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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural – literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura, gastronomia, turismo etc. –, o Blog Bonas Histórias analisa de maneira profunda e completa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 44 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Filmes: Amores Materialistas – A segunda comédia dramática de Celine Song

  • Foto do escritor: Ricardo Bonacorci
    Ricardo Bonacorci
  • há 9 horas
  • 17 min de leitura

Em cartaz nos cinemas desde o final de julho, o mais recente longa-metragem da diretora sul-coreana é protagonizado por Dakota Johnson e apresenta o drama de uma jovem dividida entre a paixão genuína por um pobretão carismático e a estabilidade financeira de um milionário frio e calculista.


Amores Materialistas (Materialists: 2025) é o filme dirigido e roteirizado por Celine Song e estrelado por Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans

No mundo capitalista, é difícil não envolver o lado financeiro na maior parte dos assuntos cotidianos. Por mais que teimamos em ignorá-lo em vários momentos da vida, o dinheiro está lá para mostrar sua força e para destruir qualquer visão romântica da existência humana. A meu ver, o problema não é o seu alcance e a sua influência, aspectos perfeitamente aceitáveis considerando a realidade nua e crua. E sim a sua onipresença, o que começa a causar sérios incômodos para as almas menos mercantis (como a minha). Quando a grana está na base (e é a razão principal) de todas as decisões sociais, algo na rotina das pessoas me parece muuuito desregulado.


Por exemplo, há quem escolha a profissão pensando única e exclusivamente nos rendimentos futuros. Uma amiga aqui da capital da Argentina está cursando Medicina na UBA – Universidade de Buenos Aires. Segundo me confidenciou no ano passado, seu plano é voltar para o Brasil logo após a formatura. Até aí nada demais, né? O que me surpreendeu pra valer foi o motivo dos seus esforços para migrar para o exterior e iniciar uma nova carreira quando beirava os quarenta anos. Seu maior objetivo é ganhar um belíssimo salário e ascender socialmente. Como médica, poderá adquirir uma casona, carro do ano, roupas caras e acesso frequente aos melhores salões de beleza. Essa é a sua principal (e restrita) motivação.


Quando a questionei se gostava da carreira selecionada, uma das mais bonitas e altruístas segundo minha concepção de mundo, e se estava gostando da experiência de viver na metrópole portenha, um encanto para os brasileiros (conforme relato na nova temporada da coluna Contos & Crônicas), ela respondeu com um desconcertante e sincero “eu odeio os dois!”. Juro que fiquei boquiaberto com o que ouvi. Ela tinha entrado no curso de medicina apenas por finalidades financeiras. E estava encarando as diferenças culturais do novo país como um fardo amargo. Afinal, era mais barato viver e estudar na Argentina do que no Brasil.


Confesso que para mim, que larguei os rendimentos fixos e generosos do universo corporativo para viver com a remuneração eventual e minguada do mundinho da literatura, a escolha da minha amiga em Buenos Aires me pareceu sem sentido. Onde está a diversão? Onde está a paixão por fazer aquilo que realmente ama? Onde está a beleza e a solidariedade do médico? Onde está a alegria de crescer culturalmente e de aprender um novo idioma? Onde está a emoção por se reinventar profissionalmente na metade da vida?  


Lançado nos cinemas no fim de julho de 2025, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é a comédia dramática de Celine Song que tem como protagonista Dakota Johnson

Por mais indignado que tenha ficado com sua confissão, será mesmo que minha amiga (uma das pessoas mais legais que conheci na capital argentina, diga-se de passagem) está errada em querer melhorar de vida, mesmo que sacrifique a felicidade profissional e a dinâmica familiar? Ou será que eu que estou equivocado em curtir os perrengues diários pela falta crônica de dinheiro só para trabalhar naquilo que desejo, hein? Talvez não haja respostas corretas para esses questionamentos, o que só indica o quão difícil é o caminho que devemos seguir nessa bifurcação existencialista.


Quando envolvemos as idiossincrasias das relações amorosas nesse panorama tão complexo, a situação se torna ainda mais complicada. Atire a primeira pedra quem não se viu mergulhado em confusões sentimentais por causa da falta (ou excesso) de dinheiro?! Falo com propriedade e sem receio sobre isso. Recentemente, me apaixonei por una hermosa y chévere venezolana (beso, Aninha), mas não pude continuar saindo com ela. Foi falta de amor, afinidade ou química? Nananinanão. O que pesou consideravelmente foi a minha pobreza. Com o câmbio cada vez mais desfavorável na Argentina para quem recebe em reais, não tinha plata sequer para pegar ônibus para vê-la, o que dirá para convidá-la para sair. Com o meu sumiço repentino, aposto que ela pensou no velho clichê feminino: “ele é um safado, que me ignorou e já está com outra nessa altura do campeonato!”. Sabe de nada, inocente.


Estou trazendo, hoje, essa reflexão para o Bonas histórias porque assisti, no final de semana retrasado, a um filme que discute com acidez desconcertante a dicotomia entre passionalidade e racionalidade nos assuntos do coração. O longa-metragem em questão é “Amores Materialistas” (Materialists: 2025), a mais recente comédia dramática de Celine Song. Esta produção foi protagonizada por Dakota Johnson, de “Suspíria – A Dança do Medo” (Suspiria: 2018) e “A Filha Perdida” (The Lost Daughter: 2021), Pedro Pascal, de “O Peso do Talento” (The Unbearable Weight Of Massive Talent: 2022) e “Operação Fronteira” (Triple Frontier: 2020), e Chris Evans, de “Capitão América – Guerra Civil” (Captain America – Civil War: 2016) e “Um Laço de Amor” (Gifted: 2017).


Em “Amores Materialistas”, acompanhamos o drama de uma moça que começa a namorar um ricaço. O cara é o tipo perfeito: bonito, alto, inteligente, simpático, carinhoso e generoso. Além do mais, tem bom gosto e comportamento impecável em todas as situações. Para completar o pacote idílico para onze entre dez mulheres contemporâneas, ele é (como já disse) podre de rico. Impossível a protagonista do filme não levantar as mãos para o céu e agradecer a sorte grande, né? Contudo, o seu coração teima em balançar por um pobretão que vive sem um tostão no bolso. O rapaz que não tem onde cair morto a entende como ninguém e a complementa naturalmente, algo que o milionário não consegue fazer por mais que se esforce.


Dirigido e roteirizado por Celine Song, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é o filme estrelado por Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans

O que fazer nessa situação delicada, senhoras e senhores? Ficar com o pobretão por amor e abraçar a pobreza para sempre? Ou ficar com o ricaço por interesse e se esbaldar no conforto e no bem-estar proporcionados pelo luxo? É esse o conflito da personagem principal deste título hollywoodiano.


É bom avisar aos leitores da coluna Cinema que NÃO achei “Amores Materialistas” um grande filme. Por mais que sua temática seja pertinente em um mundo cada vez mais ganancioso e mercantil, convenhamos que esse assunto não é nem um pouco original. Essa questão é debatida nas telonas desde “A Dama e o Vagabundo” (Lady and the Tramp: 1955). Também é um clichê das comédias românticas. Pode perceber: as mocinhas e os mocinhos desse gênero cinematográfico estão sempre envolvidos com escolhas afetivas delicadas que vire e mexe pendem para esses dois lados: paixão temerária ou razão sem tempero.


Para piorar o cenário do ponto de vista da crítica cinematográfica, há muitos outros títulos recentes mais interessantes e mais originais enfocando esse mesmíssimo problema. De cabeça, posso citar quase todos os filmes de Woody Allen dos últimos vinte anos, como “Golpe de Sorte em Paris” (Coup de chance: 2023), “Um Dia de Chuva em Nova York” (A Rainy Day in New York: 2018), “Vicky Cristina Barcelona” (2008) e “Ponto Final – Match Point” (Match Point: 2005). Talvez a exceção (que confirme a regra) tenha sido “Homem Irracional” (Irrational Man: 2015), que fugiu desse receituário narrativo. Olhando para o trabalho de outros diretores, este enredo é similar ao de filmaços como “Pobres Criaturas” (Poor Things: 2023), “La La Land - Cantando Estações” (La La Land: 2016) e “Encontro Marcado” (5 to 7: 2014) e de filminhos como “Mensagem em Uma Garrafa” (Mensaje en Una Botella: 2025), “Amor.com” (2016) e “Sem Filhos” (Sin Hijos: 2015).


Então, por que você está analisando “Amores Materialistas” no Bonas Histórias, Ricardinho do meu coração?! Não é você que sempre diz que só traz para o debate em seu blog obras artístico-culturais que mexeram positivamente contigo e que merecem nossos aplausos! O que aconteceu? Por que a contradição?! Explique-se, por favor.


Que belo comentário, sagaz e sempre participativo(a) leitor(a) da coluna Cinema. Também não sei explicar a contradição que vossa pessoa detectou. Talvez haja mais coisas entre o meu coração maltrapido e as palavras que teimam em sair dos meus textos que eu simplesmente não compreendo. De qualquer maneira, tenho que reconhecer que essa comédia dramática (para mim, o novo longa-metragem de Song é mais um drama cômico ou uma tragicomédia do que uma comédia romântica, tá?) apresenta aspectos positivos que valem nossa reflexão. Não é uma produção digna de importantes premiações da sétima arte, mas também não é de se jogar fora. Prova disso é que ela foi aplaudida (timidamente, mas foi) na sessão em que estive presente no Multiplex Belgrano no sábado retrasado. Sim, senhoras e senhores, os argentinos aplaudem o filme quando gostam. Admito que ainda não me acostumei com tal peculiaridade local!


Segundo longa-metragem de Celine Song, cineasta sul-coreana naturalizada canadense, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é a comédia dramática que discute a relação do casamento com o dinheiro

Orçado em US$ 20 milhões, “Amores Materialistas” é a primeira produção de Celine Song após o sucesso de crítica e público de “Vidas Passadas” (Past Lives: 2023), esse sim um filmaço e um dos destaques do ano retrasado. Talvez, seu novo longa-metragem não seja tão ruim quanto pintei inicialmente neste post. O correto seria descrevê-lo como inferior em qualidade e originalidade ao antecessor. Daí minha decepção.


Mesmo assim, saí da sala de cinema com a sensação de ter presenciado excelentes cenas. Por exemplo, é hilária a primeira visita da personagem de Dakota Johnson à cobertura deslumbrante da personagem de Pedro Pascal. Na pegação do casal e na iminência do sexo, a moça permanece mais atenta ao luxo da residência do (possível/futuro) namorado do que aos gestos e predicados do parceiro. Incrível como a cineasta sul-coreana conseguiu mostrar o fascínio da jovem pelo dinheiro de forma não verbal. Outras passagens memoráveis são: o enfoque do casal nos tempos das cavernas, que abre e fecha a história do triângulo amoroso contemporâneo; o encontro/reencontro simultâneo dos três protagonistas, o que cria o conflito que permanecerá durante todo o filme; e os momentos em que a personagem de Chris Evans sofre ao dividir o apartamento com colegas um tanto caóticos.


“Amores Materialistas” também é uma produção sólida e impactante. Notamos isso pela riqueza de seu subtexto. No caso, a eclosão emocional da protagonista do longa-metragem não ocorre apenas no lado pessoal/afetivo. Mostrando como todos os aspectos da vida estão interligados, a transformação de uma mulher fria e calculista para uma mulher passional e insensata também trás consequências para seu trabalho. É legal notar esse caminhar simultâneo nas duas linhas da existência da personagem de Dakota Johnson.


É óbvio que não estamos falando aqui de uma comédia romântica convencional. Se esse for seu estilo de filme, talvez se incomode bastante com o excesso de diálogos, o caminhar narrativo mais lento do que o habitual e a aridez sentimental das personagens. Não por acaso, o título desta produção é “Amores Materialistas”, né? Por outro lado, se a sua pegada for mais as discussões existencialistas ácidas e sinceras e os enredos densos, há grande chance de curtir o conteúdo do segundo longa-metragem hollywoodiano de Celine Song, cineasta sul-coreana de 36 anos que se naturalizou canadense e que vive há uma década em Nova York.


Dirigido e roteirizado por Celine Song, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é o filme estrelado por Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans

Como aconteceu em sua estreia, “Vidas Passadas”, Song foi a responsável pela produção do roteiro e pela direção de “Amores Materialistas”. Ainda que esteja em estágio inicial da carreira audiovisual nos Estados Unidos (é uma dramaturga requisitada e bastante famosa em Nova York) e seja muito jovem (ter menos de 40 anos no universo da direção cinematográfica é como um jogador de futebol de classe mundial ter menos de 20 anos), Celine Song já adquiriu enorme reputação no cinema norte-americano. Por isso, ela é uma das cineastas da nova geração que merece nosso olhar atento.


Antes de falar mais sobre “Amores Materialistas”, deixe-me apresentar seu enredo de um jeito mais completo. Ou você achou que eu seria breve ao descrever essa história, hein? Nada disso! Vamos agora aos pormenores do conflito amoroso-financeiro deste filme.


Lucy Mason (interpretada por Dakota Johnson) é uma bem-sucedida casamenteira da Adore, empresa de encontros de Nova York voltada para o público premium. Sua função é encontrar o parceiro ideal para homens e mulheres endinheirados que contratam os serviços da companhia. E nesse trabalho, a moça é excelente. Com uma visão pragmática e estritamente comercial dos relacionamentos amorosos, Lucy acha o candidato certo para (quase) todos os clientes. Às vezes, pode demorar um pouco, é verdade, mas ela sempre consegue descobrir o parceiro desejado no banco de dados da Adore.


A única frustração profissional da protagonista de “Amores Materialistas” é os fracassos sucessivos de Sophie (Zoë Winters), uma de suas mais queridas clientes. Aos 39 anos, Sophie não tem exigências absurdas como os demais contratantes da empresa casamenteira. Ela só quer alguém legal para namorar. A tarefa não parece tão difícil para Lucy, já que a cliente tem aparência normal, possui ótimo papo, é inteligente e apresenta trajetórias profissional e financeira consolidadas. Contudo, todos os dates de Sophie acabam mal, o que mexe com a autoestima dela e da sua casamenteira particular.


Enquanto surfa nos êxitos da carreira e tenta resolver o único caso complicado de seu portfólio, Lucy vai ao casamento de uma de suas clientes. Na festa, ela chama a atenção de Harry Castillo (Pedro Pascal), irmão do noivo e milionário das finanças. Alguns anos mais velho do que ela, o empresário fica encantado com a maneira profissional e eficiente como a casamenteira aborda as amigas da noiva, que anseiam por contratar Lucy. Entretanto, o que ele mais gosta na jovem é de sua visão de mundo sem passionalidade e totalmente voltada para as relações monetárias. Segundo o que Harry escutou a moça falar para as clientes em potencial, o casamento é uma mera transação comercial que irá impactar todas as demais searas da vida dos homens e das mulheres. Daí, a importância de fazer a escolha segundo a razão e não com base na emoção.


Amores Materialistas (Materialists: 2025) é o primeiro filme de Celine Song após o bem-sucedido Vidas Passadas (Past Lives: 2023), premiado drama sentimental

Assim, o milionário aborda Lucy. De início, a moça pensa que ele quer contratar os serviços de sua empresa. Porém, rapidamente percebe tratar-se de um flerte. A questão é que ela não namora e não deseja encontrar ninguém. Seu coração é um deserto gélido. Depois que terminou um antigo namoro, ela nunca mais quis sair com ninguém e parece feliz com a solteirice. A questão que muda tudo é que Harry é o que o pessoal do ramo casamenteiro chama de unicórnio: homem bonito, alto, bem-sucedido, podre de rico, bem-educado, culto, de bom gosto, simpático, cortês e generoso. O que mais uma mulher (com o perfil retratado no filme) pode querer na vida, né?


Curiosamente, na mesma festa de casamento que conhece Harry, Lucy reencontra John Finch (Chris Evans), seu antigo namorado. Ator de teatro, o rapaz está trabalhando de garçom para conseguir pagar as contas (e saldar as dívidas). Os dois namoraram por muitos anos, mas romperam por causa das brigas envolvendo a falta de dinheiro. Como o casal não tinha onde cair morto, as discussões não paravam e selaram o rompimento. Ainda assim, percebe-se que a química entre eles se manteve. Tanto Lucy quanto John ficam felizes de se reencontrar e garantem sentir saudades do antigo companheiro.


A partir daí, surge o conflito do filme: com quem a protagonista deve ficar? De um lado, ela tem um homem com estabilidade financeira e maturidade, mas por quem não tem uma dose de sentimento amoroso. Do outro, um rapaz imaturo e falido, por quem seu coração dispara e que a entende sem esforço. E aí, Lucy deve escolher qual dos pretendentes, pessoal?!


De um jeito interessante e sutil, o filme mostra que, enquanto vivencia as dores do coração, a personagem central do longa-metragem passa por uma ampla transformação na carreira. E, nesse sentido, o relacionamento com Sophie, sua cliente mais frustrada, é emblemático para Lucy. A partir daí, tanto a vida pessoal quanto profissional da moça não serão mais as mesmas.


“Amores Materialistas” possui aproximadamente duas horas de duração. Para ser mais exato em minhas palavras, são 117 minutos. Pela perspectiva da narrativa, o longa-metragem está dividido em quatro partes: (1) apresentação da protagonista, de seu trabalho e da aridez de sua vida sentimental (concepção de mundo da personagem central e contextualização da história); (2) encontro de Lucy com Harry e reencontro da moça com John no mesmo evento, flerte deles pelo coração dela e tomada de decisão de quem Lucy quer/deve namorar; (3) conflito e angústia da moça pela escolha feita, que se prova equivocada; (4) e desfecho com a alternativa para pôr fim definitivo ao impasse amoroso. Note que, de propósito, fui bastante genérico nas minhas últimas frases. No Bonas Histórias, evitamos dar os spoilers das obras analisadas, seja na coluna Cinema, seja na coluna Livros – Crítica Literária.    


Estrelado por Dakota Johnson, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é o filme de Celine Song que apresenta o drama de uma jovem dividida entre a paixão genuína por um pobretão carismático e a estabilidade financeira do namoro com um ricaço frio e calculista

O primeiro mérito de Celine Song foi construir um roteiro redondo, redondinho. Apesar de sua história ser previsível e sem originalidade nenhuma (defeitos inegáveis que não podem ser escondidos embaixo do tapete), a trama para em pé e tem boas doses de profundidade. Notamos isso ao final da sessão de cinema, quando voltamos para casa (ou estamos a caminho da Pizzaria Burgio) refletindo sobre tudo o que presenciamos em “Amores Materialistas”. Como já adiantei, a vida pessoal e a vida profissional da protagonista estão intimamente interligadas, algo que pode passar batido pelo público menos atendo. A interpretação de Lucy para os acontecimentos históricos (cena do casal nos tempos da caverna) também se alterna com o seu amadurecimento – é um no início do longa-metragem e é outro ao final.


Ainda tratando dos acertos do roteiro, vale elogiar as escolhas da cineasta do que encenar e do que sumarizar, decisões nem sempre fáceis. Prova disso são as várias cenas marcantes de “Amores Materialistas”. Já contei da primeira visita de Lucy à casa de Harry, né? Ao invés de curtir a pegação com o milionário, a moça queria mesmo era observar a decoração e a mobília da cobertura luxuosa. Hilário! Mas tem outras várias passagens muito boas e com sutilezas encantadoras. Uma delas é o momento após o sexo da protagonista com o ricaço, quando Lucy quer saber quanto vale aquele apartamento. Ótimo! E o que dizer da casamenteira convencendo a cliente a se casar, John se equilibrando em seu apartamento inabitável, as entrevistas de definição do perfil dos mimados contratantes da Adore, hein? São trechos divertidíssimos.


Talvez a maior prova da qualidade desse filme seja o seu ritmo narrativo, improvavelmente veloz para sua característica narrativa. Falo isso porque “Amores Materialistas” é uma produção calcada essencialmente nos diálogos. Ou seja, temos poucas ações e muito blábláblá, o que o torna pouco convidativo para o público mais ansioso. Mesmo assim, a sensação é de que o longa-metragem não é arrastado nem cansativo. Pelo contrário: ele avança rapidamente e de maneira gostosa, considerando sua arquitetura. As duas horas de duração passam voando. Se isso não é sinal de qualidade narrativa, não sei mais o que é um belo roteiro.


Não posso me esquecer de falar do elenco. As atuações neste filme estão primorosas. Curiosamente, o trio de protagonistas é formado por atores e atrizes pouco habituados a receber elogios da crítica. Afinal, quase sempre estão envolvidos em longas-metragens mais comerciais e menos qualificados, digamos assim. Dakota Johnson é provavelmente o melhor exemplo disso. Ela demorou para engrenar em Hollywood. Só recentemente, começou a receber elogios mais contundentes. Por mais que tenha ido bem em “Suspíria – A Dança do Medo” e “A Filha Perdida”, é inegável que Lucy Mason se transforme em seu melhor trabalho cinematográfico até aqui – um papel que pode mudar a maneira como Hollywood a enxerga. Enfim, a bela e esforçada Johnson floresceu como atriz, senhoras e senhores!  


Segundo filme de Celine Song, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é a comédia dramática sobre um triângulo amoroso protagonizado pelas personagens de Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans

Outro que está acostumado a fazer papéis bobos e pequenos no cinema é Pedro Pascal. No fim das contas, o chileno naturalizado norte-americana é um rosto mais comum nos seriados de televisão, onde brilha com certa regularidade. Porém, nas telonas, é difícil apontar algo importante que tenha feito. Curiosamente, Pascal está cada vez mais parecido no visual com Tom Selleck. E é bom ver Chris Evans saindo das produções de super-heróis, que exigem mais do físico do que das habilidades interpretativas. Por isso, fiquei positivamente surpreendido com o talento do trio Johnson-Pascal-Evans. Se num primeiro momento a seleção do elenco principal de “Amores Materialistas” me pareceu temerária, no fim se provou acertadíssima.


Repare na fotografia, na iluminação e nos enquadramentos do filme como elementos para potencializar a dramaticidade da história e para elevar a experiência do espectador na sala de cinema. As características da filmagem acompanham, de certa maneira, o turbilhão emocional de Lucy. Quando a personagem está tranquila e trabalhando feliz na agência de encontros, no início do longa-metragem, as cenas têm muita luz, os takes são abertos e os ambientes quase sempre são externos e/ou muito arejados. Quando a protagonista de “Amores Materialistas” conhece Harry e reencontra John, surgem lugares escuros, ambientes fechados e claustrofóbicos, tomadas de câmeras em zoom in e as personagens ficam muitas vezes na penumbra. À medida que a moça vai descobrindo o que deseja, a claridade, as cores, os cenários externos, o clima arejado e os takes abertos voltam aos poucos. Quem curte cinema de qualidade, certamente adorará acompanhar as fases emocionais da personagem principal através da estética visual desta produção.


Por outro lado, há vários problemas em “Amores Materialistas”, que me sinto na obrigação de relatar aos leitores da coluna Cinema. O que mais me incomodou foi a forte sensação de déjà vu. Sabe quando você assiste a um filme e tem a impressão de já ter visto algo muito parecido antes? Pois foi exatamente isso o que senti nessa sessão.


Lucy Mason é uma mescla de Andy Sachs, de “O Diabo Veste Prada” (The Devil Wears Prada: 2006), e Anastasia Steele, de “Cinquenta Tons de Cinza” (Fifty Shades of Grey: 2015). E olha que estou falando das características físicas, psicológicas e emocionais das personagens e não dos visuais de suas atrizes na telona – até porque Dakota Johnson também fez a protagonista da versão cinematográfica do romance erótico de E. L. James. Se quisermos temperar um pouco mais a composição de Lucy e trazer novas semelhanças ao enredo, aí podemos dizer que ela é a versão feminina e contemporânea de Chris Wilton, protagonista de “Ponto Final – Match Point”.


Lançado nos cinemas no fim de julho de 2025, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é a comédia dramática de Celine Song que tem como protagonista Dakota Johnson

Vamos combinar que por mais bem desenvolvido que seja o roteiro e por mais bem-feita que seja a produção cinematográfica, nenhum bom filme se salva quando a plateia sente no ar o cheirinho da pouca originalidade e da falta de criatividade. São justamente essas as grandes pedras no sapato de Celine Song nesta sua segunda comédia dramática. Infelizmente, “Amores Materialistas” bebe de vários clichês do cinema e de seu gênero narrativo. Vamos combinar que a diretora e roteirista sul-coreana tem talento para entregar algo bem mais inovador, né?


Outra questão problemática foram os diálogos inverossímeis. Se por um lado nota-se que foram escritas com esmero (são realmente muito boas, profundas e, em vários momentos, engraçadas), por outro as conversas não são tão reais assim. Dificilmente as pessoas de carne e osso falariam o que as personagens do longa-metragem dizem na tela. Elas até podem pensar, mas não externariam com tanta naturalidade e naquelas situações específicas, como o retratado por Song. Será que um casal formado por interesses financeiros passaria o tempo inteiro discutindo esse aspecto de sua união? E o casal que se ama de verdade discutiria mesmo a pobreza conjunta quando o coração batesse forte? Sinceramente, tenho lá minhas dúvidas.


Reafirmo: a qualidade dos diálogos de “Amores Materialistas” é um dos pontos altos desta produção. Entretanto, pela perspectiva da verossimilhança narrativa, eles não param em pé ou causam alguma estranheza no contexto em que foram inseridos.  Pelo menos em boa parte das cenas, temos tal choque entre o que a ficção aceita e o que a realidade se impõe. Em outras palavras, o filme é, além de pouco criativo, pouquíssimo crível. Ai, ai, ai. Aí fica difícil defendê-lo com unhas e dentes. Note que não são muitos equívocos, mas são sensíveis e afetam profundamente a experiência do espectador na sala de cinema.


Também achei algumas passagens um tanto bobocas. Por exemplo, o motivo que precipitou os questionamentos de Lucy quanto ao namorado me pareceu coisa de filme B ou de comédia pastelão. Será mesmo que a personagem masculina com tal perfil intelectual faria realmente o tipo de intervenção cirúrgica retratado no longa-metragem? Não sei. Acho sinceramente que não. Isso soa como algo que discutimos em tom de brincadeira entre amigos (abraço, Paulinho!), não algo feito de fato na vida real. Além disso, será mesmo que os melhores e mais caros esteticistas deixariam cicatrizes no corpo do paciente multimilionário? Definitivamente, não!


Dirigido e roteirizado por Celine Song, Amores Materialistas (Materialists: 2025) é o filme estrelado por Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans

Outro ponto pra lá de discutível é o desfecho do filme. O problema não é ele ser previsível e condescendente com a plateia romântica, algo que até aceito de bom grado – afinal, estamos no cinema comercial. O problemão é montar o desenlace com estrutura narrativa que não combina com o seu conteúdo. É como ir pelo caminho da paixão usando roupas da racionalidade. Ou tomar a estrada da razão vestindo o uniforme da passionalidade. Aí não dá, né? Não orna. Um roteiro tão bem-feito merecia um cuidado maior quanto a composição de seu fechamento. Aí valeria mais o uso de recursos não verbais do que a verbalização dos sentimentos das personagens nos diálogos com tom teatral.


Por falar em teatro, o que foi uma surpresa positiva em “Vidas Passadas” se transformou justamente em uma debilidade de “Amores Materialistas”. Calma, já explico o que quero dizer! Senti que Celine Song foi excessivamente dramaturga nessa produção e menos cineasta. A impressão é que poderia ter mostrado muito mais questões do enredo e dos universos sentimental e emocional de suas personagens pelas imagens e não tanto por suas falas. Se a quebra da lógica artística funcionou em “Vidas Passadas”, dessa vez não teve o efeito esperado (ou perdeu o ar de surpresa e impacto). Portanto, fiquei com a impressão de que Song estivesse trabalhando em algo a ser encenado nos palcos teatrais e não nas telonas do cinema.


Por fim, não poderia deixar de comentar que em pleno século XXI ainda estamos falando de algumas mulheres que pensam em casamento como maneira principal de ascensão social. Convenhamos que é uma questão que faz as feministas de plantão se revirarem na cadeira com toda a razão. Ainda mais porque Lucy Manson é uma executiva empoderada e bem-sucedida, que não precisaria de homem nenhum para ter uma vida confortável em Nova York. Só não exploro mais essa questão em minha análise do Bonas Histórias para não ser alvo de pedradas e gritaria entre os públicos conservador e progressista. Sei bem que há algumas temáticas que mexem com os instintos primitivos da galera, que não tem maturidade para discuti-los.    


Assista, a seguir, ao trailer de “Amores Materialistas” (Materialists: 2025):



Por tudo isso, confesso que gostei do novo filme de Celine Song, apesar da ligeira decepção ao final da sessão e da sensação de que a diretora e roteirista ainda continua vestindo mais a carapuça de dramaturga do que a de cineasta. “Amores Materialistas” até pode ser bom quando comparado aos demais títulos em cartaz nesse momento nas salas de cinema. Contudo, sabemos que, pela qualidade de Song, o resultado ficou aquém do potencial. Nesse caso, a excelência e a força narrativa de “Vidas Passadas” serviram como um peso excessivo de comparação. Queiramos ou não, “Amores Materialistas” ficou um ou dois degraus abaixo em qualidade do filme de estreia de Celine Song.


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