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Bonas Histórias

O Bonas Histórias é o blog de literatura, cultura, arte e entretenimento criado por Ricardo Bonacorci em 2014. Com um conteúdo multicultural – literatura, cinema, música, dança, teatro, exposição, pintura, gastronomia, turismo etc. –, o Blog Bonas Histórias analisa de maneira profunda e completa as boas histórias contadas no Brasil e no mundo.

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Ricardo Bonacorci

Nascido na cidade de São Paulo, Ricardo Bonacorci tem 44 anos e mora com um pé em Buenos Aires e outro na capital paulista. Atuando como editor de livros, escritor (ghostwriter), redator publicitário, produtor de conteúdo, crítico literário e cultural e pesquisador acadêmico, Ricardo é especialista em Administração de Empresas, pós-graduado em Gestão da Inovação, bacharel em Comunicação Social, licenciando em Letras-Português e pós-graduando em Formação de Escritores.  

Filmes: Homo Argentum – A comédia argentina mais esperada do ano

  • Foto do escritor: Ricardo Bonacorci
    Ricardo Bonacorci
  • 22 de set.
  • 18 min de leitura

Em cartaz nos cinemas de Buenos Aires desde o início de agosto, o novo longa-metragem de Mariano Cohn e Gastón Duprat é estrelato por Guillermo Francella, ícone do humor argentino e um dos atores mais carismáticos de seu país.


Homo Argentum (2025) é o filme argentino dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat e estrelado por Guillermo Francella

Na primeira quinta-feira de agosto, recebi a visita da minha irmã Marcela em Mi Buenos Aires Querido. Tão logo ela surgiu no saguão do Aeroparque para mais uma minitemporada na capital argentina (a terceira em dois anos), sentenciei com a convicção dos irmãos mais velhos (e dos anfitriões nem um pouco flexíveis): amanhã vamos ver um filme argentino que estreia hoje nos cinemas. E ainda emendei que aquele seria o único programa inegociável de sua visita. Quando lhe mostrei empolgado que já havia até mesmo comprado nossos ingressos, Celinha concordou sem qualquer contestação. Sua única pergunta foi: o que vamos assistir exatamente? Sem esconder a ansiedade, respondi que era “Homo Argentum” (2025), a comédia dramática de dois diretores que adoro. Para completar, o principal humorista da Argentina era o protagonista.


Juro que não exagerei nas minhas palavras introdutórias. Não à toa, este longa-metragem era o mais aguardado da nova temporada pelos cinéfilos portenhos (grupo do qual me sinto pertencente, tá?). Prova disso é que queria ver “Homo Argentum” desde abril, quando li que sua estreia nos cinemas seria no segundo semestre de 2025. Cheguei até a comentar sobre essa minha enorme expectativa no post de maio ou junho que tratava de “Mensagem em Uma Garrafa” (Mensaje en Una Botella: 2025), outra comédia dramática argentina. No meio da análise do então recém-lançado título de Gabriel Nesci que foi protagonizado por Luisana Lopilato, escrevi: “(...) preparem-se porque em agosto chega aos cinemas argentinos ‘Homo Argentum’, a comédia local mais esperada do ano”. Isso foi há três ou quatro meses, senhoras e senhores. Estava eu ansioso ou não?!


Voltando à história com minha irmã.... Só no dia seguinte à sua chegada En La Ciudad de La Furia, Marcela quis saber mais detalhes sobre o título que iríamos conferir no Multiplex Belgrano naquela noite. Enquanto pedalávamos do meu apartamento em Saavedra para o Bellagamba Restorán, meu bodegón favorito em Palermo Soho, fui explicando os pormenores desta produção cinematográfica. Disse que “Homo Argentum” era o novíssimo filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat, dupla de cineasta argentina famosa por sucessos tanto nas telonas quanto na televisão. Na coluna Cinema, comentei alguns de seus grandes êxitos na Sétima Arte. Por exemplo, “O Cidadão Ilustre” (El Ciudadano Ilustre: 2016) e “Minha Obra-prima” (Mi Obra Maestra: 2018) ganharam análises completas nas páginas do Bonas Histórias. Considero essas duas comédias dramáticas impecáveis (ou seriam dramas cômicos de excelente qualidade, hein?!).


Público argentino lota as salas de cinema para ver Homo Argentum (2025), comédia de Mariano Cohn e Gastón Duprat, famosa dupla de cineasta local, com Guillermo Francella, o principal humorista do país

Mais recentemente, Cohn e Duprat foram responsáveis por dois dos seriados de TV mais assistidos e elogiados em seu país: “Meu Querido Zelador” (El Encargado: 2022-2024) e “O Faz Nada” (Nada: 2023). Se você não os viu, por favor, veja o quanto antes! Eles são formidáveis! Gostei tanto dessas produções televisivas (estou aguardando ansioso pela quarta temporada de “Meu Querido Zelador” – “O Faz Nada” teve uma temporada apenas) que quero comentá-las em breve na coluna TV, Rádio e Internet. Portanto, ainda vou voltar a esse assunto logo mais. Não perca as novidades do blog sobre os seriados dessa dupla de diretores.


Voltando à apresentação inicial de “Homo Argentum”... Também disse para Celinha, enquanto tentávamos não morrer nas ciclofaixas portenhas, que o nosso filme daquela noite era estrelado por Guillermo Francella, o principal humorista argentino e um dos atores mais carismáticos da terra de Maradona, Evita, Gardel e Quino. É curioso falar sobre isso, pois o público brasileiro só conheceu Francella recentemente, por seu protagonismo em “Meu Querido Zelador”, talvez seu trabalho mais genial na esfera dramática e de maior repercussão internacional. Entretanto, é bom que se diga, os argentinos curtem a comicidade desse experiente artista do audiovisual há muito, muito tempo.


Eu, por exemplo, conheci Guillermo Francella no início dos anos 2000, quando ele estrelava os mais hilários sitcons da televisão argentina e lançava os melhores bordões do país. “No es lo que parece”, “Quiero irme a casa!”, "Un poquito de respeto” e “Si es una nena” são ainda hoje repetidos no dia a dia de Buenos Aires – essas frases permanecem no imaginário coletivo e foram incorporadas ao repertório cultural da nação.


Por isso, é impossível não lembrarmos do espetacular “Poné a Francella” (2001 a 2002), programa humorístico que reunia várias enquetes curtas, sempre protagonizadas por Francella (daí seu título). Para mim, suas personagens inesquecíveis dessa época são Arturo Petrocelli de “La Nena”, Fernando de “El Masajista”, Rafael Campuzano de “Cuñados” e Marcos de “No es Lo que Parece”. Confesso que vi todos os episódios de “Cuñados” e “No es Lo que Parece” e muitos de “La Nena”. Apesar de conterem um humor datado e politicamente incorretos (aos olhos atuais), eles ainda funcionam superbem.  


Principal humorista argentino e um dos mais carismáticos atores de seu país, Guillermo Francella interpreta 16 personagens em Homo Argentum (2025), novo filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat

Guillermo Francella também fez muito sucesso na televisão com “Casados con Hijos” (2005 a 2006), versão argentina de “Married with Children” (1987 a 1996) que era tão boa quanto a original, e “El Hombre de Tu Vida” (2011 a 2012), uma espécie de mescla satírica de “Nove Rainhas” (Nueve Reinas: 2000) e “Amores Materialistas” (Materialists: 2025). Vale citar que na década de 1990, ele ainda protagonizou “La Familia Benvenuto” (1991 a 1995) e “Brigada Cola” (1992 a 1994), mas nunca vi nenhum episódio desses programas (sequer conheço seus enredos).


Assim, Francella se tornou um dos atores mais queridos e populares da Argentina, principalmente nas comédias televisivas. Talvez esse destaque tenha dificultado a obtenção de bons papéis dramáticos no cinema. Recordo que ele participou pontualmente de “Os Segredos dos Seus Olhos” (El Secreto de sus Ojos: 2009), última produção argentina que conquistou o Oscar de Melhor Filme Internacional. Por isso, “O Clã” (El Clan: 2015) é considerado um filme tão emblemático em sua carreira. Nesse thriller policial, enfim o experiente ator que fez os argentinos rirem por décadas na televisão brilhou como protagonista dramático nas telonas (algo que faria mais tarde na TV em “Meu Querido Zelador”).


Falei tudo isso para a Marcela (enquanto pedalávamos!!!) como uma tentativa de mostrar que juntar a direção de Mariano Cohn e Gastón Duprat com a atuação de Guillermo Francella era realmente um programa cinéfilo imperdível na Buenos Aires invernal. Para fechar minha explanação, contei ainda que “Homo Argentum” reunia 16 pequenas histórias sobre a argentinidade. Ou melhor dizendo, como o próprio título da película informa explicitamente, os enredos girariam em torno do ser humano natural da Argentina – não o Homo sapiens tradicional como conhecemos, mas o Homo argentum, uma variação bem específica da nossa espécie que nasceu e se alastrou no cone sul do continente americano. Todas as tramas cômicas seriam protagonizadas por Francella, que assumiria os mais distintos tipos em cada historieta.


Em suma, tratava-se de um longa-metragem formado por uma série de curtas-metragens. Segundo a publicidade local desta produção, eram “16 mini películas en una sola grand película”. Se fosse um livro, poderia enxergar “Homo Argentum” como uma coletânea de contos ou crônicas. Por isso, imediatamente me lembrei de “Relatos Selvagens” (Relatos Salvajes: 2014), uma das melhores produções argentinas do século XXI e merecedora do Oscar de Melhor Filme Internacional na cerimônia da Academia de Los Angeles de 2015 – estatueta entregue injustamente para “Ida” (2013), drama polonês chatérrimo de Paweł Pawlikowski. Estaríamos, então, diante de uma versão mais cômica e mais moderna de “Relatos Selvagens”?! Admito um pouco envergonhado que essa era a minha expectativa antes da sessão de cinema.


Lançado nos cinemas argentinos no início de agosto de 2025, Homo Argentum (2025) é a comédia dramática de Mariano Cohn e Gastón Duprat protagonizada por Guillermo Francella

Curiosamente, a proposta para a criação de “Homo Argentum” surgiu durante as gravações da primeira temporada de “Meu Querido Zelador”. No set de filmagem, Guillermo Francella comentou que gostaria de interpretar a versão argentina de “Os Monstros” (I Mostri: 1963), comédia neorrealista italiana de Dino Risi que narrava duas dezenas de tramas sobre os vícios, os paradoxos, as mazelas e as hipocrisias da Itália no Pós-Segunda Guerra Mundial.  


De imediato, Mariano Cohn e Gastón Duprat gostaram da proposta do ator e, encerrada as filmagens da temporada de estreia do seriado de televisão, começaram a trabalhar na confecção do enredo do novo longa-metragem. O roteiro de “Homo Argentum” ainda contou com a participação de Andrés Duprat (irmão de Gastón) e Horacio Convertini. A diferença para o filme italiano é que apenas um ator (Francella) interpretaria todos os protagonistas da coletânea de pequenas histórias.


Por mais que esse seja o filme de uma estrela incandescente no centro do sistema planetário da sétima arte argentina, acho de bom tom comentar os demais integrantes do elenco de “Homo Argentum”. Clara Kovacic, de “A Casa dos Mistérios” (The Caregiver: 2023), Guillermo Arengo, de “A Teoria dos Vidros Quebrados” (La Teoria de Los Vidrios Rotos: 2021), Eva de Dominici, de “Sangre Blanca” (2018), Gastón Soffritti, de “Ustedes Deciden” (2023), Dalma Maradona, de “Orillas” (2011), Juan Luppi, de “Luz Mala” (2022), e Vanesa González, de “Los Últimos Románticos” (2019), têm papéis de destaque. Pelo menos essas são as figuras que contracenaram com Francella que eu conheço, além de rostos famosos da música, do teatro e do campo esportivo.


Com orçamento de US$ 5,5 milhões, esta produção foi filmada basicamente em Buenos Aires entre outubro de 2024 e janeiro de 2025. Só um dos curtas-metragens foi gravado na Itália, onde aquela trama se passava. “Homo Argentum” foi lançado nas salas de cinema da Argentina, Uruguai e Chile em 7 de agosto. Segundo o que li e ouvi, a previsão de chegada às redes de exibição brasileiras é em 20 de novembro. Já nos serviços de streaming (leia-se Disney+), ele deve estar disponível em 19 de dezembro. Pelo menos são essas as informações que coletei. Se algum(a) leitor(a) do Bonas Histórias souber de mais alguma novidade sobre a vinda desse filme para nosso país, por favor, use o campo de comentários abaixo do post para compartilhar conosco as notícias.


Em cartaz nos cinemas argentinos desde agosto de 2025, Homo Argentum (2025) é a comédia dramática de Mariano Cohn e Gastón Duprat que é constituída por 16 pequenas histórias, todas protagonizadas por Guillermo Francella

O que dá para ser dito de concreto é que “Homo Argentum” se tornou um sucesso imediato na Argentina. Em apenas dez dias, ele foi visto por 1 milhão de expectadores e obteve receita superior ao valor investido. Além disso, o longa-metragem sobre as idiossincrasias da sociedade argentina se tornou a produção mais exitosa no Pós-pandemia em seu país. Nada mal para um longa-metragem que nasceu de uma ideia no set de filmagem e que é uma paródia de um clássico italiano, né? Vamos combinar que os nomes de Mariano Cohn e Gastón Duprat na direção e de Guillermo Francella na interpretação convenceram qualquer um a rumar para a sala escura. Foi o meu caso (e, por consequência, da minha irmã).


Ao mesmo tempo em que movimentou o mercado cinematográfico argentino, “Homo Argentum” também mergulhou na forte polarização política da nação albiceleste. Tudo porque Cohn e Duprat são figuras públicas de direita, uma raridade no campo artístico tanto lá quanto cá. Inclusive, a dupla apoiou, na última eleição presidencial, Javier Milei, o amalucado economista anarcocapitalista que foi alçado ao sillón de Rivadavia (a cadeira de comando da Casa Rosada). Até então, vale a menção, a posição ideológica dos cineastas não representou grandes problemas para eles (afinal, todo mundo tem o direito de apoiar quem quiser e de acreditar no que lhe convém, não é mesmo?!).


As coisas mudaram de figura justamente no lançamento de “Homo Argentum”, quando Peluca de León resolveu elogiar o longa-metragem que não havia recebido incentivos governamentais (pelo menos não da esfera federal). Para o presidente que conversa com o espírito de seu cachorro falecido, o sucesso da produção cinematográfica dirigida por dois de seus fãs mais conhecidos era a prova cabal de que o cinema nacional não precisava de recursos públicos. Para aumentar a confusão, Guillermo Francella declarou à imprensa que não gostava de assistir aos filmes custeados com dinheiro público, o que evidenciou sua inclinação política (ou a vontade de agradar ao cada vez mais impopular mandatário do Executivo). Pronto, o barraco estava armado!


Os comentários de Milei e Francella provocaram uma enxurrada de discussões acaloradas tanto na mídia quanto nas redes sociais. Enquanto o pessoal de esquerda avacalhava impiedosamente o filme, a galera de direita não se cansava de enaltecê-lo. Para os dois grupos, as obras artísticas devem ser avaliadas única e exclusivamente pelo verniz ideológico de seus criadores/produtores. Eita mente mais limitada dessas pessoas, Santo Deus!


Maior bilheteria do cinema argentino no Pós-pandemia, Homo Argentum (2025) é o filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat estrelado por Guillermo Francella

É bom dizer que não cometemos tal equívoco no Bonas Histórias – nossos tropeços são de outra natureza. Para a gente, não importa se os artistas são de direita ou de esquerda (até porque, as duas correntes têm mais semelhanças do que diferenças, principalmente quando localizadas nos extremos). O que vale é a qualidade do trabalho cultural entregue. E, nesse sentido, continuo admirando Mariano Cohn, Gastón Duprat e Guillermo Francella. Não é porque não goste nem um pouco de Javier Milei (que fez uma ou outra coisa positiva em dois anos de mandato, mas uma infinidade de maldades à população argentina) que vou odiar seus apoiadores, né?


Só trouxe essa questão para o debate na coluna Cinema porque, na Argentina em constante ebulição política, esse assunto acabou chamando mais a atenção do que a qualidade em si do principal blockbuster de 2025. Muitas críticas sobre o longa-metragem recém-lançado adquiriram tonalidades ideológicas que nada tinham a ver com os parâmetros da Sétima Arte. Ai, ai, ai. Saio do Brasil para fugir da irracionalidade de uma sociedade dividida entre o idiota e o babaca e vou para uma nação que fica em eterna disputa entre o pior e o péssimo. Aí fica difícil, senhoras e senhores!


Voltando ao conteúdo técnico do meu post... As 16 histórias de “Homo Argentum” são: “Aquí No Ha Pasado Nada”, “Una Noche de Suerte”, “Piso 54”, “Bienvenidos a Buenos Aires”, “El Niño Eterno”, “Un Hombre Decidido”, “La Fiesta de Todos”, “El Auto de Mis Sueños”, “Experiencia Enriquecedora”, “Cadena Nacional”, “La Novia de Papá”, “Las Ventajas de Ser Pobre”, “Ezeiza”, “Un Juguete Carísimo”, “Un Film Necesario” e “Troppo Dolce”. Como o filme ainda não foi traduzido para o português (apenas sabemos que seu nome se manterá como no original quando for lançado no Brasil), tive que recorrer aos títulos em espanhol dos curtas-metragens (que provavelmente ganharão uma versão em nosso idioma).  


Em “Aquí No Ha Pasado Nada”, assistimos a uma festa noturna num apartamento grã-fino de Buenos Aires. Na conversa entre os amigos cultos e bem-educados, um senhor explica que os argentinos são um povo incrível, de vasta qualidade. Porém, eles não têm a capacidade de formar coletivamente um país as suas imagens e semelhanças. Para o desespero desse senhor, ele provoca sem querer um pequeno acidente na varanda, quando sai para fumar. Assim, terá que tomar uma decisão ética que espelhará seu verdadeiro caráter.  


Sucesso de público nos cinemas de seu país, Homo Argentum (2025) é o filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat que se propõe a apresentar as particularidades tragicômicas da Argentina

“Una Noche de Suerte”, a segunda história do longa-metragem, Guillermo Francella é um segurança particular de uma rua de classe média alta da capital argentina. Ao encerrar o expediente, ele acaba vivenciando uma experiência sexual inusitada com uma jovem e carente moradora da vizinhança. Por sua vez, “Piso 54” demonstra o drama de um dos empresários mais famosos e ricos do país. Ao pegar o elevador para ir ao restaurante na cobertura do prédio, ele é alvo da chantagem de uma golpista atraente. 


Em “Bienvenidos a Buenos Aires”, um cambista da Calle Florida atende com muita simpatia a um casal de turistas brasileiros que quer trocar reais por pesos argentinos. “El Niño Eterno” mostra as dificuldades de um casal de idosos com o filho quarentão que não quer morar sozinho. “Un Hombre Decidido” é sobre um sujeito inconformado com a inseguridade de seu bairro. Diante da leniência da polícia, ele propaga aos quatro ventos que fará justiça com as próprias mãos.


A sétima trama é “La Fiesta de Todos”. Nela, presenciamos a locução esportiva de um jornalista argentino apaixonado por sua seleção justamente na final da última Copa do Mundo. Quando os jogadores do time albiceleste conquistam o tricampeonato de futebol em cima da França, o locutor encara fortes emoções. “El Auto de Mis Sueños” trata da façanha de um senhor que, depois de décadas e décadas de trabalho árduo e de muita economia financeira, consegue comprar o automóvel que tanto desejava. Em “Experiencia Enriquecedora”, um milionário de mais idade se encanta ao ver como seu dinheiro pode fazer um rapaz pobretão feliz. Ao invés de pedir artigos caros e inusitados, o garoto pede itens simples como comida e tênis. Assim, aquela inusitada interação se transforma em uma experiência antropológica marcante para o velho ricaço.


“Cadena Nacional” retrata a dificuldade do presidente da nação em comunicar decisões difíceis para a população. Dessa maneira, seu pronunciamento ao vivo pela televisão não sai como o planejado. “La Novia de Papá”, 11ª trama ficcional de “Homo Argentum”, é sobre a disputa pela herança de um idoso de classe média alta. Após um ano de viuvez, ele revelou à família que está namorando a empregada doméstica. Obviamente, este relacionamento mexe com os seus filhos ambiciosos. Em “Las Ventajas de Ser Pobre”, um padre prega os ideais do Catolicismo para um grupo de favelados famintos. O problema é que o religioso escolhe justamente o momento da refeição para falar sobre Jesus Cristo. Já “Ezeiza” retrata a tristeza de um casal obrigado a levar a jovem filha ao aeroporto internacional. Ela emigra para a Espanha em busca de mais oportunidades e deixa os pais sozinhos na capital da Argentina.


Nova comédia dramática de Mariano Cohn e Gastón Duprat com Guillermo Francella, Homo Argentum (2025) é o longa-metragem que tem 16 curtas-metragens com histórias sobre a argentinidade

Em “Un Juguete Carísimo”, a antepenúltima história do filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat, Guillermo Francella interpreta um avô que tenta provar ao neto que o presente caro que trouxe do exterior é um item difícil de ser encontrado em Buenos Aires. “Un Film Necesario” demonstra a incompatibilidade entre o discurso bonito e humanista e as ações arrogantes e cruéis de um diretor de cinema consagrado. E, por fim, “Troppo Dolce” retrata a viagem de um empresário argentino à Itália. Seu sonho é conhecer os parentes do outro lado do Atlântico. Porém, a interação com a parte italiana da família não sai como a personagem imaginava.


Com aproximadamente uma hora e 50 minutos de extensão, “Homo Argentum” se destaca positivamente pelo excelente ritmo narrativo. Como todas as suas tramas são rápidas (com duração mínima de dois minutos e máxima de quinze minutos), o espectador fica o tempo inteiro ligado na telona. A sensação é que não podemos piscar os olhos, do contrário perderemos algo importante e divertido. É claro que, como na maioria das coletâneas de histórias curtas, há aquelas que chamam mais a atenção e que gostamos de imediato e há aquelas mais fraquinhas e que não curtimos tanto.


Adorei, por exemplo, “Aquí No Ha Pasado Nada” e “Ezeiza”, que, respectivamente, retratam muito bem os dramas históricos e contemporâneos dos argentinos. Juro que nos dias seguintes à sessão de cinema, repeti várias vezes a frase do protagonista da primeira história: “El argentino, solo como individuo, siempre se destaca. Es familiero, somos solidarios, tenemos valores. Solo no puedo entender como no podemos salir de adelante como país”. Vamos combinar que essas palavras são de uma ironia maravilhosa (e poderiam ser usadas muito bem para o nosso querido e amado Brasil, né?). Em outra cena de humor fino, o pai e a mãe que viram a filha única partir para o exterior choram desolados, enquanto pregam que não existe país melhor no mundo do que a Argentina, onde podem comer uma boa parrilla


“El Niño Eterno”, “El Auto de Mis Sueños” e “Un Juguete Carísimo” também são ótimos dramas cômicos, mas possuem um caráter mais universal (e menos local). Ou seja, mostram as maluquices dos seres humanos de maneira geral (e não tanto a argentinidade, como era a proposta do filme). Esses mesmos episódios poderiam, na minha humilde opinião, servir para retratar as angústias de norte-americanos, costa-riquenhos, alemães, japoneses, iranianos, sul-africanos, australianos e brasileiros. Onde estão as particularidades do Homo argentum aí?! Juro que não as encontrei.    


Depois do sucesso do seriado de TV Meu Querido Zelador (El Encargado: 2022-2024), Mariano Cohn e Gastón Duprat voltam a dirigir Guillermo Francella em Homo Argentum (2025), blockbuster que levou um milhão de argentinos às salas de cinema

Os curtas-metragens mais fracos foram: “Una Noche de Suerte” (impossível não nos recordarmos de “Meu Querido Zelador”), “La Fiesta de Todos” (clichê futebolístico), “Las Ventajas de Ser Pobre” (tema abordado desde a época do Monty Python) e “Un Film Necesario” (infelizmente, um episódio trivial no universo artístico-cultural em todos os cantos do planeta e que não tem nada de original). A sensação é que eles entraram no filme apenas para que a sessão cinematográfica chegasse as quase duas horas de duração, tempo médio dos longas-metragens.  


Há algumas cenas e enquetes cômicos que exigem da plateia estrangeira certo repertório histórico, cultural e jornalístico sobre a Argentina. Sem essa bagagem, o espectador não acha tanta graça nos conflitos tragicômicos das personagens de Guillermo Francella. Isso fica mais evidente em “Aquí No Ha Pasado Nada”, “Piso 54”, “Bienvenidos a Buenos Aires”, “Un Hombre Decidido”, “La Fiesta de Todos”, “Cadena Nacional”, “Las Ventajas de Ser Pobre”, “Ezeiza” e “Troppo Dolce”. Não por acaso, achei que “Homo Argentum” é uma produção que vai agradar mais aos argentinos (e à galera que vive por aqui há muitos anos) do que aos gringos (ou àqueles que não estão tão familiarizados com a realidade nas margens mais caóticas do Rio da Prata).


Paradoxalmente, saí da sessão de cinema do Multiplex Belgrano bastante decepcionado. Apesar de ter entendido boa parte das nuances das histórias, esperava muuuito mais de “Homo Argentum”. Aí está justamente o X da questão. Talvez o filme não seja tão ruim. O problema estava na minha altíssima expectativa, o que influenciou na percepção de qualidade. Juro que imaginava ser impactado como fui em “Relatos Selvagens”, essa sim uma coletânea de histórias tragicômicas memorável do cinema argentino. Porém, a nova produção de Mariano Cohn e Gastón Duprat com Guillermo Francella é apenas razoável ou, na melhor das hipóteses, uma boa película. Não mais do que isso. Se comparado, por exemplo, ao filme indicado ao Oscar de 2015, “Homo Argentum” perde de goleada para “Relatos Selvagens” – alguém aí pensou em 7 a 1?!


Prova do que estou dizendo é que Celinha, que não tinha expectativa nenhuma ao chegar à sala de cinema (nem sequer conhecia os diretores e o ator protagonista), gostou bastante deste longa-metragem. Curiosamente, minha irmã saiu radiante do Multiplex Belgrano por ter entendido de 70% a 80% do filme (ela não é fluente em espanhol). Quem leu “Episódio 4: O Espanhol Argentino”, texto não ficcional da série “Tempos Portenhos”, conteúdo da coluna Contos e Crônicas, entenderá o drama de muitos turistas brasileiros (y de mi hermana) adeptos do portunhol por Buenos Aires. Além do fator entendimento, ela gostou, conforme me confidenciou na volta para casa naquela noite, da maioria das histórias de “Homo Argentum”.


Lançado nos cinemas argentinos no início de agosto de 2025, Homo Argentum (2025) é a comédia dramática de Mariano Cohn e Gastón Duprat protagonizada por Guillermo Francella

Por isso, repito: não estamos diante de um longa-metragem ruim. Ao mesmo tempo, não espere que ele vá ganhar prêmios cinematográficos importantes (nem será o filme argentino indicado ao Oscar de 2026) ou ser lembrado daqui a uma ou duas décadas. Nem mesmo posso dizer que esse é o melhor trabalho cinematográfico de Cohn e Duprat. “O Cidadão Ilustre” continua ocupando esse posto. No caso das produções televisivas, o primeiro lugar é de “Meu Querido Zelador”. Esses dois títulos são sim merecedores de incontáveis elogios e de numerosos prêmios da indústria audiovisual latino-americana.


Mas o porquê me decepcionei tanto com “Homo Argentum”? E o porquê considero alguns degraus abaixo da excelência de “Relatos Selvagens”? Aposto que os leitores mais curiosos da coluna Cinema estão fazendo essas perguntas. Acho que já adiantei os principais motivos. Em primeiro lugar, a maioria das tramas são universais e não possuem o colorido local. Como um apaixonado pela cultura e pela sociedade argentina (materializadas na série de crônicas “Tempos Portenhos”), esperava ver mais da argentinidade, que aparece em apenas meia dúzia (quando muito!) dos 16 curtas-metragens. Vamos combinar que é muito pouco.


Outra razão foi o recorte muito pontual da realidade do país em que vivo. A visão ofertada pelas histórias do filme é bastante específica e não geral. Em outras palavras, assistimos às tragicomédias de homens idosos, brancos e das classes média e alta de certos bairros de Buenos Aires. E o restante da sociedade argentina, cadê? Ela simplesmente não aparece aqui. Por exemplo, não temos protagonistas femininas, jovens ou do interior. Também não há personagens principais pobres, negras, indígenas ou estrangeiras. Nesse sentido, “Os Monstros”, longa dos anos 1960 que inspirou o filme argentino, é um pouco mais plural (ainda que não represente a totalidade da sociedade italiana no Pós-Guerra) do que sua versão contemporânea.


Mas por que os enredos de Mariano Cohn, Gastón Duprat, Andrés Duprat e Horacio Convertini não foram versáteis? Por que essa equipe talentosa não construiu protagonistas mais heterogêneos? A resposta para essas questões é muito simples: porque queriam que Guillermo Francella interpretasse todas as principais figuras da coletânea de pequenas histórias argentinas. Lembremos que foi o ator de 70 anos que teve a ideia dessa produção. Não dava, portanto, para sacá-lo de algumas enquetes ou deixá-lo como coadjuvante ou figurante de algumas mini películas, né?!


Principal humorista argentino e um dos mais carismáticos atores de seu país, Guillermo Francella interpreta 16 personagens em Homo Argentum (2025), novo filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat

E essa concentração em apenas um intérprete foi errada? Só responderá positivamente a tal questionamento quem ainda não conferiu “Homo Argentum”. Afinal, a atuação de Francella é de tirar o chapéu. Para completar, é um charme para o público que é tão fã de seus trabalhos (coloque o dedo aqui que já vai fechar!) assistir novamente ao experiente humorista vivenciando uma coleção de figuras bizarras, tal qual tínhamos em “Poné a Francella”, saudoso programa humorístico da televisão argentina.  


Em suma, precisamos reconhecer que Guillermo Francella vivencia uma ótima fase como ator dramático e que, não por acaso, segue sendo um dos artistas/humoristas mais carismáticos e queridos de seu país. Parte da comicidade do filme está justamente em ver sua transmutação para os vários tipos interpretados. Ora ele é empresário frio e calculista, padre comunicativo, viúvo apaixonado por uma novinha e vizinho sanguinolento em busca de vingança, ora é avô vaidoso, vigia noturno entediado pela rotina, presidente vacilante e diretor de cinema prepotente.


Já que falamos sobre essas transmutações do ator em várias personagens, me sinto na obrigação de apontar os trabalhos de maquiagem (responsabilidade de Araceli Farace) e figurino (méritos de Constanza Balduzzi) como maravilhosos. Esses sim são dignos de indicações ao Oscar. Eles são tão bem-feitos que aposto que terá espectadores de fora da Argentina que demorarão para notar que se trata do mesmo intérprete em todas as histórias.


Por fim, aviso que “Homo Argentum” está carregado de merchandising. De cabeça, me recorde de ter visto três ou quatro marcas sendo estampadas de forma nem um pouco sutil na telona. Por um lado, entendo a necessidade de se usar os espaços do longa-metragem para gerar faturamento. Até porque, esta produção não usou recursos da INCAA (Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales). Por outro lado, é bom que se diga, o melhor merchandising cinematográfico e televisivo é aquele que se encaixa naturalmente na história – lembremos da Wilson e da Fedex em “Náufrago” (Cast Away, 2000). Assim, a marca comercial chega ao espectador de um jeito natural. Convenhamos que não é o que se fez em “Homo Argentum”, que mais pareceu as propagandas explícitas que a Rede Globo faz dentro de suas telenovelas. Aí não dá!


Assista, a seguir, ao trailer de “Homo Argentum” (2025):



Os brasileiros que estiverem por Buenos Aires nesse princípio de primavera ainda conseguem ver “Homo Argentum” nas salas de cinema. Sei que a rede Multiplex e o Cine Gaumont, as duas exibidoras que mais frequento, seguem com sessões vespertinas. Acredito que vale a pena conferi-lo nas telonas. Quem não tiver esse privilégio, será preciso esperar sua estreia nos cinemas brasileiros e no streaming no fim do ano.  


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