo?
O terceiro motivo pode ser que estava com a literatura de Nicholas Spark na cabeça há algumas semanas. Para ser mais preciso em meu comentário, as obras ficcionais do best-seller norte-americano rondavam minha mente desde que assisti a “Mensagem em Uma Garrafa” (Mensaje en Una Botella: 2025), filme argentino que tem o título muito parecido com “Uma Carta de Amor” (Arqueiro), o segundo romance de Sparks. Obviamente a semelhança é com o nome da obra em inglês: “Message in a Bottle”. Muita coincidência, hein?! Até comentei essa questão na própria análise do longa-metragem na coluna Cinema.
Por fim, acho que a razão principal da escolha da minha leitura do último feriado foi a certeza de que Nicholas Sparks não decepciona quando apresenta aos leitores uma narrativa ficcional. Já li várias de suas obras e até hoje nunca me frustrei. Elas misturam romance, mistério, suspense e ação na medida certa. Assim, quando bati os olhos em “Uma Curva na Estrada”, sabia que teria uma boa experiência literária. E foi o que aconteceu. Gostei tanto desse título que resolvi analisá-lo na coluna Livros – Crítica Literária. E aí está a resenha que prometi para mim mesmo que faria.

“Uma Curva na Estrada” é uma produção narrativa da fase inicial da trajetória de Nicholas Sparks como autor ficcional. Admito que sou fã dessa etapa da carreira do romancista norte-americano, quando ele mesmo desenvolvia seus textos. Atualmente, ele possui uma equipe que executa suas ideias. Não é que os novos livros sejam ruins. Não! Por favor, não me entenda mal. Suas histórias continuam sendo muito boas – do contrário ele não teria se tornado um best-seller internacional nem uma grife do mercado editorial e do cinema hollywoodiano. Entretanto, sinto que os últimos títulos não possuem o charme das obras iniciais, quando ele tecia tramas mais originais, contundentes e com personagens memoráveis.
Juro que não sei explicar essa minha preferência. Só sei apontar que os três livros de Sparks que mais gostei foram justamente os três iniciais: “Diário de Uma Paixão” (Novo Conceito), publicado originalmente em 1996, “Uma Carta de Amor” (Arqueiro), romance de 1998, e “Um Amor para Recordar” (Arqueiro), obra de 1999. Se você ainda não leu essas tramas, leia-as. Valem muito a pena. Provando que meu gosto não é tão aleatório assim, essas histórias foram justamente as primeiras do autor a ganharem adaptações cinematográficas – em 2004, 1999 e 2002, respectivamente.
Acho legal mencionar que, dos seus títulos mais recentes, os meus preferidos são: “Querido John” (Arqueiro), romance de 2007, “A Última Música” (Arqueiro), drama de 2009, e “Uma Longa Jornada” (Arqueiro), publicação de 2013. Essa trinca também foi convertida em versões audiovisuais. Pelo que eu saiba, Nicholas Sparks tem mais de uma dezena de livros que foram levados às telonas e se tornaram êxitos comerciais da sétima arte norte-americana.
E por que estou falando sobre isso?! Porque “Uma Curva na Estrada” – não confundir, por favor, com “Uma Curva no Tempo” (Arqueiro), drama da inglesa Dani Atkins que comentei aqui no blog há muitos anos – é o quinto romance de Nicholas Sparks. Ele foi lançado em setembro de 2001 (uma semana após os atentados terroristas às Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York) pela Warner Books com o nome “A Bend in the Road”. Do ponto de vista do portfólio do romancista norte-americano, esta obra chegou às livrarias um ano depois de “O Resgate” (Arqueiro) e um ano antes de “Noites de Tormenta” (Arqueiro).

No Brasil, “Uma Curva na Estrada” foi adaptado para o português pela Editora Arqueiro, que tem em seu quadro figuras de renome da literatura norte-americana contemporânea como Dan Brown, James Patterson e Harlan Coben, além do próprio Nicholas Sparks. Publicado em nosso país em fevereiro de 2013, este romance de Sparks foi traduzido por Fernanda Abreu, a homônima da cantora carioca que começou como backing vocal na Blitz, a banda da música grudenta “Você Não Soube Me Amar”. Entre os trabalhos de mais visibilidade da tradutora nascida em Londres e criada no Brasil (que não tem nada em comum com a intérprete de “Rio 40 Graus”, além do nome igual, claro), podemos citar: “O Símbolo Perdido” (Arqueiro), de Dan Brown, “Comer, Rezar, Amar” (Objetiva), de Elizabeth Gilbert, e “Uma Vida Interrompida” (Casa dos Livros), de Alice Sebold. Apesar de ter lido esses três livros (e gostado bastante deles), acho que não os analisei no Bonas Histórias.
Voltando a falar de “Uma Curva na Estrada” (nosso assunto de hoje da coluna Livros – Crítica Literária), este não é um título tão conhecido de Nicholas Sparks. Só mesmo quem é fã de carteirinha do best-seller norte-americano o conhece. Isso se deu porque ele ficou apartado entre os primeiros sucessos do autor que tinham um estilo de produção mais artesanal – de “Diário de Uma Paixão” até “O Resgate” – e seus êxitos mais recentes com características de linha de produção – a partir de “O Guardião” (Arqueiro), de 2003. Tal processo de esquecimento ou de abandono também ocorreu com “Noites de Tormenta”, romance posterior a “Uma Curva na Estrada”.
É preciso dizer que o período de publicação de “Uma Curva na Estrada” e (“Noites de Tormenta”) foi péssimo, o que ajuda a explicar a pouca visibilidade até hoje dessa(s) obra(s) no portfólio do autor. Em tempos de Guerra ao Terror, política militar promovida pelo governo de George W. Bush em resposta aos ataques terroristas da Al-Qaeda em 2001, apresentar dramas amorosos ao estilo água com açúcar se tornou uma afronta ao bom senso dos leitores nos Estados Unidos. Aí os romances de Sparks perderam momentaneamente o apelo – algo que voltaria a partir de 2003, quando a situação geopolítica se normalizou na América do Norte.
Curiosamente, a trama de “Uma Curva na Estrada” foi baseada em uma história real, algo que Nicholas Sparks fazia bastante no começo da carreira. Lembremos que “Diário de Uma Paixão” foi inspirado na trajetória dos avós de sua esposa. Dessa vez, a fonte de inspiração foi o seu cunhado. A impressão que tenho é que parte do sucesso inicial deste romancista se deve à turbulenta vida afetiva dos familiares de sua mulher, Cathy Cote. Ou melhor, ex-mulher. Afinal, o casal se separou em 2015, após duas décadas e meia de união. Bonito isso, Sr. Sparks! Você usa as melhores histórias dos parentes de Cathy por um longo tempo e, quando descobre que não tem mais nada de novo para extrair dali, troca a companheira. MONSTRO! Brincadeirinha!

Adquiri este e-book há vários anos quando queria analisar a literatura de Nicholas Sparks no Desafio Literário. Apesar da vontade de me aprofundar em seu portfólio, confesso entristecido que isso nunca aconteceu. No fim das contas, acabei priorizando outros nomes de destaque da ficção contemporâneo. Ainda assim, reconheço que em várias vezes a bola bateu na trave (e caminhou por cima da linha). Juro que o gol só não saiu por mero detalhe. Em outras palavras, curto o trabalho literário de Sparks e sempre fico fascinado com os seus títulos ficcionais. E depois de tanto desprezar “Uma Curva na Estrada”, enfim dei a atenção que esse romance merecia.
Antes de analisá-lo com o devido cuidado (afinal, estamos na coluna Livros – Crítica Literária, não é?), acho de bom tom apresentar aos leitores do Bonas Histórias o enredo desta publicação. Aí vamos nós! Basicamente, a narrativa de “Uma Curva na Estrada” começa em agosto de 1988. O cenário é New Bern, uma pequena cidade do condado de Craven, na Carolina do Norte. O protagonista da trama é Miles Ryan, um dos subxerifes da localidade. Aos 32 anos de idade, ele cuida sozinho de Jonah, seu filhinho de sete anos, pois é viúvo.
Há dois anos, Miles perdeu a esposa, Missy Ryan, de forma trágica. Ela foi atropelada na estrada perto de casa enquanto corria no fim de tarde. O motorista que a matou fugiu sem prestar ajuda e jamais foi identificado pela polícia. Não descobrir o assassino de Missy atormenta o subxerife até hoje. Além da falta da mulher que tanto amava e que fora sua primeira (e única) namorada, Miles se culpa por não ter conseguido avançar na investigação deste caso. Não é preciso dizer que o rapaz vive até hoje com a sombra pesada do passado e com o inconformismo que vitimou sua família.
As coisas para Miles Ryan e o pequeno Jonah parecem mudar no novo ano letivo do garotinho. Agora, a professora do filho do policial é Sarah Andrews, uma mulher muito bonita e recém-divorciada que chegou há pouco de Baltimore. Ela abandonou sua cidade natal após o complicado término do casamento, que a abalou consideravelmente. Para recomeçar a vida longe das amarguras do ex, Sarah escolheu a pequena cidade da Carolina do Norte onde seus pais passaram a viver nos últimos anos.
E na escola de New Bern, o aluno que mais preocupa a nova professora é Jonah. Aos sete anos de idade, o menino está muito defasado nos estudos. A comparação, obviamente, é em relação aos colegas de classe. Pelo visto, os professores antigos do garoto o pouparam dos esforços pedagógicos. Afinal, quem iria pressionar um pequeno órfão, né?

Ciente de seu papel de docente, Sarah Andrews marca uma reunião com Miles Ryan para discutir a defasagem educacional de Jonah. O pai fica assustado ao descobrir que o filho é o pior aluno da classe. O correto, segundo a professora, era o estudante mirim ter repetido de ano. O menino não sabe ler nem fazer contas básicas. Para recuperar o tempo perdido, Jonah precisará passar por aulas de reforço na escola e se dedicar às lições extras em casa. Para tal, tanto Sarah quanto Miles precisarão estar mais próximos do garoto e se dedicar intensamente ao seu processo de aprendizado.
Assim, o combinado da dupla de adultos é que a professora fará aulas de reforço três vezes por semana com Jonah na escola e o subxerife supervisionará as lições de casa do filho duas vezes na semana. O que nenhum dos dois poderia imaginar é que esse trabalho em conjunto fosse aproximá-los bastante e de maneira sentimental. Rapidamente, pinta um clima entre Miles e Sarah e os dois se apaixonam. A união deles parece perfeita: o policial poderá esquecer os traumas da viuvez precoce e a docente recém-chegada à cidade conseguirá virar a página do divorcio turbulento. Para completar o cenário idílico, Jonah ganhará uma figura feminina forte e carinhosa, algo que ansiava desde a perda da mãe.
O que poderia complicar a nova vida de Miles, Sarah e Jonah, hein? Nada, né? Nananinanão. Aí que surgem os conflitos deste romance de Sparks, senhoras e senhores. Justamente quando o casal de protagonistas parece ter engatado o relacionamento e estar pronto para viver tempos felizes, episódios mal resolvidos do passado de todos chegam para atormentá-los. Diante de tantas e pesadas adversidades, a confiança e o amor entre Sarah Andrews e Miles Ryan serão colocados em xeque. Será que o sentimento incipiente deles sobreviverá aos segredos impiedosos que ficaram escondidos por tanto tempo e que só agora foram revelados? Esse é o mistério que movimenta esse livro ficcional.
As 304 páginas de “Uma Curva na Estrada” estão divididas em 39 capítulos, sendo um de prólogo e outro de epílogo (os demais 37 capítulos são numerados). Levei aproximadamente seis horas e meia para percorrer integralmente seu conteúdo neste feriado de 9 de julho. Sucintamente, precisei de três sessões de leitura ao longo do dia. Li metade do romance na manhã de quarta-feira, o que demandou mais ou menos três horas de concentração às páginas. Depois, foram necessários um mergulho literário à tarde (de pouco mais de duas horas) e outro final à noite (de cerca de uma hora). Portanto, para quem (como eu) curte longas imersões na ficção, dá para devorar essa obra em um único dia sem problema. Do contrário, creio que dê para ler esta publicação em três ou quatro noites consecutivas.

Em relação à estrutura, o quinto romance de Nicholas Sparks possui uma divisão muito clara. A primeira metade de “Uma Curva na Estrada” é dedicada à apresentação dos componentes principais da trama (o passado difícil das personagens e o presente árido delas) e à construção do amor de Sarah Andrews e Miles Ryan. Até mesmo os leitores mais românticos vão concordar comigo que essa é a parte mais fraca (ou menos emocionante) do livro. Afinal, gasta-se uma centena e meia de páginas para mostrar os antigos traumas do casal de protagonistas e para narrar o novo envolvimento amoroso entre o policial viúvo e a professora divorciada. Por mais que não tenha nada de errado nesse tipo de expediente narrativo, os capítulos são mornos. Juro que quando cheguei no meio desta publicação, pensei: “Dessa vez, Sparks mandou mal. Enfim, estou tendo a oportunidade de ler um trabalho fraco (ou pouco empolgante) dele”.
Tão logo essa reflexão brotou na minha mente, o livro mudou da água para o vinho. Na segunda metade de “Uma Curva na Estrada”, o cenário dramático se alterou completamente e o bicho pegou pra valer. Aí o que parecia ser uma história de um namorinho bobo se transformou em um drama histórico com tintas fortes, com conflitos angustiantes e com situações delicadíssimas. De repente, o romance se potencializou e a leitura ganhou intensidade. É incrível notar essa alteração de dinâmica e o efeito desse recurso narrativo. Nesse instante, tive que reconhecer: “Tá bom, tá bom, Sr. Sparks. Você venceu outra vez. Não foi dessa vez que vou ler algo ruim do senhor”.
O que serviu de estopim para essa alteração do arco dramático foi o capítulo 10, que fica justamente no meio do romance. É importante explicar que a maioria dos textos de “Uma Curva na Estrada” é narrado em terceira pessoa por um narrador observador do tipo onipresente e onisciente. Através de seus olhos, conhecemos o passado e o presente de Sarah Andrews, Miles Ryan e Jonah Ryan. Além disso, ficamos sabendo dos sentimentos e dos pensamentos dessas personagens. Até aí não há nada demais.
Contudo, alguns capítulos possuem um narrador em primeira pessoa (a diferença é que este texto está em itálico). Essas narrativas de caráter mais pessoal vêm intercaladas aos capítulos em terceira pessoa, o que traz naturalmente um elemento extra de curiosidade aos leitores. Afinal, não sabemos quem é o autor desse trecho. Ainda assim, o que tornou esta leitura mais prazerosa e instigante foi descobrir, bem no meio do romance, que esse narrador misterioso era o assassino de Missy Ryan. E a bomba dramática foi entender que esse sujeito não vivia longe de Miles Ryan, como pensávamos inicialmente. Pelo contrário, ele fazia parte da rotina do viúvo e do garotinho órfão. Essa pitada de surpresa deu altíssima tensão à história de “Uma Curva na Estrada”, além de transformar o romance água com açúcar em um thriller com muita ação e com componentes de romance policial.

Por mais paradoxal que possa parecer, o narrador misterioso em primeira pessoa foi o responsável por, ao mesmo tempo, melhorar a história desse livro e tornar sua trama inverossímil. É isso mesmo o que você leu, caro(a) leitor(a) do Bonas Histórias. Esse expediente narrativo significou simultaneamente o maior acerto e o maior erro deste trabalho de Nicholas Sparks. Por quê? Vamos lá que vou explicar...
Ora, porque o narrador misterioso, como acabei de detalhar, trouxe as doses de mistério e angústia que o romance tanto precisava. Nesse sentido, ele está perfeito. Por outro lado, a narrativa em terceira pessoa de “Uma Curva na Estrada” se tornou totalmente inconsistente com o acréscimo das passagens em primeira pessoa. Não dava para o homem que atropelou a esposa de Miles Ryan saber tudo o que o policial e a professora faziam. Ele não estava presente em todas as cenas para conseguir detalhar os acontecimentos das demais personagens, né? E da maneira como o livro foi estruturado, o narrador-personagem oculto é também o “autor” do texto em terceira pessoa (o tal narrador onipresente e onisciente da maior parte do texto). O nome disso, segundo a Teoria Literária, é inverossimilhança narrativa (ou erro de foco narrativo).
Vamos combinar que o trabalho dos escritores ficcionais não é nada fácil, senhoras e senhores. Os artistas das letras fazem algo que potencializa a experiência de leitura e, ao mesmo tempo, prejudica a qualidade técnica do romance. Ai, ai, ai. É claro que esse não é um erro de Nicholas Sparks que afeta diretamente a leitura do público recreativo. Pelo contrário, esse expediente tornou o livro muito melhor do ponto de vista comercial e de apelo popular. Ainda assim, não podemos fechar os olhos para as questões técnicas da literatura, não é mesmo? Tecnicamente falando, esse livro tem um grave problema de foco narrativo, o que prejudica a leitura do público que estuda o fazer literário, os elementos da Teoria Literária e os componentes da narrativa ficcional.
Saindo das polêmicas mais pesadas, vamos ao que me pareceu um acerto inegável de Sparks nesta obra: a construção das personagens. Como é tradição na literatura deste autor, ele sempre desenvolve figuras redondas. É legal comentar sobre isso porque até a primeira metade de “Uma Curva na Estrada”, a sensação é que estamos diante de personagens planas e que a trama possui forte maniqueísmo. Não à toa, o mal-estar de quem esperava algo interessante. Porém, quando o romance ganha novas tonalidades na metade da história, assistimos ao florescer das contradições das personagens principais e o desaparecimento dos conflitos moldados entre o bem contra o mal. Em outras palavras, o mundo aqui não é preto e branco. As várias colorações de cinza tornam essa publicação mais rica e instigante para os bons leitores.

Outro aspecto que gostei foi do espaço narrativo. Nicholas Sparks ambienta seus enredos quase sempre em paisagens que conhece bem. Daí a preponderância de cidades da Carolina do Norte em seus romances. Em “Uma Curva na Estrada”, não foi diferente. O norte-americano escolheu como cenário a sua própria cidade, New Bern. Por isso, a excelente recriação narrativa desse lugar nas páginas do livro. Às vezes é melhor caminhar bem por trilhas já conhecidas do que se aventurar por lugares novos e traiçoeiros.
Por mais que eu fique listando os aspectos positivos desse título e afirme que gostei bastante desta leitura, não posso ficar indiferente aos equívocos que encontramos aqui e ali. Depois do tropeço da definição do narrador, o que mais salta aos olhos é a fraqueza de “Uma Curva na Estrada” como romance histórico. Lembremos que seu enredo se passa em meados de 1988, quando Sarah Andrews se muda para New Bern e se torna professora de Jonah Ryan. Para ser mais preciso em meu comentário, posso afirmar que essa trama começa um pouco antes, em 1986, quando Missy Ryan sofre o fatídico acidente, e avança até a virada do ano de 1988 para 1989, quando temos o desfecho do romance.
A questão que me incomodou foi a pouquíssima quantidade de elementos que amparam a narrativa ambientada nos anos 1980. Só me recordo do uso das fitas VHS, seja no aluguel dos filmes nas locadoras, seja no hábito do casal filmar as cenas em família pelas câmeras portáteis, e a necessidade de se fazer chamadas telefônicas pelas linhas fixas. Além disso, o que mais caracterizava o dia a dia há quarenta anos, hein? Não temos uma resposta por parte do autor para esse questionamento. Tirando o fato de as personagens não usarem telefone celular nem redes sociais, essa história poderia ser descrita como atual.
Ou seja, achei a falta da contextualização histórica um vacilo imperdoável. Se é para ambientar o enredo numa determinada época, então vamos mergulhar pra valer naquele período. Do contrário, a sensação é que falta alguma coisa. E foi justamente o que ocorreu nesta obra.
Em relação à edição brasileira de “Uma Curva na Estrada”, achei alguns erros textuais em algumas frases do romance. Não foram muitos erros (em três ou quatro trechos mais ou menos) nem coisas tão graves (palavras a mais aqui ou pontuação desnecessária ali). Ainda assim, eles causaram certo embaraço em quem esperava um material impecável – estamos falando da Editora Arqueiro, né? Como disse no início deste post da coluna Livros – Crítica Literária, recorri à edição digital da obra. Não sei se os vacilos textuais encontrados na versão do Kindle se aplicam também à versão impressa. De qualquer maneira, eles me chatearam um pouco e demonstraram um serviço de finalização de texto problemático.

Acho que era isso o que eu tinha para falar (ou escrever) hoje para os leitores do Bonas Histórias. De forma geral, “Uma Curva na Estrada” é um título interessante e serviu muito bem como companhia nesse feriado gelado en la ciudad de la furia. Entretanto, é bom alertar que ele está longe dos melhores trabalhos de Nicholas Sparks. “Diário de Uma Paixão”, “Uma Carta de Amor” e “Um Amor para Recordar” seguem intactos no alto do pódio das minhas leituras preferidas deste autor. E sendo bem franco com vocês, “Querido John”, “A Última Música” e “Uma Longa Jornada” também estão numa prateleira acima de “Uma Curva na Estrada” quando os quesitos são qualidade narrativa e impacto literário.
Então, você não gostou deste romance, Ricardinho? Gostei sim. Do contrário, não investiria tempo e esforço para tecer essa análise. O que estou dizendo é que dentro do portfólio de Sparks há livros melhores – alguns muito melhores. Porém, quando comparado com o que é apresentado pela média do mercado editorial, “Uma Curva na Estrada” se destaca tranquilamente. Daí minha satisfação com esta leitura no feriado. Vamos combinar que ainda está para chegar o dia em que Nicholas Sparks vai me decepcionar. Ou essa data nunca chegará? Cada vez mais duvido dessa possibilidade, senhoras e senhores.
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