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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural (literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura e gastronomia), o Blog Bonas Histórias analisa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 42 anos, mora em Buenos Aires e trabalha como publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural, editor, escritor e pesquisador acadêmico. Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

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Livros: Deixe a Música Contar - A novela musical de Roberto Marcio

Lançada em dezembro de 2022, a terceira publicação literária do escritor de Nova Lima apresenta um drama histórico com a trilha sonora dos anos 1980.

Novela musical ambientada nos anos 1980, o livro Deixe a Música Contar é a terceira obra literária de Roberto Marcio, escritor mineiro natural de Nova Lima

Em fevereiro, li “Deixe a Música Contar” (Sete Autores), a mais nova publicação de Roberto Marcio, escritor nascido em Nova Lima e que vive há décadas em Belo Horizonte. Gostei tanto dessa novela que a coloquei na lista de obras para discutir na coluna Livros – Crítica Literária em 2023. Depois de um semestre de atraso (meu delay natural, que vocês já conhecem tão bem), agora consigo comentar as características desse título com a atenção e o detalhamento que o trabalho literário de Roberto merece. Reli esse drama histórico na semana passada para debatê-lo com mais propriedade neste post do Bonas Histórias. E, mais uma vez, fiquei com uma ótima impressão.


O mais interessante de “Deixe a Música Contar” é que sua narrativa mistura ficção literária e música de maneira bastante atraente. Além disso, o livro presta uma belíssima homenagem aos 100 anos do Rádiono Brasil, efeméride de três dígitos comemorada no ano passado. Parafraseando o próprio autor, que definiu seu novo trabalho de um jeito preciso, trata-se de uma novela musical. Confesso que a história e a estética dessa obra de Roberto Marcio me lembraram bastante “Alta Fidelidade” (Companhia das Letras), clássico de Nick Hornby que apresenta um jovem protagonista melancólico e apaixonado por música, e um pouco os romances de Haruki Murakami, em que são inseridos elementos musicais e da cultura Pop no meio de dramas amorosos ácidos e trágicos, como “Norwegian Wood” (Alfaguara) e “Ouça a Canção do Vento” (Alfaguara).


Antes de me aprofundar nas particularidades de “Deixe a Música Contar”, preciso confidenciar que testemunho o que chamo de boom da Literatura Mineira no Bonas Histórias. O recente lançamento de Roberto Marcio é, acredite se quiser, o sexto título de escritores mineiros que discuto no blog nos últimos doze meses. Já perdi a conta de quantos livros com cheirinho de café forte e sabor de pão de queijo eu li ultimamente – apenas uma pequena parcela das leituras que faço, as obras que mais gosto, se transforma em posts da coluna Livros – Crítica Literária. Se continuar assim, talvez seja melhor eu me mudar de novo da cidade de São Paulo para Belo Horizonte para entrar mais no clima da literatura local. Brincadeirinha! Buenos Aires, como cantaria Eduber Ascanio, no te he olvidado. E imaginar que, há exatos dez anos, era justamente o caminho pela Fernão Dias que minha vida seguia (ao som de “Paixão Mineira”, de César Menotti & Fabiano). Saudades dos tempos em Minas, que posso matar através das páginas da boa ficção (e da boa música), né?


Os leitores mais assíduos do blog vão se lembrar que analisei, neste período de um ano, “O Menino Amarrado ao Manacá” (Publicação independente), drama psicológico de José Carlos Martins, “O Homem que Ria Demais” (Páginas Editora), thriller fantástico de Magela de Faria, “O Coração do Imperador” (Gulliver), romance policial de Guilherme Santos, “O Velho e o Menino: o Rio” (Cria Editora), drama histórico de José Carlos Martins, e “A Menina que Viu a Lua” (Adonis), história infantojuvenil de Janeth Vieira da Silva. Em outras palavras, “Deixe a Música Contar” é mais um excelente título da leva da boa ficção mineira contemporânea que temos à disposição nas livrarias nacionais. Fiquei tão fã desse povo que não sei quem é melhor: se José Carlos Martins, Magela de Faria, Guilherme Santos, Janeth Vieira da Silva ou Roberto Marcio?! Para mim, todos se tornaram amigos. Adoro acompanhar os novos passos desse seleto grupo de autores ficcionais da querida Minas. E, sinceramente, vibro bastante com seus lançamentos e com suas conquistas na literatura brasileira.


“Deixe a Música Contar” é a terceira publicação literária de Roberto Marcio no papel autoral e sua primeira novela (narrativa de tamanho médio). As obras anteriores foram coletâneas de narrativas curtas: “Andante das Gerais” (Páginas Editora), coleção de crônicas de 2020, e “Janelas Visitadas” (Sete Autores), coleção de contos de 2021. Vale dizer que ambos os títulos foram analisados na coluna Livros – Crítica Literária. No ano retrasado, o autor mineiro também fez uma nova tradução de “A Revolução dos Bichos”, fábula clássica de George Orwell, para a Editora Dialética.

Escritor mineiro nascido em Nova Lima e residente há décadas em Belo Horizonte, Roberto Marcio escreveu os livros Deixe a Música Contar, Janelas Visitadas e Andante das Gerais

Além de escritor, Roberto Marcio é professor de inglês, tradutor e revisor de texto. Nas horas vagas, é apaixonado por música, cinéfilo de carteirinha, leitor inveterado e viajante compulsivo. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET), ele ocupa a cadeira de número 32 da Academia Nova-Limense de Letras (ANLL) desde 2021.


“Deixe a Música Contar” levou aproximadamente um ano para ser desenvolvido. A ideia de Roberto era produzir um conto. Porém, a trama foi crescendo, se encorpando, ganhando mais personagens e, aí, quando ele viu já tinha uma novela. No caso, uma novela musical. As cerca de 60 canções do livro permitem ao leitor fazer uma viagem pela discografia dos anos 1980. Segundo o autor, a obra apresenta a trilha sonora de sua juventude. De maneira sagaz, as principais canções dessa época foram transplantadas para a narrativa ficcional a partir da paixão pela música das personagens centrais. O rádio, nesse caso, se torna quase que uma figura fundamental para a novela. Juntamente com a trilha sonora, também assistimos ao contexto político-social, aos principais acontecimentos históricos do Brasil e do mundo e às manifestações artístico-culturais da turbulenta e fascinante década de 1980. Impossível não ficar cantarolando os grandes hits durante a leitura e não se envolver com seu enredo!


O lançamento oficial de “Deixe a Música Contar” aconteceu em 10 de dezembro de 2022, no charmoso Café com Letras, misto de livraria e cafeteria na Savassi, em Belo Horizonte. Em fevereiro, Roberto Marcio promoveu uma noite de autógrafos em sua cidade natal, Nova Lima. Há ainda a previsão de uma sessão de autógrafos em Diamantina, município no Norte do estado utilizado como um dos cenários principais da novela. Atualmente, o livro está disponível para compra, entre outros pontos de venda, na mineiríssima Livraria Leitura e na paulista Livraria Martins Fontes. Ainda não há uma versão digital dessa novela de Roberto (e acredito que não se terá). O projeto gráfico dessa obra está tão fantástico que, mesmo se tivesse uma edição disponível na Loja Kindle, eu falaria para você adquirir a versão impressa. Ela está lindíssima. É provavelmente a obra ficcional mais bonita que li nesse ano.


O enredo de “Deixe a Música Contar” começa em Copenhague. Em junho de 2022, Fernando e Elaine Pereira, um casal de brasileiros que emigrou para Portugal, passam as férias de Verão na Dinamarca. Durante a excursão ao país nórdico, eles descobriram que a Seleção Brasileira Feminina de Futebol enfrentaria a Dinamarca em um amistoso e que havia um restaurante de comida brasileira na capital dinamarquesa. Na visão dos turistas, não havia nada melhor do que ver a partida em um estabelecimento genuinamente verde-amarelo. E para lá eles foram empolgados.


Ao som da Música Popular Brasileira e entre pratos de feijão tropeiro e leitão à pururuca, porções de pão de queijo, doses de caipirinha e potes de doce de leite e cajuzinho, a dupla pôde matar a saudade da terra natal. E no Dinamantina (o nome do restaurante era a união das palavras Dinamarca e Diamantina), Fernando e Elaine conheceram Gustaf, o proprietário brasileiro. Quando interrogado pelos clientes como havia parado ali e por que tinha aberto um negócio voltado à cultura e à gastronomia brasileira em Copenhague, Gustaf preferiu responder aos questionamentos de um jeito diferente. Ele entregou aos conterrâneos um livro sobre sua vida. A obra fora escrita por um amigo de Nova Lima. É através das páginas de Deixe a Música Contar, publicação dentro da publicação, que o casal obtém as respostas que atiçaram sua curiosidade durante a partida de futebol no Dinamantina.

Publicado em dezembro de 2022, o livro Deixe a Música Contar é a novela musical de Roberto Marcio que apresenta o panorama musical da década de 1980

Gustaf era um brasileiro que morava na Dinamarca desde os três anos. Filho de uma dinamarquesa e de um mineiro de Diamantina (o nome do restaurante era uma homenagem à união dos pais), ele vivia com os avós maternos na Europa desde a tragédia familiar ocorrida em sua infância. Greta, a mãe de Gustaf, morreu em dezembro de 1989, vítima de um assalto à mão armada no Rio de Janeiro. Ela morava na capital fluminense com o marido, João Pedro, desde fevereiro de 1986. Quando o filho único do casal nasceu em novembro daquele ano, a família se tornou um trio. Isso até as vésperas do Natal de 1989. Como o pai não apareceu para cuidar da criança após o falecimento da mãe e ninguém no Rio conhecia a família de João Pedro, que residia no interior de Minas, couberam a Ludvig e Blenda, os pais de Greta, a guarda do neto. Eles viajaram da Dinamarca para o Brasil só para resgatar a criança órfã. Desde então, Gustaf vivia em Copenhague e nunca conheceu o pai nem ninguém do lado brasileiro da família.


O problema é que o passado do rapaz vivido na América do Sul sempre foi algo mal explicado pelos avós. Ludvig e Blenda desconversavam quando o assunto da infância brasileira de Gustaf era colocado à mesa, além de aparentarem algum nervosismo com a questão. A única coisa que diziam era que Greta e João Pedro se conheceram no início dos anos 1980 através da troca de cartas. Apaixonada, Greta se mudou para o Rio para viver ao lado do namorado. Em pouco tempo, casaram e tiveram Gustaf. Com a morte repentina da mãe do garoto, mais uma provocada pela violência urbana nas grandes cidades nacionais, os avós viajaram para o Brasil, procuraram o genro, mas não o localizaram. Também não conseguiram contato com a família de João Pedro. Assim, conseguiram na Justiça o direito de levar o neto para a Europa, onde seria criado com todo amor e carinho.


Ciente da agonia dos velhinhos, que tanto o amavam e que ele tanto amava, com as lembranças amargas do passado, Gustaf não insistia nas perguntas. Contentava-se com a versão passada bem superficialmente pela família dinamarquesa sobre os tempos vividos no Brasil com a mãe e com o pai. Mesmo assim, o meio carioca, meio dinamarquês alimentava o sonho de um dia viajar para o Brasil para descobrir suas raízes e, principalmente, procurar o misterioso pai. Depois de muito postergar a tão almejada viagem, Gustaf resolveu, em outubro de 2021, aos 25 anos, realizar a jornada pelo seu passado. Em busca de respostas que os avós não queriam ou não conseguiam dar, ele chegou ao Brasil com a missão de procurar a parte brasileira de sua família e a metade de sua essência que sentia falta.


Após chegar ao Rio de Janeiro, Gustaf pegou um ônibus para Diamantina, onde seu pai nasceu e, à princípio, moraria. Ao entrar no endereço que tinha anotado, surgiu a primeira surpresa: João Pedro não vivia mais ali. O pai falecera em 2006. Porém, na residência estavam Cássia, irmã de João, e o filho dela, Fábio, um rapaz de 19 anos com Síndrome de Down. A tia e o primo acolheram tão bem o visitante ilustre que Gustaf já se sentia efetivamente parte da família e morador de Diamantina. Foi pelas conversas com Cássia que o protagonista da novela conseguiu coletar boa parte das peças do quebra-cabeça de sua infância. E assim que recebeu das mãos da tia o diário que o pai escreveu ao longo dos anos 1980, o carioca-dinamarquês teve quase todos os elementos que precisava para elucidar os enigmas da infância destruída.


Em seu diário, João Pedro relatou sua paixão pela música e descreveu as canções que mais marcaram cada etapa de sua vida. Dessa forma, acompanhamos o panorama riquíssimo da música brasileira e internacional na década de 1980 e a intersecção desse pot-pourri saudosista com o dia a dia da personagem. Curiosamente, temos aqui mais um livro (o diário do pai de Gustaf) dentro de um livro (aquele recebido por Fernando e Elaine no Dinamantina), que, por sua vez, já estava dentro de outro livro (a obra que temos em mãos e que foi produzida por Roberto Marcio). Maluquice? Não. Isso é literatura, bebê!

O livro Deixe a Música Contar é o romance histórico de Roberto Marcio, escritor mineiro da Academia Nova-limense de Letras

Por ser extremamente tímido e não ter amigos, o pai de Gustaf tinha o rádio como fiel companheiro. Era com o rádio e com o diário que ele conversava de um jeito franco e descompromissado. João Pedro também citava nas páginas dos seus cadernos pessoais as passagens mais importantes da história do Brasil e do mundo, os filmes, os livros, os programas de televisão e os eventos esportivos que foram manchetes e que lhe marcaram de certa forma.


Ao juntar as peças da Diamantina do presente com as peças do Rio de Janeiro do passado, Gustaf poderá descobrir a verdade por trás da morte da mãe e do sumiço do pai, fatos que destruíram sua família há mais de duas décadas e que afetavam sua existência até hoje. Se prepare, leitor! Porque muitas surpresas e intensas reviravoltas estão previstas nas páginas dessa obra. Esse é o meu prognóstico para a sua leitura.


“Deixe a Música Contar” possui 140 páginas. Sua história vem emoldurada por um prólogo e um epílogo (a parte em que Fernando e Elaine visitam o restaurante de Gustaf em Copenhague). O cerne da obra (a procura de Gustaf pelos segredos dos pais) tem sete capítulos: “A Busca pela Identidade”, “Rumo ao Passado”, “Primeiras Revelações”, “Mergulhando no Diário”, “Com Pressa”, “Virada do Destino” e “Vida que Segue”. Ao final, ainda recebemos dois anexos: “Letras Traduzidas” (tradução para o português das músicas internacionais) e “Trilha Sonora” (lista das canções citadas pelas personagens).


Antes que o Roberto Marcio fique bravo comigo, preciso esclarecer o motivo de eu chamar “Deixa a Música Contar” de novela (algo que fiz desde o início deste post da coluna Livros – Crítica Literária) e não de romance (como o autor e a editora estão divulgando comercialmente desde o lançamento da obra em dezembro). Levei aproximadamente três horas para percorrer o conteúdo inteiro dessa publicação na quarta-feira à noite. Praticamente fui de cabo a rabo sem parada. Ok, dei um rapidíssimo intervalo para brincar com o cachorrinho que exigia minha atenção, mas depois voltei a me concentrar e fui até o final (por isso nem considero como sendo uma parada). Além da leitura fluida e da trama convidativa (méritos do livro), a razão de tal celeridade está ligada, na minha opinião, ao tamanho mediano do novo título de Roberto, que está entre o conto (leitura instantânea) e o romance (leitura que exige várias sessões).


Costumo classificar as narrativas de extensão mediana (leituras de menos de quatro horas, feitas normalmente em uma ou duas sessões e com extensão entre 80 e 160 páginas) de novela. Pelo meu critério (e da Teoria Literária), os romances são tramas ficcionais com uma quantidade superior a 160 páginas e que pedem naturalmente respiros do leitor no meio da imersão literária (além de possuírem maior complexidade narrativa, grande quantidade de cenas e maior número de personagens).

O livro Deixe a Música Contar é o mais recente romance de Roberto Marcio, autor mineiro que escreveu também Janelas Visitadas e Andante das Gerais

Acho importante alertar que chamar uma obra de novela ou de romance não indica qualquer juízo em relação à qualidade. Há novelas boas, como “Refém da Memória” (Produção independente) de Helio Martins Jr., e ruins, como “Através do Espelho” (Companhia das Letras) de Jostein Gaarder. E há romances bons, como “Maria Quitéria – A Soldada que Conquistou o Império” (Poligrafia) de Rosa Symanski, e ruins, como “Jogo de Cena” (CEPE Editora) de Andrea Nunes. O que diferencia um gênero narrativo do outro é apenas a extensão (e complexidade!) da trama ficcional. Em suma, enquanto as novelas são histórias de tamanho mediano, os romances são histórias mais longas e os contos são histórias menores (e mais simples – menor quantidade de cenas, personagens e conflitos). Porém, entendo perfeitamente a opção do autor e da editora em apresentar “Deixe a Música Contar” como um romance. O termo romance é mais comum e mais abrangente do que novela. E, de certa maneira, é também mais comercial. Mas como no Bonas Histórias a minha função é analítica e não comercial, precisei dar os verdadeiros nomes aos bois.


Feita essa ressalva técnica, vamos para a análise literária propriamente dita. O primeiro elogio que preciso fazer para “Deixe a Música Contar” é para a congregação de vários gêneros literários num mesmo texto ficcional. Notei essa característica quando quis classificar a novela de Roberto Marcio. Afinal, qual gênero ela se enquadra?! A resposta não é tão simples. O livro pode ser catalogado como drama familiar, narrativa histórica, novela musical, thriller de ação, romance de formação, crônica de época, romance policial, autoficção musical, suspense existencialista e narrativa ao estilo road story. O interessante é que, por qualquer perspectiva que se tome, a obra é agradável e forte. Porém, para mim, um de seus maiores méritos está justamente nessa junção estilística – algo difícil de se aplicar com êxito na literatura (e que o cinema sul-coreano, por exemplo, faz corriqueiramente).


Outra questão muito positiva é o realismo da trama. Realismo da trama, Ricardo? Sim, querido(a) amigo(a) do Bonas Histórias! A sensação que tive (e que imagino que a maioria dos leitores do livro deve ter) é que boa parte dos eventos descritos na novela aconteceu de verdade ou foi extraída de passagens verídicas. Por exemplo, será que existe mesmo um restaurante em Copenhague chamado Dinamantina e que é comandado por um brasileiro expatriado? E o casal que vive em Portugal teria sido inspirado em figuras reais? Para completar, o drama de Gustaf e a tragédia do casal João Pedro e Greta teriam um pé fora da ficção? A impressão é que sim, por mais que os únicos elementos efetivamente verdadeiros tenham sido a impecável contextualização histórica e a maravilhosa trilha sonora da década de 1980. Acredite se quiser, mas todo o restante da obra de Roberto Marcio foi fruto da imaginação dele. Isso é o que chamo de boa ficção: ela é tão forte e legítima que parece aos leitores que foi recortada integralmente da realidade.


Por falar em reconstrução histórica e em trilha sonora, quero explorar mais esses dois elementos tão marcantes de “Deixe a Música Contar”. O mergulho nos anos 1980 é feito através do diário de João Pedro, que não por acaso começa em 8 de maio de 1980, quando o pai de Gustaf completa 16 anos e inicia a ascensão da vida adulta, e vai até 18 de dezembro de 1989, quando aos 25 anos vivencia o ocaso pessoal e familiar. De forma poética, a evolução e o declínio da personagem são compartilhados pelo desenvolvimento da década, que também passa naturalmente pelo início, apogeu e fim. É muito legal acompanhar essa comparação entre a personagem e a própria linha temporal.


Outro aspecto que não poderia passar batido foi o excelente retrato dos anos 1980. Quem acompanhou de perto essa época poderá atestar o quão fidedigno é a narrativa de “Deixe a Música Contar”. Estão lá o período de redemocratização do país (campanha das Diretas Já, nova Constituição, primeira eleição direta para presidente depois de muito tempo), o caos da inflação (Plano Cruzado I, Plano Cruzado II...), os maiores feitos esportivos nacionais (quase sempre desatrelados ao futebol), a força midiática das telenovelas globais (quem matou Odete Roitman?), os acidentes que mobilizaram a opinião pública (Chernobyl, Bateau Mouche) e o cenário político internacional (final da Guerra Fria, queda do muro de Berlim, imperialismo norte-americano). Como vivenciei intensamente esse período, posso afirmar com propriedade: o recorte temporal feito por Roberto Marcio nesse livro está perfeito!


Ainda na linha da reconstrução da década de 1980, nota-se a preocupação pela recapitulação do cenário artístico-cultural da época, algo valorizado por João Pedro. Por isso, entraram nas páginas da novela os principais filmes, programas de televisão (seriados e programas de auditório), livros, peças teatrais, artistas e shows. E, claro, o destaque maior é para o cenário musical. Não me canso em dizer que a seleção de músicas de “Deixe a Música Contar” está impecável. Ouso dizer que o pot-pourri proposto pelo livro não é a trilha sonora apenas de João Pedro e de Roberto Marcio (como eles insistem em dizer) e sim de uma geração. Admito que me peguei cantarolando vários hits durante a leitura e me identifiquei com várias canções como se elas fossem minhas.

Obra literária mais ambiciosa e ousada de Roberto Marcio, escritor mineiro nascido em Nova Lima, Deixe a Música Contar é uma novela musical ambientada nos anos 1980

O mais incrível foi perceber que a discografia dos anos 1980 não foi pintada apenas pela citação das músicas e pela exposição de suas letras. O autor mineiro teve a preocupação em descrever a força do rádio para a juventude oitocentista, a cultura da fita cassete e do gravador de cassete, a liberdade conferida pelo walkman, a paixão pelo LP e pelo toca-discos, a inovação proporcionada pelo CD e pelo CD player, o impacto dos videoclipes e o surgimento dos primeiros festivais musicais no Brasil. Acredito que a geração que viveu essa época irá olhar com saudosismo os hábitos antigos. Já a nova geração poderá entender como era o universo melódico antes da Internet.


Não por acaso, uma das partes mais deliciosas desse livro está exatamente na união da seleção sonora impactante com a reconstituição dos hábitos musicais da juventude dos anos 1980. E essa integração foi viabilizada, o que é mais legal ainda, dentro de uma boa trama ficcional. Aqui é importante esclarecer que não apenas a proposta da novela musical possui méritos (ela é original e ousada), mas sua execução (o ponto mais difícil de se conseguir) foi brilhantemente realizada. A alternativa mais fácil, imagino eu, seria pegar esse conhecimento musical de Roberto Marcio e transformá-lo em uma coletânea de crônicas ou em um ensaio com cara de documentário musical. Mas não foi isso o que ele fez. Aproveitando-se de seu talento ficcional, o escritor mineiro aproveitou para inserir seu know-how melódico em uma história gostosa e profunda. Incrível, né? Como novela musical, “Deixe a Música Contar” é um livro primoroso!


Do ponto de vista literário, uma das coisas que mais gostei da nova publicação de Roberto Marcio foi das brincadeiras entre os diferentes universos ficcionais e do diálogo intenso entre realidade e ficção. Nesse sentido, a semelhança deixa de ser com a literatura de Nick Hornby e a literatura de Haruki Murakami e passa a ser com a literatura de Juan Carlos Onetti. O escritor uruguaio (um dos meus autores sul-americanos de língua espanhola preferidos, ao lado de Julio Cortázar, Isabel Allende, Pablo Neruda e Jorge Luiz Borges) era mestre em utilizar esse expediente (embaralhar vários planos ficcionais e relacioná-los com a realidade de maneira inteligente).


E o que eu quero dizer exatamente com diferentes universos ficcionais?! Note que há praticamente três livros dentro do livro que o leitor adquire. A primeira obra é pontuada pelo Prólogo e Epílogo, a parte da trama com o casal brasileiro que vive em Portugal e visita Copenhague. Aí eles recebem um título biográfico (o segundo livro de “Deixe a Música Contar”) da personagem que acabaram de conhecer no restaurante Dinamantina. E quando leem a história de Gustaf, eles se deparam com o diário de João Pedro, o pai do protagonista. É, portanto, uma nova narrativa (a terceira em questão). É muito legal descobrir uma história dentro da história, que, por sua vez, está dentro de outra história. Isso é Onetti puríssimo!


Para potencializar ainda mais a experiência entre as diferentes linhas ficcionais, Roberto Marcio ainda adicionou um tempero especial à novela, que foi sua presença indireta (ou seria sutil?) no enredo. Ou você não percebeu que ele é Sérgio, o primo de João Pedro que vive (no caso vivia) em Nova Lima, hein?! Eu percebi rapidamente pois conheço um pouco o escritor real: é tímido, adorava se corresponder por cartas com amigos estrangeiros, é apaixonado por literatura desde a infância e sempre foi fascinado pelo aprendizado de línguas e novas culturas. A leitura de “Andante das Gerais” me deu bastante subsídio. Mas acho que mesmo um leitor que não tenha lido os livros anteriores de Roberto nem conheça a sua biografia consiga fazer essa relação sem grande dificuldade. De qualquer maneira, é belíssima essa fresta deixada pelo autor entre realidade e ficção literária.

O livro Deixe a Música Contar é a novela publicada em dezembro de 2022 pelo escritor mineiro Roberto Marcio que mistura ficção literária, retrospectiva histórica e música

Se fosse só o conteúdo do livro que tivesse chamado minha atenção, eu não comentaria seu projeto gráfico. Contudo, “Deixe a Música Contar” não é apenas um livro com bons predicados literários. Ele é também uma obra impactante do ponto de vista estético. Como disse no início deste post do Bonas Histórias, essa é provavelmente a publicação ficcional com a melhor capa e com a melhor diagramação interna que passou por minhas mãos em 2023 (até agora). Entre as publicações não ficcionais, esse prêmio informal está provisoriamente com “Como Ler Livros – O Guia Clássico para a Leitura Inteligente” (É Realizações), de Mortimer J. Adler & Charles Van Doren (que ainda vou comentar no blog).


Note a riqueza visual da capa da novela de Roberto Márcio, obra-prima feita pela designer Luísa Rebelo. Se for verdade que as pessoas compram os livros pela capa, esse será o próximo best-seller da literatura brasileira e da literatura mineira. E internamente, a diagramação explora muito bem a dinâmica do livro dentro do livro dentro do livro. A escolha visual diferenciada para a representação do diário de João Pedro também foi um acerto inegável do projeto gráfico. Para completar, há ilustrações maravilhosas na abertura dos capítulos e no rodapé dos anexos.


Para terminar a lista de elementos positivos de “Deixe a Música Contar”, quero falar sucintamente de mais cinco aspectos que gostei dessa obra: (1) agilidade do texto narrativo, (2) crítica social, (3) pegada de road story, (4) beleza entre as semelhanças entre pai e filho e (5) profundidade do diário de João Pedro.


A agilidade do texto fica evidente pela rapidez com que lemos a nova publicação de Roberto Marcio. Na primeira vez que a li, no início do ano, lembro que precisei de uma tarde de sábado para isso (fiz duas sessões de leitura de uma hora e meia cada naquela oportunidade). Agora, na releitura, precisei de apenas uma noite (sessão única de três horas). Se a narrativa não fosse gostosa e se a trama não fosse atrativa, na certa o leitor não devoraria o livro de uma tacada só e tão velozmente.


A crítica social de “Deixe a Música Contar” está presente no desconforto étnico-racial sentido por Gustaf na Europa (e do racismo ora velado ora mais direto que o brasileiro vivencia no exterior), na violência urbana do Brasil (uma epidemia que não se restringe ao Rio de Janeiro nem ficou limitada à década de 1980), na atuação das organizações criminosas internacionais (que se tornaram mais profissionais e diversificadas com os anos) e no estereótipo que os estrangeiros fazem do nosso país (será que é só culpa deles ou será que também contribuímos de alguma maneira com tal visão deturpada?!).

Publicado em dezembro de 2022, o livro Deixe a Música Contar é a novela musical de Roberto Marcio que apresenta o panorama musical da década de 1980

A pegada de road story permeia o livro inteiro de Roberto Marcio. O enredo se passa, segundo a minha contabilidade, em pelo menos doze cidades: Copenhague (Dinamarca), Saint Julian's (Malta), Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Diamantina, Nova Lima, São Lourenço, Brasília, Niterói, Cruzília, Aiuruoca e Bali (Indonésia). Provavelmente devo ter me esquecido de algumas localidades – não me surpreenderia se o número efetivo alcançasse duas dezenas. É bem a cara do Roberto Márcio escrever uma história que faz as personagens colocarem o pé na estrada, né?


Achei bonito constatar as semelhanças de preferências, aptidões e gostos de pai e filho que não puderam se conhecer. Gustaf é uma cópia de João Pedro, mesmo não tendo convivido com o mineiro de Diamantina. E, por isso, o impacto provocado no rapaz (aos 25 anos) da leitura do diário de João Pedro (que parou de escrever suas confidências quando tinha também 25 anos). A sensação que tive (ajudada pela coincidência da idade das personagens) é que o diário do pai serviu de passagem de bastão para que o filho pudesse viver sua vida a partir de sua real identidade (que é idêntica ao do pai). É ou não é linda essa sutileza narrativa, hein? A primeira parte do diário de João Pedro é mais musical, sonhadora e inocente (típica da adolescência). A segunda parte é menos musical, mais prática e mais familiar (típica do amadurecimento).


Em relação aos defeitos (até as boas ficções possuem pontos negativos, tá?!), “Deixe a Música Contar” tem dois problemas sérios, que afetam diretamente a experiência do leitor, e cinco menores, que não comprometem em nada a qualidade da obra. As questões mais graves são: (1) a inverossimilhança na construção dramática de Gustaf; e (2) a falta de uma revisão textual mais cuidadosa que deixou passar inconsistências narrativas de algumas personagens. Vamos agora a tais pontos delicados.


O que chamei de inverossimilhança na construção dramática de Gustaf está ligado ao estranhamento que senti com uma personagem que vai morar na Dinamarca aos três anos de idade com os avós gringos e ainda assim mantém sua brasilidade, mesmo sem nenhum conterrâneo por perto. Se Ludvig e Blenda, os pais de Greta, fizeram de tudo para esconder o passado sul-americano do neto, eu esperava que o garoto crescesse no novo lar mais como um dinamarquês do que como um brasileiro. Mas não! Inexplicavelmente, Gustaf é fluente em português (não sei como!), conhece boa parte da cultura natal (como é possível se os avós não o estimulavam?) e possui uma forte ligação com o país do pai (sem que ninguém o incentivasse). Confesso que achei um tanto esquisito essa linha narrativa. Para mim, seria mais natural que uma criança que more em um país estrangeiro desde os três anos ficasse ligada mais à cultura local do que à cultura original (que normalmente é esquecida da mente dos pequenos em pouquíssimo tempo).

O livro Deixe a Música Contar é o romance histórico de Roberto Marcio, escritor mineiro da Academia Nova-limense de Letras

O segundo problema sério foi a falta de uma revisão textual mais cuidadosa, que deixou escapar mudanças no enredo do livro e que se transformaram em erros gritantes da narrativa na versão final. Por exemplo, Cássia é descrita no início como tia de Gustaf (portanto, é irmã de João Pedro). Mais à frente, no capítulo 3 “Primeiras Revelações”, ela vira inexplicavelmente irmã de Gustaf (ou seja, filha mais nova de João Pedro). Algumas páginas adiante, Cássia volta a ser tia do protagonista. E mais à frente retorna a ser irmã de Gustaf e novamente tia do rapaz no desfecho.


O mesmo efeito ioiô pode ser verificado (mas em menor intensidade) com Sérgio, o escritor de Nova Lima. No Epílogo, ele é descrito por Gustaf como um amigo. Porém, no meio da narrativa de João Pedro, Sérgio é primo do pai do protagonista (no caso, é primo de Gustaf, não um mero amigo). Fica evidente que “Deixe a Música Contar” não passou por uma revisão final mais cuidadosa, que notaria rapidamente essas incongruências narrativas.


Os demais problemas do livro são questões menores e podem passar batidos nas leituras mais recreativas. Por exemplo, achei as personagens muito planas (quando a boa literatura exige personagens redondas) e notei a priorização de passagens sumarizadas (quando a graça da ficção está na encenação), aspectos já detectados em “Janelas Visitadas”. Quando as figuras principais da história são boazinhas demais ou ruins demais, a trama se torna muito maniqueísta e pouco crível. Ninguém, no mundo real, é 100% correto nem 100% errado (exceções feitas a Scarlett Johansson, a única pessoa perfeita, e Vitor Pereira, o único ser humano inteiramente equivocado). E quando temos muitos sumários e poucas cenas em um livro, a sensação é que não pudemos acompanhar mais de perto a narrativa. Se “Deixe a Música Contar” tivesse mais encenações, certamente a novela de Roberto Marcio teria se transformado automaticamente em um romance.


Confesso que não engoli a justificativa para os desencontros de João Pedro com o filho pequeno na virada de 1989 para 1990. Segundo a narrativa ficcional, após a morte de Greta, o pai do protagonista não conseguiu localizar os sogros na Dinamarca nem foi contactado por ninguém no Rio de Janeiro quando estava viajando para Diamantina. A culpa foi atribuída a ausência de celular e de Internet naquele tempo. Será mesmo?! Então naquela época devia haver vários desencontros só porque as pessoas não tinham telefone celular nem correio eletrônico, certo?! Pode parecer surpreendente para as novas gerações, mas na década de 1980 havia várias formas de localizar as pessoas (o telefone fixo era o principal). Desencontros desse tipo eram raríssimos. E a culpa, quando acontecia, pode acreditar, não era da ausência de celular ou da Internet.

Autor da novela musical Deixe a Música Contar, Roberto Marcio é um escritor mineiro natural de Nova Lima e que mora em Belo Horizonte

Apesar do texto excelente de “Deixe a Música Contar”, admito que não gostei de algumas passagens de seu início, quando temos partes muito repetitivas. Por exemplo, a explicação das características sociais da Dinamarca e o detalhamento de que o país nórdico é apontado como a terra da felicidade são retomadas duas ou três vezes em poucas páginas. Achei excessivo e desnecessário.


E senti falta da extrapolação das músicas dos anos 1980 (um dos maiores charmes de “Deixe a Música Contar) para fora da plataforma física do livro. Já li obras literárias, como “Diário de Um Exorcista” (Generale), terror de Renato Siqueira e Luciano Milici, que forneceram CDs com as trilhas sonoras de suas histórias para os leitores ouvirem. Isso é muito legal. Depois que o CD se tornou uma mídia em desuso, algumas manifestações culturais, como a peça “Sex Shop Café”, criação de Gilberto Amendola realizada pela Encena Companhia de Teatro, disponibilizam para o público a playlist musical no Spotify. Já pensou que legal seria se o livro de Roberto Marcio tivesse compilado as canções citadas em um serviço de streaming, hein? Aí o leitor poderia ouvir as músicas à medida que elas fossem aparecendo nas páginas. Seria muito divertido, né? Senti falta desse maior aproveitamento das canções para fora da plataforma convencional da publicação.


Resumo da ópera: “Deixe a Música Contar” é uma novela musical de boa qualidade que irá encantar os leitores apaixonados por música, cultura e história. Quando analisada dentro do portfólio literário de Roberto Marcio, essa obra é inegavelmente mais arrojada e profunda. Mesmo tendo adorado “Andante das Gerais”, ainda hoje meu título favorito do autor, preciso reconhecer que “Deixe a Música Contar” é uma publicação superior (tem mais e melhores elementos técnicos, como expus nesse post da coluna Livros – Crítica Literária). Se compararmos diretamente esta novela com “Janelas Visitadas”, o título ficcional anterior de Roberto Marcio, poderemos verificar a enorme evolução do autor mineiro em pouco tempo (menos de dois anos!).


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