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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural – literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura, gastronomia, turismo etc. –, o Blog Bonas Histórias analisa de maneira profunda e completa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 44 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Filmes: Mensagem em Uma Garrafa – A nova comédia dramática de Gabriel Nesci

  • Foto do escritor: Ricardo Bonacorci
    Ricardo Bonacorci
  • 23 de jun.
  • 16 min de leitura

Lançado nas salas de cinema da Argentina no começo de maio e disponível no streaming internacional desde a segunda semana de junho, o longa-metragem protagonizado por Luisana Lopilato é ambientado em Mendoza, a capital argentina dos vinhos, e possui enredo sobre universos paralelos e viagem no tempo.

Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é o filme argentino dirigido e roteirizado por Gabriel Nesci e estrelado por Luisana Lopilato

Apesar do renascimento do cinema brasileiro nos dois últimos anos, sigo acompanhando atentamente o que para mim permanece sendo a melhor sétima arte do nosso continente: o cinema argentino. Os motivos são simples. Sou apaixonado pelo audiovisual do país hermano, ainda que no último triênio ele tenha apresentado melhores produções televisivas – “O Eternauta” (El Eternauta: 2025), “Nada” (2023) e “O Síndico” (El Encargado: 2022-2024) são as provas cabais disso – do que títulos cinematográficos. Para completar, vivo em Buenos Aires, conforme estou apresentando em “Tempos Portenhos”, a nova coletânea textual da coluna Contos & Crônicas. Portanto, tenho grande dificuldade para ver as estreias brasileiras, o que não ocorre, por supuesto, com as novidades argentinas. Essa é a justificativa para a demora dos meus comentários sobre os êxitos dos filmes dos meus conterrâneos, como “O Agente Secreto” (2025), “Baby” (2025), “O Último Azul” e “Ainda Estou Aqui” (2024), e o excesso de longas-metragens de tierras hermanas.


O fato é que nas últimas semanas, só vi exemplares argentinos nas salas escuras de en la Ciudad de la Furia. Contudo, tenho que reconhecer que a safra em cartaz por aqui continua morna, muito morna. Isso é, na melhor das hipóteses, tá? Estou me esforçando para não dizer que ando decepcionado, bastante decepcionado com o que tenho visto. Por exemplo, não me lembro do último longa-metragem local que tenha me encantado pra valer. Na atual temporada, talvez esse posto ainda seja ocupado por “Culpa Cero” (2024), a divertidíssima e inteligente tragicomédia de Valeria Bertucello que assisti no cada vez mais longínquo e quente janeiro portenho.


Em maio e junho, os três melhores filmes argentinos que vi foram “Mensagem em Uma Garrafa” (Mensaje en Una Botella: 2025), a comédia dramática de Gabriel Nesci, “Nancy” (2025), o suspense dramático de Luciano Zito, e “Por Tu Bien” (2024), o thriller dramático de Axel Monsú. Deu para ver que a pegada recente girou em torno dos dramas, né? Como nenhum desses títulos mexeu muito comigo (elemento indispensável para que eu desenvolva um post para o Bonas Histórias), até algumas horas atrás não sabia o que debater hoje na coluna Cinema. Ai, ai, ai. Até me esforço para falar bem das novidades do universo artístico, mas também preciso que me ajudem, poxa vida!


No fim, optei por tratar aqui no blog de “Mensagem em Uma Garrafa”, que apresentou mais elementos (tanto positivos quanto negativos) para uma análise abrangente – Aninha, prometo que na próxima oportunidade eu falo de “Por Tu Bien”! Além do mais, como esse longa-metragem está disponível no streaming desde a semana passada (no caso, no Prime Video), o público brasileiro já pode acompanhá-lo, algo ainda inviável para os curiosos de “Nancy” e “Por Tu Bien”.

Lançado nos cinemas argentinos em maio de 2025 e disponível no streaming desde meados de junho de 2025, Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é a comédia dramática de Gabriel Nesci que tem como principal estrela Luisana Lopilato

Ainda assim, tenho que adiantar aos leitores assíduos desta coluna que o resultado de “Mensagem em Uma Garrafa” é dúbio (estou cheio de eufemismos hoje, meu Deus). Apesar de muito bem-feito e com um desfecho excelente, ele escorrega numa overdose de clichês, o que compromete bastante a experiência do público minimamente exigente. Confesso que se a leva de novidades em cartaz nos cinemas argentinos fosse realmente satisfatória, não teria cogitado sequer escrever sobre essa produção. Em outras palavras, em condições normais de temperatura e pressão, esse é um filme que não ganharia destaque na coluna Cinema, senhoras e senhores.   


Lançado em 8 de maio (exatamente no dia do meu aniversário – uhu!) no circuito comercial argentino, “Mensagem em Uma Garrafa” é o mais recente trabalho de Gabriel Nesci, cineasta nascido em Buenos Aires. Aos 46 anos, ele se destaca em produções para a televisão, cinema, rádio e música tanto na Argentina quanto na Espanha e Estados Unidos. Sim, você leu corretamente: eu acrescentei música na descrição audiovisual dele. Além de diretor e roteirista, Nesci é músico profissional. Sua formação é Desenho de Imagem e Som pela UBA (Universidade de Buenos Aires). “Mensagem em Uma Garrafa”, a terceira ficção de seu portfólio cinematográfico, foi dirigido e roteirizado por Gabriel Nesci.


Aqui temos uma história de viagem no tempo e um enredo baseado em universos paralelos. São temáticas que, convenhamos, proliferaram como pragas na televisão, no cinema e na internet nos últimos dez anos, né? Conforme o título desse longa-metragem indica, através de manuscritos colocados no interior das embalagens dos vinhos, a pessoa tem o poder de regressar à data de fabricação da bebida e alterar seu passado. O que poderia parecer uma dádiva ou um privilégio, talvez resulte em mais dores de cabeça para quem utilize essa ferramenta de mudança do destino.


Mesmo tendo sido lançado há um mês e meio, só conferi “Mensagem em Uma Garrafa” na semana retrasada. Para tal, fiz uma visita noturna de meio de semana ao Cine Gaumount, a tradicional casa de cinema da capital argentina. Ou você pensa que a Plaza del Congreso é só lugar de protestos e bagunças, hein? Nananinanão. Ela é também local do melhor da sétima arte sul-americana, senhoras e senhores. Isso é, quando não há protestos e o cinema não tem que fechar por segurança...


Para quem não conhece Gabriel Nesci, informo que ele estreou nos longas-metragens de ficção com “Días de Vinilo” (2012), uma comédia dramática divertidíssima. No seu debut cinematográfico, o portenho nos brindou com uma trama ambientada no universo musical. O foco era um grupo de quatro amigos trintões e para lá de atrapalhados que mantinham intactos os laços da infância e a paixão pelo Rock and Roll.

Novo título do cinema argentino, Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é o filme que foi ambientado em Mendoza, cidade considerada a capital da vinicultura argentina

Cinco anos mais tarde, Nesci lançou “Casi Leyendas” (2017), uma coprodução entre Argentina e Espanha. Nesta comédia interessante (mas de humor um pouco inferior ao filme anterior), temos novamente protagonistas desajustados e com grandes dificuldades para lidar com a chegada da rotina adulta. E outra vez, assistimos aos fortes elos entre amigos de infância e rapazes apaixonados pela música (sonham em ter uma banda famosa).


Curiosamente, “Mensagem em Uma Garrafa” foi escrita por Gabriel Nesci há mais de uma década. Do ponto de vista temporal, portanto, seu roteiro se situa entre “Días de Vinilo” e “Casi Leyendas”. Porém, só agora ele conseguiu viabilizar a ideia de filmar essa história.


Na minha visão, o trabalho deste cineasta flertava até então com os estilos e as temáticas de Nick Hornby, escritor inglês e autor de “Alta Fidelidade” (Companhia das Letras), “Uma Longa Queda” (Companhia das Letras) e “Um Grande Garoto” (Rocco). Sendo um pouco mais direto em minha associação, diria que Gabriel Nesci seria a versão argentina, mais jovem e cinematográfica de Hornby. Absurdo da minha parte fazer tal comparação?! Talvez. Só sei que sempre foi assim que vi seu portfólio audiovisual. Se bem que “Mensagem em Uma Garrafa” veio quebrar essa linha estilística e conceitual – tal qual “Funny Girl” (Companhia das Letras) representou uma grande ruptura para a literatura de Nick Hornby.


As filmagens do novo longa-metragem de Nesci começaram em julho de 2023 em Buenos Aires e se encerraram em setembro daquele ano em Mendoza. A produção ficou a cargo da Leyenda Films e da Kuarzo Entertainment Argentina, enquanto a distribuição ficou sob os cuidados da Prime Video (ainda tenho a vontade de chamá-la de Amazon Prime Video, mas estou me segurando). O filme contou com o patrocínio da Província de Mendoza, a meca da vinicultura argentina. Não é errado encarar essa produção como uma sutil peça publicitária (ou de merchandising) das belezas naturais e das riquezas econômicas do Oeste desse hermoso país. Os fãs dos vinhos (abraços, Eduardo e Paulinho!) vão pirar com o cenário e a ambientação selecionados por Gabriel Nesci.


“Mensagem em Uma Garrafa” traz vários rostos conhecidos do grande público argentino (e até chileno). A protagonista é Luisana Lopilato, de “Presságio” (La Corazonada: 2020), “Perdida” (2018) e “Las Insoladas” (2014). Completam o elenco principal Benjamín Vicuña, de “Pacto de Fuga” (2020), “La Memoria del Agua” (2015) e “Fuga” (2006), e Benjamín Amadeo, de “A Taça é Nuestra” (Robo Mundial: 2023), “Crimes de Família” (Crímenes de Familia: 2020) e “A Última Festa” (La Última Fiesta: 2016). O time de atores e atrizes coadjuvantes é constituído por: Marina Bellati, Gabriel Corrado, Luciano Cáceres, Inés Estévez, Luis Machín, Rafael Spregelburd, Sebastían Almada, Eduardo Blanco, Belén Chavanne, Damián Dreizik, Florencia Dyszel, Charley RappaportValeria Lois e Graciela Pal.

Dirigido por Gabriel Nesci e estrelado por Luisana Lopilato, Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é o filme argentino que trata de universos paralelos e de viagem no tempo

Apesar do belíssimo elenco, nota-se que esse longa-metragem só ganhou relevância por ter sido estrelado por uma das referências do humor argentino da atualidade. É esse o status de Luisana Lopilato, desde que viveu a inesquecível Paola Argento no sitcom “Casados con Hijos” (2005-2006) – não confundir com o longa-metragem "Sem Filhos" (Sin Hijos: 2015), que analisamos na coluna Cinema há quase uma década. Por mais que o enredo dessa série de televisão tenha sido inspirado no impagável e politicamente incorreto “Married with Children” (1987-1997), um dos grandes sucessos da TV norte-americana no final do século XX, a versão argentina ganhou fortes temperos locais e marcou época. Afinal, há algo que Guillermo Francella (meu humorista argentino favorito) faça que não fique excelente? Duvido de qualquer resposta que não seja positiva! Nesse sentido, preparem-se porque em agosto chega aos cinemas argentinos “Homo Argentum” (2025), a comédia local mais esperada do ano.


Feito esse rápido desvio de rota, voltemos ao nosso assunto de hoje do Bonas Histórias. Quando Lopilato (agora em versão morena) topou participar do novo projeto cinematográfico de Nesci, os olhos do mercado audiovisual argentino passaram a encarar “Mensagem em Uma Garrafa” de maneira mais satisfatória. Daí para frente, foi mais fácil encontrar parceiros de produção, conquistar patrocinadores, fechar contratos comerciais e convidar os demais integrantes do elenco. Nada como a chancela de alguém que entende de comédia, né?!     


Para o público brasileiro que se interessar por “Mensagem em Uma Garrafa”, aviso que ele está disponível desde 13 de junho no Prime Video. Lá, ele foi classificado como comédia romântica, o que não concordo. Para mim, esse filme é uma comédia dramática, com toques de ficção científica, fantasia e thriller. Falo isso porque se você curte comédias românticas tradicionais, poderá ficar um pouco decepcionado(a) se assistir a essa história com tal expectativa. Como ensina Philip Kotler desde os anos 1980, o balanceamento adequado das expectativas é o primeiro ingrediente da aprovação do público (que ele chamava, na visão de profissional de Marketing, de consumidores finais).


Por falar na história de “Mensagem em Uma Garrafa”, vamos ao seu enredo. Denise (interpretada pela sempre maravilhosa Luisana Lopilato) é uma talentosa e dedicada sommelière. A moça é oriunda de Mendoza e vive há muitos anos em Buenos Aires. Seu grande sonho profissional é conquistar um tradicional prêmio de sua área de atuação. Para isso, Denise não mede esforços: prova e estuda os vinhos com obstinação e prazer genuíno. Essa é a sua grande paixão desde jovem. Afinal, seu pai era um pequeno e qualificadíssimo produtor de Mendoza. Com a filha, ele adorava compartilhar garrafas de vinho e emitir suas impressões para cada rótulo degustado. Sem saber, estava formando a futura sommelière.


Para tristeza de Denise, seu pai já falecera. E ela tem um trauma profissional: a derrota naquele famoso concurso de sommelière em 2015. Naquele ano, ela chegara à final e tinha tudo para sair consagrada. Afinal, era indiscutivelmente a mais capacitada entre os postulantes a honraria máxima do certame. Porém, por uma mal explicada denúncia ao júri, o resultado foi trocado e outra pessoa levou o prêmio principal. Desde então, a moça nunca mais superou a decepção e teve problemas para deslanchar na carreira, o que acabou afetando sua vida pessoal.

Terceiro longa-metragem ficcional de Gabriel Nesci, jovem cineasta argentino, Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é estrelado por Luisana Lopilato, Benjamín Vicuña e Benjamín Amadeo

No campo sentimental, Denise também se sente fatigada (ou seria melhor descrevê-la como frustrada?!). Ela está cansada dos namorados tóxicos e das figuras bizarras com quem se relacionou nos últimos anos. Por que é tão difícil encontrar alguém legal (e normal) para se amar nos dias de hoje, hein? A bela moça gostaria de uma resposta para isso (coloque o dedo aqui que já vai fechar!). O hall de exes patéticos dela é interminável. De um lado, Denise tem o dedo podre para os homens. Por outro, seu perfil workaholic também dificulta o bom andamento dos relacionamentos.


De qualquer maneira, a moça vê uma excelente oportunidade para mudar sua realidade tanto profissional quanto amorosa quando descobre por acaso um jeito de alterar os erros do passado. Através de uma brincadeira inofensiva do pai de enviar mensagens dentro das garrafas consumidas, a sommelière pode reescrever passagens antigas. Por um inexplicável evento sobrenatural entre as fendas dos diferentes universos paralelos, o manuscrito é enviado para o ano em que o vinho foi engarrafado. Aí pronto: uma nova realidade é escrita tal qual a pessoa a concebeu.


Não é preciso dizer que por mais maravilhoso que pareça esse expediente, o resultado sai errado, né? Diria até que sai muitíssimo errado para Denise. Ao consertar algo lá de trás, a moça bagunça outra, em uma interminável sequência de absurdos que só agravam a sua situação. Ou seja, inicia-se uma longa sequência de viagens no tempo. A ideia não é mais melhorar a realidade e sim trazer a antiga vida dela de volta. Pensando bem, até que a rotina de Denise não era assim tão ruim quanto ela imaginava...


Com pouco mais de duas horas de extensão, “Mensagem em Uma Garrafa” é uma produção agradável. É leve, divertida e inteligente, excelente para a tarde fria de sábado ou domingo em Mi Buenos Aires Querido. Ainda assim, reafirmo que esse filme de Gabriel Nesci tem graves e numerosos problemas, principalmente em seu enredo. Para ser sincero com os leitores da coluna Cinema, sinto que o portfólio deste cineasta argentino vem decaindo ao longo do tempo. Se “Días de Vinilo” foi excelente, “Casi Leyendas” era muito bom. E agora “Mensagem em Uma Garrafa”, seu terceiro longa ficcional, é (numa visão otimista, tá?) bom. Apenas isso: bom – quase escrevi bonzinho. Para entender esse jogo de aspectos positivos e negativos, vamos à análise cinematográfica propriamente dita deste post do Bonas Histórias.


O primeiro elemento elogiável deste título é o seu humor. É inegável que Nesci sabe construir histórias, personagens e cenas engraçadas. Disso ninguém duvida. Portanto, do ponto de vista cômico, “Mensagem em Uma Garrafa” entrega o que promete. A diversão aqui possui várias camadas: vai da comédia pastelão ao humor fino. A diversão vem sempre de braço dado com o drama – esse longa-metragem é uma comédia dramática, não se esqueça. Quando a ideia é soltar uma risada nervosa, não importa a forma em que ela foi gerada. O que vale é rir dos apuros alheios. É claro que não estamos falando de uma produção que vai fazer a plateia gargalhar alto durante toda a sessão de cinema. Não! Nem é essa a proposta, tá? O humor é contido, mas está presente do início ao fim de “Mensagem em Uma Garrafa”.    

Lançado nos cinemas argentinos em maio de 2025 e disponível no streaming desde meados de junho de 2025, Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é a comédia dramática de Gabriel Nesci que tem como principal estrela Luisana Lopilato

Outro destaque é a atuação impecável do elenco. Obviamente, acompanhar Luisana Lopilato é um espetáculo – China Suárez, não se preocupe, você continua sendo a preferida do meu coraçãozinho cinéfilo. Além de linda (agora numa versão estranhamente morena), Lopilato é talentosíssima e extremamente engraçada. Entretanto, esse não é um filme de uma só estrela. Os demais atores e atrizes, quase todos bastante experientes, dão conta do recado e vão muito bem na arte de construir o contexto narrativo. Nota-se o alto nível de suas interpretações, mesmo em papéis caricatos e pouco profundos (conforme vamos detalhar mais a frente na parte dos problemas do roteiro). Evidentemente, a culpa da pobreza de suas personagens não é deles.      


O terceiro aspecto interessante de “Mensagem em Uma Garrafa” é a excelente trilha sonora e a forte intertextualidade musical. Intertextualidade musical, Ricardo? O que você quer dizer com isso?! Como alertei no início deste post, querido(a) leitor(a) do Bonas Histórias, Gabriel Nesci é, além de cineasta e roteirista de televisão, músico. Todos os seus títulos têm trilhas sonoras impecáveis. E a música não fica só no segundo plano, mas entra invariavelmente dentro de suas histórias. Nessa nova produção não foi diferente. O próprio nome do longa-metragem é uma referência direta à “Message in A Bottle”, canção homônima do The Police que embala as principais cenas do filme argentino. A trilha sonora ainda foi constituída com o melhor de Fleetwood Mac, Tom Petty e Neil Diamond. Aumente o som na hora de conferir “Mensagem em Uma Garrafa” porque vale sim a pena.


Como um bom exemplar do cinema argentino, esse filme foi muito bem filmado e produzido. Tecnicamente falando, ele não fica aquém dos melhores títulos europeus, por exemplo. A sensação é que todas as peças de sua engrenagem ficcional (salvo o roteiro falho) estão no lugar e reluzem aos olhos dos espectadores mais exigentes. Além disso, ambientar a história em Mendoza e colocar os vinhos no centro da trama tornaram a experiência cinematográfica ainda mais charmosa e conferiram uma pitada (destaque para o termo “uma pitada” da minha frase) de originalidade ao longa-metragem.


Também gostei de ver que Nesci conseguiu, enfim, fugir da temática (grupo de amigos leais que mantém a chama da infância acesa) e dos protagonistas (homens adultos um tanto imaturos, desfuncionais e que seguem sonhando em ser músicos) dos seus dois filmes ficcionais anteriores. Isso sem abrir mão da pegada estética e do humor (algo que chamamos de estilo) que tão bem caracterizaram suas produções. Ou seja, “Mensagem em Uma Garrafa” dialoga conceitualmente com “Días de Vinilo” e “Casi Leyendas”, mas não repete seus enredos nem suas personagens, algo que poderia entediar um pouco o antigo público do cineasta. Afinal, uma coisa é criar uma proposta visual forte e consistente. Outra coisa completamente distinta é ficar repetindo histórias e narrativas.


Por mais méritos que esse novo filme de Gabriel Nesci tenha, seu maior acerto é o final belíssimo. Na minha visão, é justamente no desfecho surpreendente e emocionante que “Mensagem em Uma Garrafa” arrebata a plateia e confere valor à experiência cinematográfica. Não tenho receio de afirmar que essa produção só ganhou relevância para mim (e mereceu ser analisada na coluna Cinema, apesar dos vários problemas em seu roteiro) pelo brilhantismo com a qual a história foi finalizada. Admito que saí da sessão de cinema no Cine Gaumont tocado com os aprendizados que Denise adquiriu com suas viagens no tempo. Obviamente, não vou contar qual é o desenlace (nunca damos o spoiler no Bonas Histórias), mas ele suscita ótimas reflexões sobre o equilíbrio entre a dedicação profissional e os ganhos imensuráveis dos envolvimentos familiares.


Ainda que tenha gostado dessa comedia dramática, tenho que reconhecer que “Mensagem em Uma Garrafa” possui várias falhas, principalmente em seu roteiro. Vamos, enfim, detalhar esses tropeços. Talvez o mais grave problema seja a falta de originalidade de sua história. Impossível a plateia não se recordar de “Efeito Borboleta” (The Butterfly Effect: 2004) e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind: 2004). E isso ocorre não apenas pela estrutura da história, mas pela dinâmica de muitas cenas. Vamos combinar que faltou originalidade.

Novo título do cinema argentino, Mensagem em Uma Garrafa (Mensaje en Una Botella: 2025) é o filme que foi ambientado em Mendoza, cidade considerada a capital da vinicultura argentina

Será que precisávamos de mais um filme sobre viagem no tempo e aventura por universos paralelos, senhoras e senhores? Tenho sérias dúvidas. De cabeça, me recordo de vários títulos com essas dinâmicas que discutimos nos últimos anos na coluna Cinema: “Belle Époque” (La Belle Époque: 2019), “Yesterday” (2019), “Amor à Segunda Vista” (Mon Inconnue: 2018) e "Quero Ser John Malkovich" (Being John Malkovich: 1999). A diferença é que esses longas-metragens citados trouxeram alguma novidade interessante ao roteiro, o que tornou suas histórias minimamente originais. Definitivamente, isso não se passou com “Mensagem em Uma Garrafa”. A sensação é de acompanharmos uma overdose de clichês cinematográficos. Aí não dá para aceitar, né?!


Juro que fiquei com a impressão de que este filme teria sido mais impactante (ou não tão óbvio) há dez anos, quando seu roteiro foi escrito. Se fosse produzido e lançado lá atrás, talvez conseguisse despertar algum entusiasmo no público e na crítica cinematográfica. Aos olhos de hoje, infelizmente, ele traz pouquíssimas novidades. A perda do timing é indiscutível. E, convenhamos, que timing é um componente relevante no cinema contemporâneo.


Se pensarmos bem, até o título escolhido reforça o clima de déjà vu. “Mensagem em Uma Garrafa” (ou “Mensaje en Una Botella” no original em espanhol) é, como expliquei, uma referência direta a uma música do The Police. Contudo, seja sincero(a) comigo: foi essa a primeira coisa que você se lembrou?! É claro que não. Na hora, o que vem à nossa cabeça é “Uma Carta de Amor” (Arqueiro), romance de Nicholas Sparks publicado em 1998 e que foi levado ao cinema no ano seguinte. E qual o nome do longa-metragem norte-americano? “Message in a Bottle” na versão em inglês. No Brasil, ele ficou sendo “Uma Carta de Amor” e em Portugal “Message in a Bottle – As Palavras que Nunca Te Direi”. Portanto, até o título escolhido para essa produção argentina tem um cheirinho de cópia deslavada, por mais que não seja.


Outro aspecto incômodo é a grande quantidade de personagens caricatas do filme. Algumas dessas características até trazem alguma graça à história. Por outro lado, provocam a impressão de artificialidade e de exagero nos tipos retratados e de inverossimilhança à narrativa ficcional. Em alguns momentos, me senti acompanhando as bizarrices de uma má telenovela mexicana e não a sagacidade cômica de um bom filme argentino.


Dando sequência às falhas, temos um excesso de personagens nessa produção. Em determinado instante da sessão cinematográfica, a plateia pode ficar confusa. Eu fiquei – confesso sem qualquer constrangimento. Aí a culpa não é apenas do roteiro caótico (como vou detalhar no próximo parágrafo). A quantidade de coadjuvantes (principalmente de namorados da protagonista) implica na dificuldade de entendimento, ainda mais porque a história vai e volta no espaço temporal muitas vezes.


Então você quer dizer que achou “Mensagem em Uma Garrafa” um roteiro confuso, Ricardo? Sim, achei. À certa altura do filme, já não sabia mais o que estava acontecendo e quem era quem na trama. É claro que não sou adepto de produções que chegam mastigadas demais nem que duvidem da inteligência do público. Ainda assim, não se deve entregar algo bagunçado ou que cause estranhamento aos espectadores, né? Nesse sentido, o novo filme de Gabriel Nesci tem vários furos ou, no melhor dos casos, faltou um maior refinamento em seu roteiro para não gerar ruídos desnecessários. Lembremos que “Efeito Borboleta” e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, por exemplo, propunham bagunças entre os universos paralelos e, mesmo assim, não causaram confusão na cabeça dos cinéfilos.


Assista, a seguir, ao trailer de “Mensagem em Uma Garrafa” (Mensaje en Una Botella: 2025):

Se você achou que peguei pesado demais com essa crítica, é porque sou fã das comédias dramáticas argentinas. Juro que me identifico bastante com o humor de los hermanos. Não por acaso, já comentei vários filmes divertidíssimos com essa proposta mais ácida aqui no blog. De cabeça, me lembro de “A Odisseia dos Tontos” (La Odisea de Los Giles: 2019), “Minha Obra-Prima” (Mi Obra Maestra: 2018) e "O Cidadão Ilustre" (El Ciudadano Ilustre: 2016), para ficarmos em um trio de excelente nível. Me recordei também de "O Crítico" (El Crítico: 2013), mas que tem uma qualidade ligeiramente inferior aos três citados anteriormente. Por isso, não me venha com título meia-boca nem traga algo recheado de clichês cinematográficos porque aí vou chiar mesmo. Na terra do melhor cinema latino-americano, o sarrafo é bem alto. Tá pensando o quê?!


Por falar em humor argentino, e como adiantei no início deste post, estou ansioso para conferir “Homo Argentum”. Essa é a próxima grande estreia local que promete movimentar as salas de exibição de Buenos Aires em meados de agosto. O novo longa-metragem da dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat, nada mais, nada menos do que os diretores de megassucessos como "O Cidadão Ilustre", "Minha Obra-Prima", “Concorrência Oficial” (Competencia Oficial: 2022), “O Síndico” e “Nada”, tem como estrela o ator Guillermo Francella, o Maradona (ou Messi, como queira!) da comédia argentina. Impossível ignorar essa produção, né? Portanto, em breve, teremos mais do cinema argentino. Aguardem!


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